Desoneração da folha de pagamentos e seus efeitos sobre os contratos de obra pública

Desoneração da folha de pagamentos e seus efeitos sobre os contratos de obra pública

Abordagem acerca dos efeitos da desoneração da folha de pagamentos implementada pelo Plano Brasil Maior sobre os contratos de obra pública, em especial no que se refere ao equilíbrio econômico-financeiro.

Com o objetivo declarado[1] de sustentar o crescimento econômico e enfrentar a crise econômica mundial, o Governo Federal instituiu o Plano Brasil Maior para incentivar o ganho de produtividade na indústria, desenvolvimento da tecnologia nacional e incremento do comércio exterior.

As medidas adotadas no bojo do Plano foram anunciadas em dois grandes blocos, um em agosto de 2011, outro em abril de 2012. Dentre elas, encontram-se as medidas de desoneração da folha de pagamentos.

Em 2 agosto de 2011 foi publicada a Medida Provisória n° 540. Dentre outras determinações, a MP alterou a incidência das contribuições previdenciárias, restringindo-se, quanto a isto, aos setores de Tecnologia da Informação, Tecnologia da Informação e Comunicação, confecções, calçados e móveis[2].

Com as alterações introduzidas pela MP n° 540/2011, a Contribuição de Seguridade Social à carga da empresa, com alíquota de 20% sobre o total das remunerações pegas, devidas ou creditadas a qualquer título aos segurados ou trabalhadores avulsos que lhe prestem serviços (Lei n° 8.212/1991, art. 22, inc. I e III), teve seu cálculo alterado, passando sua base a ser a receita bruta[3] e a alíquota a ser determinada de acordo com o setor de atividade econômica considerado, podendo ser de 2,5% ou 1,5%, conforme o caso.

Em 14 de dezembro de 2011, já no bojo do segundo pacote de medidas anunciadas para a implementação do Plano Brasil Maior, foi publicada a Lei n° 12.546 que convertia a MP n° 540 em norma permanente do legislativo. Dentre outras previsões, a Lei n° 12.546 - e suas alterações posteriores - ampliou o programa de desoneração da folha de pagamentos para outros setores da economia, instituindo alíquotas de 1 ou 2% sobre a receita bruta de acordo com a área de atuação das empresas atingidas pela medida.

Dentre os setores incluídos no programa de desoneração da folha encontra-se o de construções civil pesada (art. 7º, inc. VII), com uma alíquota prevista em 2%[4].

A desoneração da folha de pagamentos não foi adotada como medida facultativa para as empresas, mas sim obrigatória. Trata-se, na verdade, da alteração na base de cálculo e na alíquota da Contribuição de Seguridade Social. Com efeito, a base de cálculo transfere-se das folhas de pagamentos para a receita bruta das empresas e a nova alíquota instituída, no caso das empresas de construção civil pesada, é de 2%.

As alterações na legislação tributária têm reflexos específicos no caso desta atividade econômica, cuja atuação se dá, destacadamente, através de contratos com a Administração Pública. Se essa modificação no regime jurídico tributário incidente sobre o setor refletir numa alteração das condições econômicas de desenvolvimento dos empreendimentos de infraestrutura com reflexos sobre o equilíbrio contratual, as novas circunstâncias dariam ensejo ao reequilíbrio da equação contratual. Com efeito, o caso enquadrar-se-ia na hipótese conhecida como fato do príncipe.

Nesse sentido, o desequilíbrio pode se dar tanto em desfavor do particular quando da Administração. É preciso averiguar, quanto a isto, quais os efeitos da alteração da legislação tributária sobre cada empreendimento em particular. Com efeito, a alteração tributária descrita pode tanto implicar um redução nos custos dos empreendimentos de infraestrutura como uma majoração de suas despesas respectivas. Tudo dependerá da relação entre os valores despendidos em remuneração do fator trabalho e os valores auferidos a título de renda bruta definida na forma da lei.

Ilustramos a questão com os exemplos que seguem.

O empreendimento A conta com folha de pagamento no valor R$ 100.000,00 e uma receita bruta de R$ 1.000.000,00. Antes da desoneração da folha, a contribuição a que estava sujeito era de R$ 20.000,00 (100.000*0,2); com a alteração do regime tributário o montante a ser levantado a título de Contribuição de Seguridade Social permanece estável, sem qualquer alteração (1.000.000*0,02).

O empreendimento B, que conta com folha de pagamento no valor R$ 200.000,00 e uma receita bruta de R$ 1.000.000,00, terá, após a desoneração da folha de pagamento, uma diminuição dos encargos a título de Contribuição de Seguridade Social no valor de (-) R$ 20.000,00 (1.000.000,00*0,02 - 200.000*0,2).

O empreendimento C, que conta com folha de pagamento no valor R$ 50.000,00 e uma receita bruta de R$ 1.000.000,00, estará submetido, após a desoneração da folha de pagamento, a uma majoração dos encargos a título de Contribuição de Seguridade Social no valor de R$ 10.000,00 (1.000.000,00*0,02 - 200.000*0,2).

Pode-se demonstrar matematicamente que a relação de equilíbrio entre valor de folha e valor de receita para que os encargos tributários se mantenham constantes é de 10%. Vejamos.

Se chamarmos de F o valor da folha de pagamentos de determinado empreendimento, temos que a Contribuição de Seguridade Social (que chamaremos C), antes da “desoneração”, poderia ser calculada da seguinte forma:

C = F*0,2

Se chamarmos R a receita bruta relacionada à mesma obra, temos que a Contribuição de Seguridade Social (que chamaremos ), após a “desoneração”, poderia ser calculada da seguinte forma:

C´ = R*0,02

Para que o montante levantado a título de Contribuição de Seguridade Social, temos:

C = C´ → F*0,2 = R*0,02 → R = 10*F

Portanto, pode-se dizer que não há alterações dos encargos tributários em decorrência da “desoneração” da folha de pagamentos se a relação entre custo da folha e receita bruta é de um para dez. Se o peso relativo da folha é maior, há uma diminuição de encargos; se o peso é menor, há uma majoração de encargos. Assim,

Se R<10*F → C>C´;

Se R>10*F → C<C´

Dito isto, é necessário afirmar que a constatação de uma diminuição ou majoração de encargos não é, de per si, justificativa suficiente para o reequilíbrio dos contratos de obra pública em que se verifique.

Com efeito, quanto a questões às quais podemos recorrer por analogia, tanto o Judiciário como os Tribunais de Contas[5] tem direcionado suas decisões no sentido de que o reequilíbrio econômico-financeiro (ou revisão) dos contratos administrativos apenas terá lugar mediante uma análise global dos fatores de incidência relevante sobre o desenvolvimento da atividade contratada.

É dizer, a par da constatação de que determinado fator teve influência positiva ou negativa sobre a economia do contrato é necessário verificar se, e em que medida, outros fatores também ali incidiram, seja neutralizando o primeiro ou agudizando seus efeitos (sejam positivos ou negativos). Isto é, apenas uma análise holística seria idônea à verificação do desequilíbrio contratual.

Desta sorte, independentemente do constatado no levantamento de dados para a averiguação dos efeitos da desoneração da folha de pagamentos sobre a economia do contrato em análise, outras questões de relevante efeito sobre a economia contratual devem ser consideradas e, portanto, não podem deixar de ser analisadas para a verificação de seu equilíbrio econômico-financeiro.

Notas

[1] http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/conteudo/128, acesso em 23 de Outubro de 2014.

[2]<http://www.brasilmaior.mdic.gov.br/images/data/201207/367670d00255e82fd7624f8d8fc61ae5.pdf>, acesso em 23 de Outubro de 2014.

[3] Para a apuração da receita bruta são excluídas do faturamento as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos, bem como a receita bruta de exportações.

[4] Para os efeitos da lei, os consórcios instituídos com base na Lei n° 6.404/1976 com CNPJ próprio ficam equiparados às empresas, cabendo à empresa, neste caso, deduzir de sua base de cálculo, de forma proporcional, a receita bruta auferida pelo consórcio (§ 11, art. 9°, Lei n° 12.546/2011).

[5][5] Ver a este repeito CAMPELO, Valmir; CAVALCANTE, Rafael Jardim. Obras Públicas: comentários à jurisprudência do TCU. Belo Horizonte: Fórum, 2013. Nas páginas 98 e seguintes entram-se descrição de situação análoga bem como jurisprudência correlata do Tribunal de Contas, em que alterações dos sistemas de preços oficiais, solicitadas por contratados da Administração, são negadas sob o argumento de que, para tanto, outros fatores também incidentes sobre a questão deveriam ser analisados, o que poderia neutralizar um eventual desequilíbrio.

Sobre o(a) autor(a)
Guillermo Glassman
Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito Administrativo pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado.
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