Súmula impeditiva de recurso - Lei n° 11.276/06

Súmula impeditiva de recurso - Lei n° 11.276/06

A Lei 11.276/06, que entrará em vigor no dia 9 de maio de 2006, alterou os arts. 504, 506, 515 e 518 do CPC, porém seu ponto mais relevente é a inclusão, em nosso sistema processual civil, da chamada súmula impeditiva de recurso.

I - INTRODUÇÃO

O Código de Processo Civil vem sofrendo, nos últimos meses, uma reforma profunda. Foram editadas até o momento as seguintes leis:

  • Lei nº 11.187/05, vigência em 18/01/06: o agravo retido passou a ser a regra geral e o agravo de instrumento a exceção. (alterou os arts. 522, 523 e 527 do CPC).
  • Lei nº 11.232/05, vigência em 24/06/06: une a fase de conhecimento e de execução em um único processo. (alterou os arts. 162, 267, 269, 463, 741 e 1102-C; acrescentou os arts. 466-A, 466-B, 466-C, 475 A até H - liquidação da sentença, art. 475 I até R – cumprimento da sentença; revogou o inciso III do art. 520, os arts. 570, 584, 588, 589, 590, 602 a 611, 639 a 641 e o capítulo VI do Título I do Livro II do CPC).
  • Lei nº 11.276/06, vigência em 09/05/06: introduziu a súmula impeditiva de recurso (que será o tema desta reportagem). (altera os arts. 504, 506, 515 e 518).
  • Lei nº 11.277/06, vigência em 09/05/06: extinção da lide sem precisar ouvir as partes. (acresce o art. 285-A).
  • Lei nº 11.280/06, vigência em 18/05/06: traz algumas modificações relativos à incompetência relativa, prescrição, exceção de incompetência, revelia, carta precatória e rogatória, ação rescisória, etc. (altera os arts. 112, 114, 154, 219, 253, 305, 322, 338, 489, 555 e revoga o art. 194 do Código Civil).

Pretende-se com essa reforma conferir racionalidade e celeridade ao serviço de prestação jurisdicional, garantindo, ao mesmo tempo, os direitos constitucionais do contraditório e da ampla defesa.

A lei 11.276/06

No dia 8 de fevereiro de 2006 foi publicado no Diário Oficial da União (D.O.U.) a Lei nº 11.276/06. Esta lei, que entrará em vigor no dia 9/05/2006, traz duas importantes alterações: 1. acrescenta em nosso ordenamento jurídico a chamada Súmula Impeditiva de Recurso 2. admite a possibilidade do tribunal sanar as nulidades processuais, ocorridas no juízo de origem, podendo, em seguida, julgar o mérito da apelação.

Abaixo faremos breves comentários sobre cada alteração promovida pela Lei 11.276/06 e em seguida trataremos do tema principal desta reportagem: “ A Súmula Impeditiva de Recurso”.

Alterações trazidas pela Lei nº 11.276/06.

Essa lei alterou os artigos 504, 506 inciso III e parágrafo único; acrescentou o § 4º no art. 515 e modificou o art. 518; todos da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil (CPC).

O art. 504 e o inciso III do art. 506, alterados pela lei, não trazem nenhuma modificação substancial, ou seja, foram modificados puramente por questões terminológicas, como se pode perceber pelos quadros comparativos abaixo:

Art. 504 (redação atual)

Art 504 (alterado pela Lei 11.276/06)

Dos despachos de mero expediente não cabe recurso.

Dos despachos não cabe recurso.

Art. 506 (redação atual)

Art. 506 (alterado pela Lei 11.276/06)

Inciso III. da publicação da súmula do acórdão no órgão oficial.

Inciso III. da publicação do dispositivo do acórdão no órgão oficial.

O parágrafo único do art. 506, que sofreu alteração, determina que no prazo do recurso, a petição será protocolada no cartório ou em outro local estabelecido pela organização judiciária, ressalvado a petição de agravo de instrumento que será protocolada no tribunal, ou postada no correio por meio de registro com aviso de recebimento, ou, ainda, interposta por outra forma prevista na lei local.

Art. 506 (redação atual)

Art. 506 (alterado pela Lei 11.276/06)

Parágrafo único. No prazo para interposição do recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária, ressalvado o disposto no art. 524.

Parágrafo único. No prazo para interposição do recurso, a petição será protocolada em cartório ou segundo a norma de organização judiciária, ressalvado o disposto no § 2º do art. 525 desta Lei.

Percebemos que esta alteração da lei visou apenas ressalvar as diversas formas de interposições previstas para a petição de agravo de instrumento e, para isso, remeteu a um artigo que melhor expressa essas formas.

Outra modificação, mais significativa, foi o acréscimo do § 4º no art. 515 do CPC, que assim preceitua:

"Art. 515. ....................................................................................... § 4o Constatando a ocorrência de nulidade sanável, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual, intimadas as partes; cumprida a diligência, sempre que possível prosseguirá o julgamento da apelação."

A introdução deste parágrafo pretendeu solucionar o problema das nulidades processuais, que ocorreram no juízo de origem, e foram constatadas no momento do julgamento da apelação. Pela redação atual, se se tratar de nulidade sanável, o tribunal deve declarar a nulidade, remeter o processo para a instância inferior, para que esta promova o saneamento da nulidade (evitando-se, com isso, a alegação de supressão de instância). Uma vez sanada a nulidade, o processo volta ao tribunal para que se prossiga o julgamento do mérito. Com a inclusão do § 4º no art. 515, introduzido pela Lei 11.276/06, no momento em que for constatada nulidade sanável no julgamento da apelação, o tribunal poderá determinar a realização ou renovação do ato processual e, cumprida a diligência, sempre que possível, prosseguirá o julgamento da apelação. Assim, o próprio tribunal promove o saneamento da nulidade, não sendo mais necessário remeter os autos a instância inferior.

II - SÚMULA IMPEDITIVA DE RECURSO

Sem dúvida, a alteração do art. 518, que introduziu a súmula impeditiva, é o ponto mais importante de todas as alterações promovidas pela Lei 11.276/06.

A súmula impeditiva determina que o juiz de 1º grau, que proferir sentença em conformidade com matéria sumulada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) ou Supremo Tribunal Federal (STF), não receberá o recurso de apelação.

Com esse novo procedimento, pretende-se reduzir o número de recursos interpostos nos tribunais, sem ferir a autonomia do magistrado, que poderá ou não sentenciar de acordo com a súmula do STJ ou STF.

Alguns juristas e doutrinadores acreditam que a súmula impeditiva de recurso veio substituir a polêmica súmula vinculante. Mas afinal:

Qual a diferença entre súmula impeditiva e súmula vinculante?

Art. 103 - A da CF (acrescentada pela EC nº 45 de 8-12-2004)

Art. 518 § 1º do CPC (redação dada pela Lei 11.276/06)

O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante 2/3 dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante...

O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

A súmula vinculante foi introduzida em nosso ordenamento jurídico pela Emenda Constitucional nº 45, que trata da Reforma do Judiciário. Tais súmulas só podem ser editadas pelo STF e devem preencher os requisitos constitucionais estabelecidos. Uma vez editada a súmula com efeito vinculante, os juízes são obrigados a pôr fim às demandas que tenham idêntica correlação com a súmula.

Já a súmula impeditiva de recurso foi instituída em nosso ordenamento pela Lei nº 11.276/06, que é uma das leis que tratam sobre a Reforma Processual Civil. Tais súmulas podem ser editadas tanto pelo STJ, quanto pelo STF. O juiz possui a liberdade para julgar a lide e só estará obrigado a pôr fim à demanda, ou seja, não aceitar a apelação, se sua decisão estiver em conformidade com a súmula do STJ ou do STF.

Existe a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 358/05 que prevê a inclusão na Constituição Federal do art.105 – A (permite ao STJ promover súmula impeditiva de recurso) e o art. 111 – B ( permite ao TST promover súmula impeditiva de recurso).

Pelo quadro comparativo abaixo, percebemos as modificações apresentadas pela Lei 11.276/06.

Art. 518 (redação atual)

Art. 518 (redação dada pela Lei 11.276/06)

Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

Parágrafo único. Apresentada a resposta, é facultado ao juiz o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.

Interposta a apelação, o juiz, declarando os efeitos em que a recebe, mandará dar vista ao apelado para responder.

§ 1º. O juiz não receberá o recurso de apelação quando a sentença estiver em conformidade com súmula do Superior Tribunal de Justiça ou do Supremo Tribunal Federal.

§ 2º. Apresentada a resposta, é facultado ao juiz, em cinco dias, o reexame dos pressupostos de admissibilidade do recurso.

Como é possível perceber, o § 1º introduziu a súmula impeditiva no ordenamento processual civil.

O § 2º limitou-se a transcrever o parágrafo único do atual art. 518, acrescentando na redação, o prazo de 5 dias para o juiz reexaminar os pressupostos de admissibilidade. Segundo o relator do projeto de lei que deu origem a Lei 11.276/06, “ A limitação de prazo não causa qualquer prejuízo e apenas busca imprimir maior celeridade a este ato judicial.” [1]

É importante ressaltar que o CPC, em seu art. 557, já prevê a possibilidade do relator negar seguimento ao recurso que se encontre em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF, ou do STJ. A diferença básica é que o art. 557 § 1º prevê a possibilidade do relator dar ou não prosseguimento ao recurso, enquanto a nova redação do art. 518 obriga o próprio juiz de 1º grau a negar provimento a apelação, se sua decisão estiver em conformidade com súmula do STJ ou STF. Pelo quadro abaixo, fica melhor a visualização das principais diferenças:

Art. 557 do CPC

Art. 518 (redação dada pela lei 11.276/06)

1. o relator (de 2ª instância) pode dar prosseguimento ao recurso que esteja confrontando com:

1. o juiz (de 1ª instância) é obrigado a negar provimento ao recurso se sua sentença está de acordo com:

2. súmula ou jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do STF ou Tribunal Superior.

2. súmula do STJ ou do STF.

A súmula impeditiva de recurso traz algumas curiosidades e algumas dúvidas. Para tentar aclarar certos pontos, fizemos uma breve entrevista com o Dr. Paulo Henrique dos Santos Lucon[2]:

Direitonet: O senhor acredita que a súmula impeditiva aumentará a celeridade do judiciário, ou seja, será uma medida eficaz?

Dr. Paulo Lucon: É inegável que o objetivo da reforma processual, iniciada com a Emenda Constitucional nº 45/2004 e seguida por diversas outras leis, é tornar o processo mais eficaz e célere. Além disso, insere-se também na tendência de valorização das decisões de primeiro grau.

No entanto, nem sempre o objetivo dos atos legislativos é alcançado. Ademais, não se pode descuidar de duas coisas: da unidade do sistema processual e da obediência aos princípios e garantias constitucionais do processo (e parece haver um eterno conflito entre celeridade e garantias processuais).

Não se pode estabelecer, a princípio, uma relação de causa-efeito entre a súmula impeditiva de recursos e a celeridade do judiciário. E seria arriscado afirmar categoricamente a eficácia dessa medida.

Aliás, para dizer se a medida será ou não eficaz é preciso apreender o sentido da expressão “medida eficaz”. O termo “eficácia” é plurívoco e, por isso, comporta diversos significados. Aqueles que nos interessam – para analisar se a súmula impeditiva de recurso é ou não uma medida eficaz – são: “virtude ou poder de (uma causa) produzir determinado efeito”; “segurança de um bom resultado”; “efeito útil” e “real produção de efeitos”.

Tomando o primeiro significado do termo eficácia, se o efeito pretendido pela reforma for que os órgãos superiores não tenham que se manifestar sobre o mérito do recurso, a medida pode ser eficaz. Não podemos esquecer, entretanto, que tal fato não implica diretamente maior celeridade, pois não se dispensará o juízo de admissibilidade e a decisão relativa à admissibilidade ou não da apelação também estará sujeita a recurso. Ainda que todos os recursos interpostos sejam negados, levará algum tempo até que se chegue à solução final do litígio.

Tomando, por outro lado, os demais significados, não é possível afirmar com clareza, antes que se tenha uma experiência jurisprudencial, se a medida será ou não eficaz pois não sabemos se haverá real produção de efeitos, segurança de bons resultados e, principalmente, se esses resultados serão úteis.

Parece politicamente correta a promulgação de leis que visem acabar com a litigiosidade e com a cultura do “recurso”, mas reforço que não podemos deixar de lado as garantias constitucionais do processo nem o fato de que cada caso tem sua particularidade, a despeito de existir ou não uma súmula.

Esse aspecto específico pode atrapalhar mais do que ajudar em termos de celeridade, pois a discussão paralela do enquadramento ou não do caso à súmula dificultaria o rumo natural do processo.

Direitonet: Na sua opinião, quais são os pontos positivos e negativos da súmula impeditiva de recurso?

Dr. Paulo Lucon: Os pontos negativos aparentemente são muitos, embora só seja possível ter a real dimensão deles quando da efetiva aplicação desta lei. Apenas para citar alguns exemplos: a ineficácia em relação à celeridade pretendida; a possível violação a garantias constitucionais do processo; as lacunas que deixa a lei a exemplo da possibilidade de o STJ ter sua súmula revogada pelo STF (objeto da última questão) etc. Em verdade, esses pontos negativos podem até ser relativizados em virtude da possibilidade de se recorrer da inadmissão do recurso, mas, a despeito disso, subsistem. Nesse ponto, é necessário atentar para a PEC 358/05, ainda em trâmite, que pretende constitucionalizar a súmula impeditiva de recursos, o que tornaria os pontos negativos desse instituto muito mais perigosos do que já são. Os pontos positivos são mais programáticos e todos eles centram-se no escopo de evitar o excesso de processos e recursos.

Direitonet: Com a entrada em vigência da Lei 11.276/06, é possível que a súmula vinculante, que gera tanta polêmica, seja colocada em segundo plano?

Dr. Paulo Lucon: A súmula vinculante poderá ficar em segundo plano, apesar de serem dois institutos diferentes, com escopos diferentes. A súmula impeditiva de recursos não foi criada como alternativa à súmula vinculante nem contradiz com a sua possível existência no ordenamento jurídico.

Direitonet: O que acontecerá com os processos que foram impedidos de interpor recurso, se a súmula impeditiva do STJ for revogada pelo STF ou se a súmula do STF for cancelada?

Dr. Paulo Lucon: Esse é um problema para o qual a legislação processual brasileira ainda não apresentou resposta e constitui certamente uma lacuna nesta reforma processual. A possibilidade de a súmula impeditiva do STJ ser revogada pelo STF demonstra a fragilidade desse instituto. A princípio, seria o caso de se estabelecer remédios aptos a trazer novamente a discussão constante do caso (p. ex., rescisória).

III - CONCLUSÃO

Com certeza, a Lei 11.276/06 acrescentou um importante instituto em nosso ordenamento jurídico processual.

A Súmula impeditiva de recurso é uma proposta boa, que teoricamente deveria aumentar a celeridade do Poder Judiciário. Porém, há aqueles que vêem essa alternativa com uma certa desconfiança. Devemos aguardar, pois só o tempo irá dizer se esse instituto atingiu ou não a finalidade para qual foi criado.

[1] Voto do relator, Deputado Inaldo Leitão, ao projeto da Lei 11.276/06.

[2] Advogado, Professor Doutor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, Secretário Executivo do Instituto Brasileiro de Direito Processual, email: lucon@lucon.adv.br

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