Embargos à execução, necessidade de relativização

Embargos à execução, necessidade de relativização

Discute a necessidade de, em certos casos, relativizar-se a necessidade de o executado/embargante ter que especificar o valor que entende devido na petição inicial dos embargos à execução (excesso de execução), exigência da Lei 11.382/06.

O mundo jurídico vive desde o final de 2005 uma avalanche de sérias mudanças em quase todo ordenamento processual civil, o chamado “Pacote Republicano”, este que vem alterando toda a estrutura procedimental, onde, em alguns casos, infelizmente, ofende princípios básicos processuais, para não dizer inclusive, de ordem constitucional.

Estes rabiscos tecerão breves comentários acerca do meio processual garantido ao jurisdicionado para opor-se a uma Execução motivada por título executivo extrajudicial, qual seja, Embargos à Execução.

Parêntese são abertos para mencionar que, com a Lei 11.232/05, o legislador “esvaziou” o Livro II do Código de Processo Civil, vez que, atualmente, este regulamenta somente o procedimento judicial executivo fundado em título extrajudicial. Já o título judicial não mais carece das formalidades de outrora, tão pouco de eventuais ônus (custas, sucumbência, etc.) tendo em vista não mais se tratar de um procedimento judicial independente, como era na promulgação do CPC encabeçado pelo Maestro Buzaid (o credor, de posse de sentença acobertada pelo caso julgado, teria que apresentar procedimento judicial próprio para tal - execução de sentença -). Atualmente o legislador inseriu mais uma fase ao processo de conhecimento, qual seja, o Cumprimento de Sentença, onde, após o trânsito em julgado da decisão e pertinente liquidação (artigos ou arbitramento), cabe ao credor por mero requerimento (incluindo nele a liquidação por cálculos) pedir o cumprimento forçado da obrigação identificada no título judicial que ainda encontra-se inadimplida, inclusive podendo indicar bens de propriedade do devedor para serem penhorados, nos termos dos artigos 475-J, parágrafo 3º., respeitando a ordem elencada no art. 655, ambos do CPC.

Fechados os parênteses, voltando ao tema em tela, a Lei 11.382/06 alterou vertiginosamente todo o processo de execução fundado em título extrajudicial, derrubando algumas barreiras impostas ao devedor quando da perseguição de seu crédito, e não poderia estar de fora desta mudança o meio de oposição a ela, qual seja, os Embargos à Execução. Várias são as mudanças, podendo, inclusive, vir a causar prejuízo ao devedor/executado/embargante, senão vejamos.

Inicialmente, o prazo para apresentação dos embargos, nos termos do art. 738 do CPC, foi aumentado em 5 dias (antigamente eram 10, hoje 15 dias), contudo, sem a necessidade de garantia do juízo, contados da juntada aos autos do mandado de citação devidamente cumprido pelo Sr. Oficial de Justiça. Vale salientar que, havendo litisconsórcio passivo, o prazo para embargar é independente, salvo em caso de serem cônjuges os litisconsortes (738, parágrafo 1º.).

Outra importante alteração diz respeito à faculdade dada ao magistrado, quando do recebimento dos embargos, de poder conceder ou não, dependendo dos motivos declinados pelo embargante (739-A, parágrafo 1º.), efeito suspensivo, suspendendo, por conseguinte, o processo executivo, que não mais deverá tramitar em apenso aos embargos, estes que serão distribuídos por dependência, tramitando ambos livremente (art. 736, parágrafo único).

Como era antigamente, a Lei elenca as matérias que poderão ser discutidas pela executado/embargante nos embargos, nos termos do art. 745, sendo uma delas, o excesso de execução (inciso III). Nesta linha, consagrando um dos pilares motivadores às alterações contidas do “Pacote Republicano”, qual seja, a maior efetividade do processo, nos termos do art. 739-A, parágrafo 5º., caso o embargante alegue excesso de execução, terá que mensurar nos próprios embargos o valor que entende devido, sob pena de serem rejeitados liminarmente.

Tal situação merece algum estudo.

Será que todas as vezes que um devedor, ao ser executado, entendendo existir excesso de execução, terá condições, quer documental, quer técnica, de demonstrar, senão confeccionar num curto espaço de tempo (15 dias), o valor que efetivamente entende devido? Será ainda, que mesmo majorado o valor cobrado (prática ilegal por parte do credor), o indeferimento dos embargos opostos sem a devida quantificação, não ofende princípios processuais basilares?

Visando ilustrar a problemática acima, podemos utilizar como exemplo uma execução motivada por instrumento particular firmada entre consumidor e instituição financeira, contrato este utilizado para novar/renegociar dívidas anteriores já existentes entre as partes (cheque-especial, cartão de crédito, outros financiamentos firmados na forma “pré-fixado”).

Poderá nos embargos o devedor/embargante discutir ilegalidades, senão abusividades praticadas pelo ente financeiro em todos os contratos firmados no curso do tempo (tarifas cobradas, taxa de juros, forma de incidência dos juros junto ao saldo devedor – anatocismo -, encargos advindos da inadimplência - multas, juros de mora, comissão de permanência -), possibilidade esta prevista por conta da Súmula 286 do STJ (“A renegociação de contrato bancário ou a confissão da dívida não impede a possibilidade de discussão sobre eventuais ilegalidades dos contratos anteriores”).

Pois bem, seria juridicamente correto o magistrado, ao receber embargos fundados em excesso de execução, advinda de práticas ilegais/abusivas oriundas de instituição financeira, contudo, sem a individualização dos valor que entende efetivamente devido, rejeita-los liminarmente?

Vale salientar que na maioria das vezes a instituição financeira não fornece ao seu cliente todos os contratos por ele firmados, sequer envia mensalmente os extratos da conta corrente, sob a alegação de que tais documentos encontram-se disponibilizados via internet. Sem falar ainda na questão técnica necessária para o refazimento dos cálculos, especialmente no que diz respeito à cobrança de juros capitalizados mensalmente (juros compostos), vez que a Lei, salvo raras exceções, proíbe a capitalização anual de juros.

Assim, salvo tratar-se de um economista, senão contador, ou ainda de uma pessoa que tenha vasto conhecimento de matemática financeira, nenhuma outra poderá opor-se por meio de embargos à execução na situação fática acima identificada.

Todavia, ouso afirma que existem instrumento legais hábeis em salvaguardar os interesses do embargante/consumidor, mesmo não tendo consigo os valores que entende efetivamente devido, senão vejamos.

Todo emaranhado legislativo deve ser estudo e aplicado em conjunto, pois várias são as Leis especiais que trazem no seu bojo normas de ordem processual. Inicialmente, diz a Constituição da República que ao jurisdicionado deverá ser garantido o contraditório e a ampla defesa. Além disso, por se tratar de relação de consumo (Lei 8078/90, artigos 2º. e 3º., corroborado pela Súmula 297 do STJ e pelo julgamento da ADIN 2591 junto ao STF), seus termos devem ser respeitados quando um consumidor tem que se valer dos meios processuais na defesa de seus direitos.

Diz o art. 6, VIII do CDC que a defesa do consumidor deverá ser facilitada em juízo, inclusive, se for o caso, em certos casos, invertendo-se o ônus da prova.

A jurisprudência vem aos poucos aplicando esta premissa legislativa, facilitando, por conseguinte, a defesa dos direitos do consumidor em juízo: “Atividade bancária que envolve a entrega de produto, como dinheiro ou crédito, que servem tanto à produção como ao consumo - Incidência da Lei 8.078/90 - Insuficiência técnica dos embargantes verificada - Inversão do ônus processual e, de conseqüência, do ônus econômico determinados, inclusive, para dar efetividade à facilitação da defesa do consumidor em juízo - Artigo 6º, VIII do CDC - Agravo provido para esse fim.- TJ/SP - Processo: 7002834-1- Relator: Rizzatto Nunes - Órgão Julgador: 23ª Câmara Direito – Privado - Data do Julgamento   : 29/06/2005.”

Diante deste panorama, reitera-se a indagação acima identificada: Tem o embargante condição técnica de apresentar, no caso sob estudo, o valor que efetivamente entende devido?

Claro que não, pois se trata de situação especial, diversa daquela onde o credor inclui no saldo devedor índice de reajuste diverso do elencado em Lei ou no contrato (SELIC ao invés do INPC), ou ainda, quando o credor inclui multa moratória acima do previsto, quer na Lei, quer no contrato, senão também em caso de o credor cobrar juros de mora em período superior ao devido. Nestes casos o cálculo é de facílima confecção, podendo a parte liquidá-lo, onde, na falta, ai sim deverá o magistrado indeferir liminarmente os embargos à execução opostos, nos termos do já falado art. 739-A, parágrafo 5º. do CPC.

Intentou o legislador com estas mudanças impedir brigas judiciais intermináveis, senão ainda meramente protelatórias, onde, somente ao final do procedimento judicial é que as partes iriam liquidar a dívida reclamada, sendo que, neste caso, quantificado o valor pelo embargante, pode o exeqüente concordar, evitando o prolongamento demasiado desta discussão.

No caso em estudo, além de ter que angariar todos os documentos que deram origem a dívida reclamada, terá o embargante que ter conhecimento, como já dito, de matemática financeira para quantificar o valor devido, expurgando os abusos e ilegalidades eventualmente praticadas pelo ente financeiro, ora exeqüente/embargado.

Outro ponto que vem a corroborar a não rejeição liminar dos embargos, diz respeito aos documentos necessários para a elaboração dos cálculos. O procedimento executivo é instruído com o último contrato firmado pelas partes, vez ser este título executivo extrajudicial, independente dos valores que deram origem a ele, nos termos da Súmula 300 do STJ. Assim, deverá o embargante angariar, senão administrativamente (o que é muito difícil), judicialmente todos os extratos e contratos que deram origem a dívida reclamada, nos termos do art. 355 e seguintes do CPC, pois, no que couber, devem os embargos respeitar o procedimento ordinário.

Assim, vejo que não pode o Poder Judiciário, visando diminuir o volume de trabalho existente (outra razão motivadora a confecção do “Pacote Republicano”), esconder-se atrás da armadura do dispositivo legal atacado, pois se assim fizer, mesmo amparado pelo CPC, estará, por outro lado, ofendendo princípio constitucional e norma contida no Código de Defesa do Consumidor, podendo, por outro lado, valendo-me do ditado popular, ver o “tiro sair pela culatra”, ou ainda “descobrir um santo para cobrir outro” vez que, ao embargante sucumbente, caberá discutir esta questão até os Superiores Tribunais.

Sobre o(a) autor(a)
Fábio Cenci
Advogado, sócio do escritório Cenci Advogados, pós-graduado em Processo Civil, Professor de Processo Civil e atual Presidente da Comissão do Exame de Ordem da 24ª Subsecção da OAB/SP.
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