Publicidade das indústrias automobilísticas: a defesa dos interesses difusos da coletividade

Publicidade das indústrias automobilísticas: a defesa dos interesses difusos da coletividade

As relações de consumo evoluíram muito com o passar o tempo, o que refletiu imediatamente nas relações sociais, econômicas e jurídicas. Diante desta evolução a tutela do consumidor ganhou destaque, principalmente as tutelas coletivas, que buscam a celeridade e o desafogamento do judiciário.

1 INTRODUÇÃO

Com o aumento da capacidade produtiva mundial, o crescimento das relações de consumo foi apenas uma consequência inequívoca. A publicidade veio para resolver essa necessidade em divulgar produtos e serviços e para convencer os consumidores, seu público alvo.

Com o avanço das indústrias automobilísticas no Brasil e a necessidade de divulgação de seus produtos, tendo em vista a acirrada concorrência, essas normas deram margem à criação de algumas lacunas, que foram preenchidas pelo Termo de Ajustamento de Conduta das Publicidades Automotivas, objeto de estudos deste trabalho.

A escolha do tema deve-se as relevantes crescentes de indagações no que tange à regulamentação de publicidade automotiva, e é de suma importância, já que não há notícias de um estudo direcionado a respeito do tema.

2 A DEFESA COLETIVA DO CONSUMIDOR

As relações de consumo evoluíram muito com o passar o tempo, o que refletiu imediatamente nas relações sociais, econômicas e jurídicas. Diante desta evolução a tutela do consumidor ganhou destaque, principalmente as tutelas coletivas, que buscam a celeridade e o desafogamento do judiciário.

O artigo 81 do CDC tratou de diferenciar e conceituar os três institutos coletivos: interesses ou direitos difusos, interesses ou direitos coletivos e interesses e direitos individuais homogêneos. Os três têm estrita ligação, porém precisam de merecida atenção para que sejam devidamente diferenciados entre si. As discrepâncias podem ser observadas com mais facilidade quando exemplificadas: a) interesses individuais homogêneos: compradores de um determinado carro que saiu de fábrica com o mesmo defeito de fabricação em todos os veículos; b) interesses coletivos: ilegalidade de um aumento nas prestações de consórcio; c) interesses difusos: os destinatários de uma propaganda ou publicidade dada como enganosa.

O interesse difuso, em especial, tem como características a indeterminação do sujeito, a falta de vínculo jurídico entre eles e a indivisibilidade de um bem jurídico comum a todos. Portanto, não há como delimitar precisamente seus contornos, “eles são ideais, são sentimentos coletivos ligados a valores parajurídicos (o ‘justo’, o ‘equitativo’, o ‘natural’), insuscetíveis de se apresentarem em forma coesa, uniforme.[1]

Tomaremos como exemplo o caso da poluição do ar na cidade de São Paulo, onde a) seria impossível determinar o número de moradores que são afetados pelo ar em más condições, b) é paradoxal, mas indispensável, dizer que o objeto pertence a todos e a ninguém ao mesmo tempo, pois é possível individualizá-lo e distribuí-lo conforme o quinhão de cada um e c) mesmo que todos os moradores da cidade tenham a residência em comum, podem nem se conhecer, não tendo vínculo algum. [2]

Os direitos relativos à publicidade enganosa, abusiva ou omissa, portanto, são difusos.

2.1 TUTELA DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM DEFESA DOS DIREITOS DIFUSOS DO CONSUMIDOR

Desde que os estudos sobre interesses difusos e coletivos ganharam força, o MP tornou-se o destinatário natural da proteção desses interesses, porém, não exclusivo. O MP apenas é considerada a instituição mais habilitada para a defesa dos direitos da coletividade entre tantos outros que fazem parte de um sistema de proteção, em que há atuação integrada de diversos órgãos.

O artigo 1º do CDC cita que o Código estabelece normas: “de proteção e defesa do consumidor, de ordem pública e interesse social [...]”[3]. Ao confrontarmos tal artigo com o citado 127 da Constituição Federal de 1988, podemos observar convergência entre eles: o MP deverá intervir sempre que se discutam relações de consumo, pois essas são de interesse social e encontra-se legitimado para exercer a defesa coletiva do consumidor no artigo 82 do CDC: “para os fins do art. 81, parágrafo único, são legitimados concorrentemente: I - o Ministério Público. [...]”[4].

Porém, o CDC só tratou das questões processuais referentes à defesa dos direitos individuais homogêneos e para cuidar dos interesses difusos e coletivos, usa-se a Lei nº 7.347/85, que disciplina a ação civil pública.

A referida lei, conforme seu art. 5º, §6º, legitimou o MP a ajustar termo ou compromisso de conduta (TAC), que tem a finalidade de prevenir e solucionar consensualmente conflitos supraindividuais. Portanto, o MP adota essa medida como estratégia no desempenho de suas atribuições, conforme art. 127 da CF, tornado-as mais eficientes e dinâmicas.

3 PUBLICIDADE DA INDÚSTRIA AUTOMOTIVA

Os periódicos brasileiros constantemente relatam números emergentes quanto ao dispêndio de valores com o mercado automobilístico, que alavanca a economia nacional. Prova são os inúmeros lançamentos de novos automóveis e a imigração de marcas mundiais em solo brasileiro.

Muitas vezes, para atrair seus clientes e enfrentar a concorrência, as montadoras, concessionárias e revendedoras de veículos utilizam de apelo emocional, persuasivo, e a atração e o estímulo que a publicidade desperta no consumidor pode induzi-lo a erro e causar danos materiais e morais a toda coletividade, pois mesmo que atinja a esfera privada, os riscos são difusos e coletivos[5], provocando os órgãos competentes à regular tal ação.

O próprio Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (CONAR), na década de 70, em seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, anexo “O”, já previu algumas regras.

Perante o CONAR, aliás, durante o ano de 2011, foram instaurados 325 processos que visam a readequação da publicidade lançada. Desse montante, a publicidade de veículos, peças e acessórios diz respeito à porcentagem de 9%, o que significa 28 processos referentes ao assunto[6].

Com a chegada do CDC, em 1990, a publicidade tornou-se fonte de obrigações e foi vetada qualquer espécie de publicidade enganosa e abusiva, prevendo sanções penais e administrativas a quem desrespeitasse.

4 TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA DA PUBLICIDADE AUTOMOBILÍSTICA NO BRASIL

Aos 30 dias do mês de agosto do ano de 2010 foi assinado o Termo de Ajustamento de Conduta entre os Ministérios Públicos do Estado do Paraná, Distrito Federal, Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro, Santa Catarina e Amapá e 24 empresas do setor de importação e/ou fabricação automobilística do Brasil, bem como a Associação Nacional do Ministério Publico do Consumidor (MPCON), com a finalidade de regular a publicidade deste setor[7].

Em 16 de setembro do mesmo ano, o TAC foi referendado pelos estados de Goiás, Bahia, Maranhão, Acre, Ceará, Alagoas, Roraima, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais e Paraíba.

Ficou acordado, então, que as compromissárias (indústrias) deixariam de veicular, a partir do dia 30 de outubro do ano de 2010, toda publicidade que estivesse em desconformidade com o TAC.

O site do periódico paranaense, Gazeta do Povo, após acompanhar a reunião em que o TAC foi assinado, ressaltou, de maneira abreviada, o que considerou as principais alterações nas propagandas de veículos, que valem para meios impressos, televisão, rádio e internet:

Letras

Cores: em propagandas impressas em que aparecem preços deverão ser usados caracteres com tamanho uniforme, não expondo preços com cores e letras iguais ou semelhantes ao fundo, nem caracteres apagados, rasurados ou borrados, visando a legibilidade;

Espaço: os caracteres não podem se encostar e a tipografia deve priorizar o estilo regular;

Tamanho: as letras passam a ter tamanho mínimo (1,4 mm), com o máximo de 90 caracteres a cada 10 cm de linha. O espaço entre as linhas devem ter no mínimo 3,15mm.

Informações

Parcelas: quando o pagamento não for à vista a publicidade deve informar o valor da entrada, número e valor das parcelas a serem pagas, preço final do veículo, taxa de juros e eventuais acréscimos. Todas essas informações devem fazer parte do “texto legal”;

Frete: quando o valor do frente não estiver incluso no preço do produto, a publicidade deverá usar a expressão “mais frete”;

Posicionamento: o preço deverá estar visivelmente ligado ao produto anunciado;

Imagens: nas publicidades impressas poderão ser usadas fotografias, desenhos ou qualquer espécie de representação gráfica, desde que o preço e as características informadas correspondam ao produto. Na televisão, se não houver correspondência de preço com a imagem, deverá ser informado com o mesmo destaque que “este veículo possui versões a partir de” determinado preço.

Alterações: deve constar na propaganda que as promoções, taxas e preços promocionais podem sofrer alterações sem aviso prévio;

Validade: os anunciantes poderão estipular um prazo de validade da oferta, seja por data ou pela expressão “enquanto durarem os estoques”, sendo informada a quantidade de produtos no estoque;

Multa

Valor: o não cumprimento da lei será punido por uma multa de 30% do valor da publicidade irregular.[8]

Vários dos princípios do Direito do Consumidor são assegurados nesse documento: princípio da veracidade, informação, boa fé, legalidade, entre outros. Também traz o princípio da legibilidade, ou seja, “a eficiente leitura de uma página impressa requer que o leitor converta, o mais rápido possível, símbolos tipográficos — caracteres — em conceitos”[9].

Evidente é o princípio da informação, que cumpre uma “função informativa, levando ao conhecimento do público a existência de produtos e serviços destinados ao suprimento das necessidades humanas”[10], mas não só isso, a informação que o consumidor espera é aquela relativa aos proveitos e aos preços e condições daquilo que está sendo oferecido.

Ao TAC é conferida natureza de título executivo extrajudicial, com fundamento na LACP, art. 5º, § 6º. Sendo assim está dispensada a fase cognitiva processual, caso as compromissárias descumpram o estabelecido, obtendo-se a imediata execução da obrigação disposta no documento.

Contém também as penalidades pelo descumprimento do acordado: será imposta multa no montante correspondente a 30% do custo da respectiva campanha, observado o limite mínimo de R$30.000,00 (trinta mil reais) e máximo de R$150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), sem prejuízo de outras sanções cabíveis.

Deve-se levar em consideração a ânsia do consumidor em despender grande quantia de dinheiro para realizar a compra de um bem de alto custo.Tudo isso com a finalidade de que sejam protegidos os direitos difusos da coletividade consumidora.

5 CONCLUSÃO

Conforme esperado, com o passar do tempo e a concorrência acirrada entre montadoras e concessionárias que precisam destacar-se no mercado para anunciar seus produtos, surgiram algumas lacunas na regulamentação da publicidade frente o consumidor. De sorte que o Ministério Público, usando de sua legitimidade e do status de instituição mais adequada para defender os direitos da coletividade, tomou compromisso de ajustamento de conduta das indústrias automobilísticas e/ou importadoras de automóveis do Brasil para regulamentar a situação, prática prevista na Lei de Ações Civis Públicas, n° 7.347/85, art. 5°, § 6°.

São respeitados, entre outros, o princípio da legibilidade, o princípio da informação e transparência, da boa-fé, da veracidade, da legalidade, da vinculação contratual trazidos pelo Direito do Consumidor e pela publicidade.

Ademais, são impostas penalidades pelo descumprimento, medida que visa coibir as empresas de divulgarem publicidades que vão contra ao TAC firmado sem que haja necessidade de o consumidor demandar em face da anunciante.

Não se trata aqui de ceifar a criatividade dos publicitários, mas de propor-lhes então um desafio: anunciar os veículos de maneira suficientemente atrativa e criativa, mas respeitando os direitos daqueles que são, acima de tudo, seus principais alvos: os consumidores.

Informações pouco objetivas, errôneas, tendenciosas e que confundem o consumidor na hora de comprar o que foi anunciado, são praticas vedadas no ordenamento jurídico e que deverão ser observadas pelos anunciantes. O que se preza é a boa relação entre o consumidor e o fornecedor.

Diante de toda a exposição colacionada neste trabalho, é possível concluir que o termo de ajuste de conduta das publicidades automotivas demonstrou grande importância no cenário dos direitos do consumidor, preenchendo as lacunas deixadas sobre este específico mercado, que só tende a crescer: o publicitário automobilístico.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor: Lei nº 8.078. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em 31 mai. 2012.

BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 31 mai. 2012.

CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Conar em números. Disponível em http://www.conar.org.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

HEITLINGER, Paulo. O que é legibilidade? Disponível em <http://tipografos.net/boas-praticas/que-e-legibilidade.html>. Acesso em 30 abr. 2012.

JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos, Conceito e legitimação para agir. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1994.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. Termo de Ajustamento de Conduta. Disponível em <http://www.consumidor.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/montadoras/tac_montadoras.pdf>. Acesso em 28 abr. 2012.

NASCIMENTO, Alexandre Costa; CICONETTO, Franciele. Publicidade de carros vai seguir norma mais rígida. Gazeta do Povo. 31 ago. 2010. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1041635>. Acesso em 28 abr. 2012.

PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. V. 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997.


[1] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses Difusos, Conceito e legitimação para agir. São Paulo, SP: Revista dos Tribunais, 1994, p.122.

[2] SOUZA, Motauri Ciocchetti de. Interesses difusos em espécie: temas de direito do consumidor, ambiental e da lei da improbidade administrativa. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 147.

[3] BRASIL. Código de Defesa do Consumidor: Lei nº 8.078. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L8078.htm>. Acesso em 31 mai. 2012.

[4] Ibid.

[5] JACOBINA, Paulo Vasconcelos. Publicidade no direito do consumidor. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.89.

[6] CONAR – Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária. Conar em números. Disponível em http://www.conar.org.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[7] MINISTÉRIO PÚBLICO DO PARANÁ. Termo de Ajustamento de Conduta. Disponível em <http://www.consumidor.caop.mp.pr.gov.br/arquivos/File/montadoras/tac_montadoras.pdf>. Acesso em 28 abr. 2012.

[8] NASCIMENTO, Alexandre Costa; CICONETTO, Franciele. Publicidade de carros vai seguir norma mais rígida. Gazeta do Povo. 31 ago. 2010. Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/economia/conteudo.phtml?id=1041635>. Acesso em 28 abr. 2012.

[9] HEITLINGER, Paulo. O que é legibilidade? Disponível em <http://tipografos.net/boas-praticas/que-e-legibilidade.html>. Acesso em 30 abr. 2012.

[10] PASQUALOTTO, Adalberto. Os Efeitos Obrigacionais da Publicidade no Código de Defesa do Consumidor. V. 10. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 92.

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Iohanny Ratti Pinto
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