Cabe a quem provocar a alteração do valor da causa?
Discute a possibilidade do magistrado, de ofício, determinar a alteração do valor dado à causa pelo autor, sob pena de indeferimento da inicial.
Questão de relevante importância, especialmente pelo fato de ser base de cálculo para o recolhimento de custas judiciais ao Estado (devidas pela jurisdicionado), diz respeito acerca da quantificação do valor da causa em qualquer procedimento judicial de ordem civil, mormente, em caso de necessária adequação, de quem deve partir esta motivação.
Inicialmente, antes de qualquer coisa, importante salientar que a existência de valor da causa na petição inicial é condição de aptidão da peça vestibular, nos termos do art. 282, V do Código de Processo Civil, ordenamento este que, da mesma forma, identifica duas formas de quantificação, quais sejam: 1) do valor legal, nos termos do art. 259, onde o autor da demanda deverá respeitar as regras naquela norma elencada, quando a sua pretensão encaixar-se em quaisquer dos 7 incisos, e II) do valor estimado, de acordo com o art. 258, onde, mesmo “que não tenha conteúdo econômico imediato”, como por exemplo, em pretensões que versem sobre separação de corpos, direito de visitas, modificação de guarda, exibição de documento, dentre uma enorme gama de outros exemplos onde, como já dito, inexiste valor econômico na Lide, contudo, deverá a parte, mesmo assim, identificar na peça vestibular o valor da causa.
Pois bem, identificadas as regras na qual o autor deverá seguir, no que diz respeito à quantificação do valor da causa, qual a conseqüência processual quando a regra não é respeitada, como por exemplo, lide versa sobre a rescisão de algum negócio jurídico, e o valor da causa não corresponde à integralidade do contrato (inciso V do art. 259 do CPC), senão ainda, em pretensão alimentícia, e o valor da causa não corresponde a 12 prestações mensais pretendidas no processo (inciso VI do mesmo dispositivo legal)?
Parênteses devem ser abertos para sublinhar que o que gera inépcia da petição inicial é a inexistência de qualquer valor a este título, desrespeitando, como já dito, o inciso V do artigo 282 do CPC, tendo em vista o parágrafo 284, parágrafo único, combinado com o art. 295, I, ambos da legislação processual.
Fechados os parênteses, diz a Lei processual (respondendo a indagação acima) que cabe ao réu, nos termos do art. 261, impugnar (no prazo da contestação), o valor atribuído à causa pelo autor.
Ademais, frente a uma prática rotineira existente nos processos judiciais, outra indagação se faz necessária: Pode o Magistrado, mesmo que o valor da causa seja ínfimo (quantificado um 1 centavo), de ofício, ao receber a petição inicial (sem motivação), determinar/ordenar ao autor que adite a peça vestibular, adequando o valor da causa às regras já mencionadas (artigos 258 e 259 do CPC), sob pena de indeferimento da peça inaugural, e consequentemente, extinção do feito sem a resolução do mérito?
Novos parênteses devem ser abertos neste momento, para discutir o que diz a legislação processual em relação às decisões judiciais, mormente aquelas tomadas de ofício, mesmo que carente de motivação.
Pois bem, princípio processual básico é o da motivação, onde o magistrado impulsiona o processo, mediante motivação/provocação das partes. Exemplo claro encontra-se identificado nos artigos 128 (“O juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões, não suscitadas, a cujo respeito à lei exige a iniciativa da parte”.) e 460 “caput” (“É defeso ao juiz proferir sentença, a favor do autor, de natureza diversa da pedida, bem como condenar o réu em quantidade superior ou em objeto diverso do que Ihe foi demandado.”), onde, não pode o juiz ultrapassar as fronteiras dos requerimentos a ele entregues pelo autor ou réu (reconvenção/pedido contraposto, senão ainda nos procedimentos judiciais onde se faz presente a figura do caráter dúplice), sob pena de nulidade do decisório.
Exceção é feita pela Lei nas tão lendárias “matérias de ordem pública”, estas, ultimamente, salvo melhor juízo, banalizadas pelos Tribunais, vez que, ao bel prazer das Cortes “tudo” é considerado matéria de ordem pública, outorgando ao julgador “super poderes” podendo fazer o que bem entender em relação às normas processuais. Contudo, a Lei limita a atuação do magistrado neste sentido, identificando pontualmente quais são as matérias processuais de ordem pública, estas, que podem/devem ser conhecidas de ofício pelo julgador, tamanha a sua importância.
O art. 301 do CPC elenca 11 figuras processuais, estas que devem ser discutidas pelo réu em sua contestação, antes de ater-se ao mérito da lide. Já o parágrafo 4º. do identificado artigo de Lei confere ao magistrado, com exceção do compromisso arbitral, a faculdade/obrigação, mesmo que não motivado (exceção aos artigos 128 e 460 do CPC), conhecer quaisquer daquelas matérias de ofício. Aí sim estão as “famosas” matérias de ordem pública (inclua-se neste rol a prescrição, frente à permissão prevista no art. 219, parágrafo 5º.,este alterado pela Lei 11.280/06), e nenhuma outra mais.
No mesmo sentido, o art. 130 do CPC declina ao magistrado a obrigação de, senão provocado pela parte, de ofício, determinar as provas necessárias a efetiva instrução do processo, entendo eu, sob pena de anulação da decisão, em caso de improcedência do pleito pela insuficiência de provas.
Pois bem, diante de todo o discorrido, reitera-se a indagação; PODE O MAGISTRADO, DE OFÍCIO, DETERMINAR O ADITAMENTO DA PEÇA VESTIBULAR, ACERCA DA ALTERAÇÃO (SEMPRE AUMENTO, NUNCA REDUÇÃO) DO VALOR DA CAUSA?
Ouso afirmar que, valendo-se do texto da Lei, inicialmente aquele que fala ser inepta a petição inicial na qual inexista valor da causa, onde, mesmo que quantificado em 1 centavo não padece de aptidão por este assunto, cumulado com o fato de que a quantificação do valor da causa não se encontra inserida no rol do art. 301 do CPC, finalizando com o conteúdo do art. 261 do mesmo diploma, mormente parágrafo único, que afirma: “Não havendo impugnação, presume-se aceito o valor atribuído à causa na petição inicial”, falece o posicionamento que garante ao magistrado (por carência de suporte jurídico) determinar de ofício a alteração/adequação do valor a causa.
Contudo, por que tal prática é rotina nos processos perante o Poder Judiciário, onde em alguns casos, referendado pelas Cortes de Justiça?
Infelizmente, não são interesses jurídicos que sustentam esta prática, mas sim econômicos, vez que, como é sabido, o valor da causa é utilizado como base de cálculo para o recolhimento das custas processuais (no Estado de São Paulo, Lei Estadual 11.608/06, artigo 4º. – 1%, e em alguns casos, da mesma forma, base de cálculo para o recolhimento do preparo devido por conta da apelação – 2%, inciso II do artigo 4º. da mesma Lei Estadual).
Tanto isso é verdade que desconheço a ocorrência onde se fez presente situação contrária, qual seja, de ofício, o magistrado determina a adequação do valor dado à causa pelo autor, reduzindo-o, e, consequentemente, determinando a expedição de guia de levantamento referente ao excesso das custas iniciais recolhidas.
Pode-se dizer que atualmente as questões processuais de ordem pública, como já dito, vêm sendo banalizadas pelos Tribunais, onde, se interessante for, “tudo” pode ser considerado “ordem pública”, desrespeitando veementemente os já arrolados artigos 128 e 460 do CPC.
Lembro-me bem dos ensinamentos do Maestro Sérgio Luiz Monteiro Salles, ao transferir aos seus ouvintes o catecismo lecionado pelo seu Maestro, Prof. Alfredo Buzaid, no que diz respeito ao destinatário final da norma processual. Neste caso, o destinatário final da norma processual elencada no art. 261 do CPC é exclusivamente o réu, e mais ninguém, onde, se não motivado por meio de impugnação, não cabe ao magistrado, de ofício, determinar a adequação do valor da causa.
Finalizando estes rabiscos, vejo que a única forma jurídica de impedir a manutenção desta ilegal prática, é o enfrentamento desta ilegalidade junto aos Tribunais, por meio de pertinente recurso (agravo de instrumento).