Dispensa de prova pericial quando do pagamento de adicional de periculosidade por mera liberalidade

Dispensa de prova pericial quando do pagamento de adicional de periculosidade por mera liberalidade

Análise acerca da dispensa de perícia técnica quando da existência de pagamento do adicional de periculosidade por mera liberalidade trazida pela OJ 406 DO SDI-1, abordando os benefícios e riscos, bem como sua legalidade.

É sabido que adicional de periculosidade é devido ao empregado que presta serviços em contato permanente com elementos inflamáveis ou explosivos em condições de risco acentuado e o entendimento anterior pautava-se na indispensabilidade da realização de perícia técnica para o pagamento de adicional de periculosidade. Inclusive o art. 195 da CLT deixa clara tal posição:

Art. 195. A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do trabalho, far-se-ão através de perícia a cargo de Médico do Trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrada no Ministério do Trabalho.

§ 2º Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por sindicato em favor de grupo de associados, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo e onde não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do trabalho.

Há inclusive jurisprudência no sentido de que mesmo o reclamado não comparecendo à audiência, sendo decretada a sua revelia, deve ser designada perícia técnica. Segue ementa abaixo transcrita:

ADICIONAL DE PERICULOSIDADE – NECESSIDADE DE PERÍCIA MESMO EM FACE DA REVELIA DA RÉ - ART – 195 DA CLT – A partir do disposto no art. 195, o 2º, da CLT, a relaização de prova pericial apresenta-se como requisito absolutamente indispensável não somente à classificação da periculosidade-insalubridade, mas à própria caracterização da condição desfavorável do trabalho. Do autor o ônus probatório quanto ao ponto, seu encargo permanece intacto diante da revelia decretada à parte adversa, uma vez que a confissão dela decorrente, em regra geral, para os outros pedidos, não se estende à questão da periculosidade, por tratar-se de matéria eminentemente técnica. Assim, não se podendo prescindir da realização da prova pericial, por impositivo legal, ainda que a parte adversa deixe de apresentar defesa quanto ao ponto, cabe ao autor postular, oportunamente, a solicitação da perícia. (TRT 9ª R. Proc. 00228-2002-053-09-00-6 (23703-2003). Relª Juíza Sueli Gil El-rafihi. J. 24.10.2003.)

Entretanto pela recente OJ publicada pelo TST a perícia é dispensada quando a empresa em determinado mês deixa de pagar o adicional sem que qualquer medida tenha sido adotada para diminuir ou eliminar o grau de periculosidade.

OJ-SDI1-406. ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. PAGAMENTO ESPONTÂNEO. CARACTERIZAÇÃO DE FATO INCONTROVERSO. DESNECESSÁRIA A PERÍCIA DE QUE TRATA O ART. 195 DA CLT. (DEJT divulgado em 22, 25 e 26.10.2010)

O pagamento de adicional de periculosidade efetuado por mera liberalidade da empresa, ainda que de forma proporcional ao tempo de exposição ao risco ou em percentual inferior ao máximo legalmente previsto, dispensa a realização da prova técnica exigida pelo art. 195 da CLT, pois torna incontroversa a existência do trabalho em condições perigosas.

Tal OJ vai de encontro aos dispositivos legais e constitucionais, apesar de se fundamentar em outros dispositivos e princípios, senão vejamos.

O art. 195 da CLT não dá discricionariedade ao Juiz para que dispense a perícia técnica. É o que se infere da leitura do mesmo:

“A caracterização e a classificação da insalubridade e da periculosidade, segundo as normas do Ministério do trabalho, far-se-ão através de perícia (...)”

“Argüida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por sindicato em favor de grupo de associados, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo e onde não houver, requisitará perícia (...)” (grifos nossos).

Os verbos grifados indicam um comando claro e imperativo que deixam o Juiz adstrito à realização de perícia.

Sergio Pinto Martins em seu livro, Comentários às orientações jurisprudenciais da SBDI 1 e 2 do TST[1], tem parecer nesse sentido:

“A empresa pode fazer pagamento do adicional de periculosidade por mera liberalidade, mas isso não presume que o adicional é devido, pois a empresa pode pagar o adicional por erro ou para evitar dúvidas.

O certo é fazer perícia, pois o parágrafo 2º do artigo 195 da CLT é imperativo: “arguida em juízo insalubridade ou periculosidade, seja por empregado, seja por sindicato em favor de grupo de associados, o juiz designará perito habilitado na forma deste artigo, e, onde não houver, requisitará perícia ao órgão competente do Ministério do Trabalho”. O dispositivo usa o verbo designar no imperativo. Logo, há necessidade de ser realizada perícia para verificar se o local é mesmo perigoso.” (grifos nossos)

Dessa forma, a nova OJ é dispositivo contra legen e, portanto, o judiciário estaria imiscuindo-se na atividade legislativa. Vemos, nesse caso, o princípio da legalidade sendo ferido com a edição de OJ que contraria norma com força de Lei Ordinária (a CLT).

A questão se aprofunda na medida em que surgem questionamentos sobre o motivo pelo qual o Empregador teria passado a pagar o adicional de periculosidade. Pode ter sido por erro, pode ter sido por liberalidade, pode ter sido pela dúvida se a atividade realizada era ou não perigosa, dentre outros.

Tendo sido por mera liberalidade, para dar vantagens ao empregado ou premiá-lo, melhorar suas condições de trabalhado, entra em discussão a aplicação do art. 468 da CLT.

Art. 468  – Nos contratos individuais de trabalho só é lícita a alteração das respectivas condições por mútuo consentimento, e ainda assim desde que não resultem, direta ou indiretamente, prejuízos ao empregado, sob pena de nulidade da cláusula infringente desta garantia.

Isto porque, tendo o adicional de periculosidade sido concedido como se vantagem fosse e não como uma indenização pelo trabalho perigoso realizado a retirada deste pagamento concretiza-se como uma alteração do contrato do trabalho que gera prejuízos ao empregado, ferindo o dispositivo alhures transcrito.

Todavia o artigo 194 da CLT deixa claro que o adicional de periculosidade deverá ser extirpado a partir do momento em que o risco não mais existir.

Art. 194. O direto do empregado ao adicional de insalubridade ou de periculosidade cessará com a eliminação do risco à sua saúde ou integridade física, nos termos desta Seção e das normas expedidas pela Ministério do Trabalho.

Dessa forma, a situação fática concreta gera uma incongruência entre os artigos, ao passo que manter um empregado percebendo adicional de periculosidade não laborando sob essas condições viola o dispositivo legal acima citado, mas retira-lo viola o art. 468 da CLT.

Outros problemas de ordem prática podem surgir:

Se todos os empregados recebem adicional de periculosidade por mera liberalidade, aquele empregado que efetivamente está sob risco não receberá nada a mais do que seu colega que não está sob risco. Perde-se o caráter indenizatório do adicional de insalubridade.

Pode-se dizer que a natureza jurídica do adicional de periculosidade foi violada a partir do momento em que foi paga por liberalidade, sem haver riscos; no entanto, a OJ não diz isso e sim presume que o labor era perigoso.

Traz-se à baila ainda a seguinte questão:

A presunção de que trata a OJ 406 é relativa ou absoluta? Questiona-se pelo seguinte:

O OJ em questão expressa que o pagamento por mera liberalidade dispensa a prova pericial, pois torna incontroversa a existência de trabalho em condições perigosas. A presunção relativa admite prova em contrário, mas, como provar que o trabalho era ou não perigoso sem perícia? É certo que a prova pericial é o meio mais admitido para determinar se um trabalho é perigoso ou não, podendo-se dizer que é praticamente o único meio capaz de tal verificação.

Na prática, obstando-se a realização de perícia, a presunção torna-se absoluta, pois, sem a realização da mesma fica praticamente impossível de se provar o contrário.

A presunção relativa seria aplicada se fosse presumida a periculosidade pela existência de pagamento admitindo-se a prova pericial em contrário, e até mesmo invertendo o ônus da prova para o empregador, mas não impedindo o mesmo de realizar a perícia mesmo às suas expensas.

É preciso ver na prática como se comportarão os Magistrados e Tribunais a partir da vigência da referida orientação tendo em vista que, se não forem analisados os motivos que levaram a edição da mesma, poderão ser prolatadas decisões temerárias que ferem o contraditório e a ampla defesa; e, não permitir que a empresa realize a perícia por já haver pagamento do adicional, independente do caso, fatalmente ferirá tais princípios.

Para ilustrar, é a situação da empresa que por equívoco inclui certo empregado na folha de pagamento para adicional de periculosidade e depois de três meses ou até de um ano percebe o erro e retira esse adicional. Se o Magistrado aplicar a OJ ipsi literis não vai permitir a perícia por já haver pagamento e a empresa não poderá comprovar que não há periculosidade implicando na continuidade do pagamento mesmo este sendo indevido.

A OJ respeitaria o princípio da legalidade e seria menos temerosa se estivesse nos seguintes termos:

“O pagamento de adicional de periculosidade efetuado por mera liberalidade da empresa, ainda que de forma proporcional ao tempo de exposição ao risco ou em percentual inferior ao máximo legalmente previsto, inverte o ônus da prova pericial exigida pelo art. 195 da CLT, pois presume-se a existência do trabalho em condições perigosas.” (grifadas as partes alteradas).

Nesses moldes, traria para o empregado a vantagem de inversão do ônus da prova, evitando que tenha que arcar com esses custos. Para o empregador a vantagem da segurança de ter sua ampla defesa preservada podendo realizar a perícia para afastar suposto direito do empregado.

A celeridade restaria prejudicada, em parte, mas os direitos das partes não devem ser ceifados em razão da celeridade. E, para realização da perícia, existe um custo tornando a realização da mesma pouco atraente se o empregador tiver ciência de que realmente existe o risco.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CARRION, Valentin. Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho. 34ª ed atualizada. São Paulo: Saraiva, 2009.

DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7ª ed. São Paulo: LTr, 2008.

MARTINS, Sergio Pinto. Comentários às Súmulas do TST. 7ª ed. São Paulo: Atlas, 2009.

_______. Comentários às orientações jurisprudenciais da SBDI 1 e 2 do TST. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2012.

_______. Direito do Trabalho. 27ª ed. São Paulo: Atlas, 2011.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de Direito Processual do Trabalho. 6ª edição. São Paulo: Ltr, 2008.

JÚNIOR, José Cairo. Curso de Direito Processual do Trabalho. 4ª edição. São Paulo: Juspodivm, 2011.

SALIBA, Tuffi Messias; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e Periculosidade, Aspectos Práticos e Técnicos. 8ª edição. São Paulo: Ltr, 2007.

ORTIZ, Christian T. Breves Comentários às Novas OJs 406 a 411 da SDI-1 do TST. Diário de um Advogado Trabalhista, 27 out. 2010. Disponível em: <http://www.diariotrabalhista.com/2010/10/breves-comentarios-as-novas-ojs-406-411.html>. Acesso em: 10 novembro 2012.

EÇA, Vitor Salino de Moura. Inexigibilidade de perícia para a caracterização de periculosidade: um salto para a atualidade. Boletim Jurídico, 23 mar. 2005. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/doutrina/texto.asp?id=550>. Acesso em: 10 novembro 2012.

[1]3ª ed. São Paulo: Atlas, 2012, p. 176.

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João Victor Barbosa de Matos
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