Licitação: a questão da inexequibilidade do preço

Licitação: a questão da inexequibilidade do preço

O objeto deste trabalho é indagar se a Administração Pública tem competência para revogar ou não uma licitação com base na inexequibilidade do preço oferecido pela empresa vencedora, alegando a Administração que esta não conseguirá honrar o compromisso firmado em sede de julgamento das propostas.

É a licitação um procedimento por meio do qual a Administração Pública visa adquirir serviços ou bens com a maior vantajosidade possível, seja ela pelo menor preço o seja ela pela melhor técnica e preço. Meirelles (2007, p. 272) há muito já afirmara que é um “procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu interesse.”

Princípios basilares dos procedimentos licitatórios encontram-se no Documento Supremo em seu art. 37, e também na Lei de Licitações no seu art. 3º, sendo eles: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo, dentre outros.

O objeto deste trabalho é indagar se a Administração Pública tem competência para revogar ou não uma licitação com base na inexequibilidade do preço oferecido pela empresa vencedora, alegando a Administração que esta não conseguirá honrar o compromisso firmado em sede de julgamento das propostas.

Para tanto, imagine a abertura de uma licitação na modalidade pregão a qual tem por objeto a prestação de serviços laboratoriais. A administração pública exige das empresas que respeitem a tabela do SUS como base para oferta dos preços. Dando prosseguimento, as empresas interessadas começam a ofertar seus lances com o intuito de vencer o certame. Lance vai e lance vem, por fim uma empresa oferta um percentual de 56% abaixo da tabela SUS, um recorde em vantajosidade para a Administração.

Se isso chegar a acontecer, isto é, a empresa firmar o compromisso e não conseguir cumprir o acordado, estará sujeita às sanções administrativas elencadas no art. 87 da Lei 8.666/93. Vale à pena transcrevê-lo:

Art. 87.  Pela inexecução total ou parcial do contrato a Administração poderá, garantida a prévia defesa, aplicar ao contratado as seguintes sanções:

I - advertência;

II - multa, na forma prevista no instrumento convocatório ou no contrato;

III - suspensão temporária de participação em licitação e impedimento de contratar com a Administração, por prazo não superior a 2 (dois) anos;

IV - declaração de inidoneidade para licitar ou contratar com a Administração Pública enquanto perdurarem os motivos determinantes da punição ou até que seja promovida a reabilitação perante a própria autoridade que aplicou a penalidade, que será concedida sempre que o contratado ressarcir a Administração pelos prejuízos resultantes e após decorrido o prazo da sanção aplicada com base no inciso anterior.

§ 1o  Se a multa aplicada for superior ao valor da garantia prestada, além da perda desta, responderá o contratado pela sua diferença, que será descontada dos pagamentos eventualmente devidos pela Administração ou cobrada judicialmente.

§ 2o  As sanções previstas nos incisos I, III e IV deste artigo poderão ser aplicadas juntamente com a do inciso II, facultada a defesa prévia do interessado, no respectivo processo, no prazo de 5 (cinco) dias úteis.

§ 3o  A sanção estabelecida no inciso IV deste artigo é de competência exclusiva do Ministro de Estado, do Secretário Estadual ou Municipal, conforme o caso, facultada a defesa do interessado no respectivo processo, no prazo de 10 (dez) dias da abertura de vista, podendo a reabilitação ser requerida após 2 (dois) anos de sua aplicação. (Vide art 109 inciso III) (G.N.)

Assim, inicialmente, entende-se que caso a empresa oferte um preço aparentemente inexeqüível, o correto é que aplique-se as sanções previstas supra e não, simplesmente revogar ou anular a licitação alegando inexequibilidade, invadindo a esfera privada da empresa, avaliando critérios técnico-financeiros da empresa que tem interesse em fornecer os produtos licitados.

O art. 48 da lei de licitações diz que serão desclassificadas as propostas que não atendam às exigências do ato convocatório da licitação; as propostas com valor global superior ao limite estabelecido ou com preços manifestamente inexeqüiveis, assim considerados aqueles que não venham a ter demonstrada sua viabilidade através de documentação que comprove que os custos dos insumos são coerentes com os de mercado e que os coeficientes de produtividade são compatíveis com a execução do objeto do contrato, condições estas necessariamente especificadas no ato convocatório da licitação.

Vale citar uma das DELIBERAÇÕES do TCU (Acórdão 287/2008 – Plenário – Voto do Ministro Relator) acerca do tema para melhor esclarecimento.

“Assim, o procedimento para a aferição de inexequibilidade de preço definido no art. 48, inciso II, § 1°, alíneas “a” e “b”, da Lei 8.666/93 conduz a uma presunção relativa de inexequibilidade de preços. Isso porque, além de o procedimento encerrar fragilidades, dado que estabelece dependência em relação a preços definidos pelos participantes, sempre haverá a possibilidade de o licitante comprovar a sua capacidade de bem executar os preços propostos, atendendo satisfatoriamente o interesse da administração. Nessas circunstâncias, caberá à administração examinar a viabilidade dos preços propostos, tão somente como forma de assegurar a satisfação do interesse público, que é o bem tutelado pelo procedimento licitatório.

Por essas razões, tivesse o certame chegado a termo distinto, caberia ao licitante vencedor demonstrar a exeqüibilidade de seu preço, na eventualidade de a administração vislumbrar a possibilidade de estar comprometida a regular prestação do serviço contratado.

Vê-se que o entendimento do Tribunal de Contas da União coaduna-se com os princípios do contraditório e da ampla defesa, constitucionalmente previstos, e com o que rege a própria lei de licitações.

A QUESTÃO DA INEXEQUIBILIDADE

Neste momento indaga-se: poder-se-ia a Administração Pública deixar de contratar a empresa vencedora, sob a alegação de que os preços são inexeqüíveis, ou mesmo desclassificá-la?

Este tema comporta uma ressalva prévia sobre a impossibilidade de eliminação de propostas vantajosas para o interesse público. A desclassificação por inexequibilidade apenas pode ser admitida como exceção, em hipóteses muito restritas. Acompanhando o raciocínio da exposado por Justen Filho[1] o Estado não pode transformar-se em fiscal da lucratividade privada e na plena admissibilidade de propostas deficitárias.

A IMPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL: ADMISSIBILIDADE DE BENEFÍCIOS EM PROL DO ESTADO

Fugiria da lógica, por exemplo, imaginar um dispositivo da Constituição Federal que rejeitasse proposta gratuita em favor dos estados. Se um empresário quiser doar seus bens ao poder público, o que teria de mal nisso? Se se pode até doar, porque não ofertar um preço aparentemente sem lucro nenhum? Indubitavelmente, não pode uma lei infraconstitucional vedar que o Estado perceba vantagens e benefícios dos particulares.

A RESPONSABILIDADE DO PARTICULAR POR PROPOSTAS DEFICITÁRIAS

Além da impossibilidade de lei proibindo que o Estado perceba vantagens de particulares, estes podem dispor de seus bens, inclusive para lançar-se em empreitadas econômicas duvidosas, conforme assevera Justen Filho.

Poderá, tranquilamente, assumir riscos que derivarão prejuízos. É salutar o comentário do sempre citado Justen Filho quando aduz que “não é cabível que o Estado assuma, ao longo da licitação, uma função similar à de curatela dos licitantes. Se um particular comprometer excessivamente seu patrimônio, deverá arcar com o insucesso correspondente”.

O CAMPO DE ATUAÇÃO DA VEDAÇÃO LEGAL

Nesse ínterim, vale dizer que se uma proposta de valor irrisório for plenamente executável por um particular, não estará em jogo o interesse público. A proposta não poderá ser excluída do certame. O que não se admite, como ressalva a doutrina pátria, é que o particular formule previsões equivocadas e pesando realizar proposta onerosa, assuma encargos incompatíveis com sua condição econômica. Isto é, querer fornecer um ativo maior que o que possui. Se por exemplo, possuo uma industria que faz 20 tratores no semestre, não posso me comprometer a entregar 20 em um mês. Questão de lógica.

A QUESTÃO DA COMPETIÇÃO DESLEAL

Aqui é de salutar importância transcrevermos na íntegra o que explica o inestimável Marçal. Vejamos:

“Nem se afigura relevante o problema da competição desleal e do risco de preços predatórios. Mais precisamente, o tema não interessa à Comissão de Licitação, a quem não foram atribuídas competências para a defesa da Ordem Econômica. A matéria deve ser levada à apreciação das autoridades dotadas de competência nesse campo. Mais especificamente, caberá a apuração dos fatos à Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça e ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica-CADE”.

Logo se um dos licitantes reputar a oferta realizada no curso do certame caracteriza prática reprovável e caracteriza abuso de poder econômico, a solução não reside em obter a desclassificação por inexequibilidade. É-lhe facultado representar às autoridades competentes, as quais poderão impor ao competidor desleal punição adequada, exemplar e satisfatória.

CONCLUSÃO – SOLUÇÃO CONCRETA PARA A QUESTÃO

Os arts. 44, § 3°, e 48, II e §§ 1° e 2°[2] devem ser interpretados no sentido de que a formulação de proposta de valor reduzido exige avaliação cuidadosa por parte da Administração. Seguindo ainda a linha de raciocínio de Justen Filho, constatando que realmente há evidência de prática de valores irrisórios sendo ofertados, deve-se proceder a formulação de diligências destinadas a apurar a viabilidade da execução, inclusive com verificação de outros dados no âmbito do licitante.

Assim cabe verificar se o sujeito efetivamente se encontra em dia com suas obrigações tributárias e previdenciárias. Deve exigir-se o fornecimento de informações sobre o processo produtivo e sobre a qualidade dos produtos e insumos. É necessário solicitar do sujeito esclarecimento sobre a dimensão efetiva de sua proposta e assim por diante.

O que não pode ocorrer de forma alguma é o cancelamento da licitação ou desclassificação do licitante sob a argumentação que não conseguirá arcar com seus compromissos, pois não é da alçada do Estado fazer esse juízo de valor da empresa. Mas deve-se oferecer a oportunidade de defesa, em processo administrativo para que a empresa comprove por meio de balancetes e documentos hábeis a exeqüibilidade dos preços e garantia de entrega dos bens licitados.

BIBLIOGRAFIA

JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. Dialética. 9° Edição – São Paulo, 2002.

Lei de Licitações e Contratos Administrativos 8.666/93 de 21 de junho de 1993.

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 33 ed. São Paulo: Malheiros, 2007.

TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. Licitações & Contratos – Orientações e Jurisprudência do TCU – 4° Edição-revista, atualizada e ampliada.

[1] JUSTEN FILHO, Marçal, Comentários à Lei de Licitações, 9° ed. Dialética, 2002.

NOTA[2] Art. 44, § 3o Não se admitirá proposta que apresente preços global ou unitários simbólicos, irrisórios ou de valor zero, incompatíveis com os preços dos insumos e salários de mercado, acrescidos dos respectivos encargos, ainda que o ato convocatório da licitação não tenha estabelecido limites mínimos, exceto quando se referirem a materiais e instalações de propriedade do próprio licitante, para os quais ele renuncie a parcela ou à totalidade da remuneração. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)

Art. 48, § 1º Para os efeitos do disposto no inciso II deste artigo consideram-se manifestamente inexeqüíveis, no caso de licitações de menor preço para obras e serviços de engenharia, as propostas cujos valores sejam inferiores a 70% (setenta por cento) do menor dos seguintes valores: (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

a) média aritmética dos valores das propostas superiores a 50% (cinqüenta por cento) do valor orçado pela administração, ou (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998) b) valor orçado pela administração. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

§ 2º Dos licitantes classificados na forma do parágrafo anterior cujo valor global da proposta for inferior a 80% (oitenta por cento) do menor valor a que se referem as alíneas "a" e "b", será exigida, para a assinatura do contrato, prestação de garantia adicional, dentre as modalidades previstas no § 1º do art. 56, igual a diferença entre o valor resultante do parágrafo anterior e o valor da correspondente proposta. (Incluído pela Lei nº 9.648, de 1998)

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Raul de Araújo Albuquerque
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