Constitucionalidade ou inconstitucionalidade do procedimento especial para crimes de responsabilidade dos funcionários públicos?

Constitucionalidade ou inconstitucionalidade do procedimento especial para crimes de responsabilidade dos funcionários públicos?

Como é possível privilegiar aqueles que praticam crimes contra a Administração Pública, ou seja, contra os entes federativos, quando estes primeiros, na verdade, deveriam protegê-la, já que ocupam cargos e desempenham funções com o objetivo de gerí-la?

O Código de Processo Penal dispõe em seus artigos 513 à 518 sobre o processo e o julgamento dos crimes de responsabilidade dos funcionários públicos. Dentre os diversos tipos de procedimentos processuais, os crimes funcionais, adiante analisados, se enquadram no procedimento especial.

Inicialmente, insta salientar que há entre os doutrinadores divergência em relação à abrangência da expressão “crimes de responsabilidade”. Para a maior parte da doutrina, aplica-se apenas aos crimes presentes nos artigos 312 à 326 do Código Penal, tendo em vista o conceito de funcionário público no artigo 327 do referido código. Entretanto, outros doutrinadores defendem a idéia de que esta expressão abrange até mesmo os crimes de natureza política, como os praticados pelo Presidente da República, ministros, governadores, secretários e prefeitos. Sendo assim, consideraremos que são crimes cometidos por funcionários públicos comuns, sem prerrogativas políticas e que não possuem foro privilegiado, visto que os agentes políticos possuem outro procedimento especial e serão julgados conforme a Lei 8.038/90.

Posto isto, o crime funcional tem que ser afiançável e contra a Administração Pública (federal, estadual ou municipal) para que se aplique o procedimento especial. Cabe ressaltar que havendo perda da qualidade de funcionário público, consequentemente perde-se o direito ao procedimento especial.

Este procedimento implica em duas fases. A primeira é a Fase Administrativa, na qual feita a denúncia, com toda documentação juntada, o juízo de prelibação não a analisa, e apenas notifica o funcionário público para comparecer, seja por escrito, seja pessoalmente, no prazo de 15 dias, para apresentar defesa preliminar. Portanto, não há citação neste momento. Durante este período o juiz não se manifesta. O chefe de repartição do funcionário público será notificado também. Caso o investigado não se manifeste no prazo estipulado, o processo não iniciará, pois a denúncia ainda não foi recebida. O investigado será ouvido antes que exista o processo, por isso ele ainda não é réu. Nesta fase, o funcionário público não precisa de advogado ou defensor público, podendo utilizar-se do “jus postulandi”. A resposta do investigado pode adentrar o mérito: do processo que não iniciou, tentando evitar que o juiz receba a denúncia; e nas questões preliminares. Caso o juiz não receba a denúncia, existem dois posicionamentos:

1) Excepcionalmente, esta decisão administrativa gera coisa julgada material, tendo efeitos judiciais.

2) O juiz, ao ver que o sujeito é inocente, recebe a denúncia e passa para a segunda fase, a fim de formar o processo, citar o réu, concedendo um prazo para ele apresentar resposta. Assim, o juiz poderá absolver o réu sumariamente, fazendo coisa julgada material.

Importa dizer que caso o investigado não seja encontrado ou este esteja fora do país, não se admite, respectivamente, notificação por edital ou por precatória. Nestes casos, o indivíduo perde o direito de notificação e o juiz nomeia advogado dativo para atuar no processo.

A segunda fase é a Judicial, onde após o recebimento da denúncia pelo juiz, o funcionário público é citado, e segue-se o processo aplicando o procedimento ordinário.

Diante do exposto, cabe analisar a constitucionalidade da aplicação deste rito nos crimes cometidos por “cidadãos comuns”, visto que os funcionários públicos tem, por isso, alguns privilégios – como por exemplo, maior prazo para se defender – o que quer dizer que eles possuem benefícios devido a função que exercem.

Como é possível privilegiar aqueles que praticam crimes contra a Administração Pública, ou seja, contra os entes federativos, quando estes primeiros, na verdade, deveriam protegê-la, já que ocupam cargos e desempenham funções com o objetivo de gerí-la? Pelo contrário, ao invés de possuírem benefícios ao serem julgados, deveria ser aplicado a eles o mesmo procedimento aplicado aos “cidadãos comuns”, que é o rito ordinário. Além disso, as punições poderiam ser mais severas, por se tratar de um crime, indiretamente, contra toda a sociedade. Tudo isto embasado no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o qual assegura, através do Princípio da Igualdade, que: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade ...”.

Finalmente, pode-se dizer que o procedimento especial para crimes de responsabilidade dos funcionários públicos é inconstitucional, pois fere o Princípio da Isonomia que é conferido a todos os cidadãos pela Carta Magna.

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Viviane Paula de Carvalho
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