A Lei Complementar N.º 135 de 04/06/2010 (Lei da Ficha Limpa) e os princípios da administração pública

A Lei Complementar N.º 135 de 04/06/2010 (Lei da Ficha Limpa) e os princípios da administração pública

Análise da “Lei da Ficha Limpa”, demonstrando a relevância do aspecto substancial da norma no momento de sua aplicação, visando a atender sua real finalidade em prol do bem comum, com base no princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

A Lei Complementar n.º 135 de 04/06/2010 é originada de um projeto de lei de iniciativa popular, cujo objetivo dentre outros, é o de impedir que os políticos condenados na Justiça, pelos crimes descritos em seu artigo 2º possam concorrer às eleições.

No dia 23 de março de 2011, a validade da lei para as eleições de 2010 foi derrubada por 6 votos a 5 no Supremo Tribunal Federal. A maioria dos ministros decidiu que, ao estabelecer novos critérios de inelegibilidades, a lei interferiu claramente no processo eleitoral e, assim, feriu o artigo 16 da Constituição Federal, que diz: “a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”.


A decisão da não aplicação da lei beneficiou diretamente vários candidatos, cuja elegibilidade havia sido barrada em decorrência da tramitação de processos na Justiça. A “Lei da Ficha Limpa” passa a valer apenas a partir das eleições municipais de 2012, e será de fato aplicada apenas se passar em uma nova votação para decidir sobre sua constitucionalidade.


A iniciativa popular, representativa da democracia direta, foi responsável pela propositura de um direito novo, o qual se traduziu na referida lei. Tal iniciativa é condicionada aos seguintes  requisitos:

  1. Primeiramente há um requisito numérico, na medida em que o projeto de lei deve ser subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional; e

  1. Requisito Espacial: tal porcentagem deve estar distribuída em, pelo menos, cinco Estados; com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.


Este anseio popular se coaduna com o mandamento constitucional no que se refere aos princípios básicos da administração pública, os quais se consubstanciam em regras de observância permanente e obrigatória para o bom administrador, como os princípio da legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade e eficiência.


Cabe aqui destacar que a Carta Magna de 1988 foi a primeira a abrigar, expressamente, o princípio da moralidade no caput do artigo 37, levando-nos a concluir que um ato imoral é um ato inconstitucional, cabendo ao Poder Judiciário atuar no sentido de sua repressão através da Lei n.º 8429/92 (lei da Improbidade Administrativa).


Nas palavras do ilustre professor Hely Lopes Meirelles: “ (...) o agente administrativo, como ser humano dotado da capacidade de atuar, deve, necessariamente, distinguir o bem do mal, o honesto do desonesto. E, ao atuar, não poderá desprezar o elemento ético de sua conduta.”


Assim sendo, são por esses padrões que devem se pautar todos os atos e atividades administrativas de todo aquele que exerce o poder público, constituindo-se, por assim dizer, os sustentáculos da atividade pública.


Em um Estado Constitucional Democrático, a Constituição Federal também vincula o legislador, na medida em que nem toda norma existente é sempre e plenamente válida. Isso porque, vivemos uma evolução de uma democracia formal/legalista para uma democracia material/substancial, a qual se baseia, dentre outros pontos, na maior valorização de princípios do que de regras, ou seja, pratica-se mais a ponderação do que a mera subsunção entre a norma e o fato concreto, com base no princípio da proporcionalidade


Uma análise formal do artigo 16 da Constituição Federal deixa clara a vedação da aplicação imediata de uma lei que altere o processo eleitoral. Com efeito, como a publicação da nova lei ocorreu em período anterior a um ano das eleições de outubro, ficou a dúvida quanto à aplicabilidade de seus comandos já para as eleições de 2010, restando por fim, o entendimento no sentido de que o referido comando legal passaria a valer apenas a partir das eleições municipais de 2012.


Por outro lado, em uma análise fundada na ponderação do caso concreto diante da norma escrita/formal, o propósito da lei ao impedir que os políticos condenados na Justiça possam concorrer às eleições, homenageia o princípio basilar da razoabilidade, o qual determina a adequação entre meio e fim, sendo vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções em medida superior àquelas necessárias ao atendimento do interesse público.


Entretanto, não parece nem um pouco excessiva a imposição de inelegibilidade ao político condenado na Justiça por atos criminosos, sobretudo no que diz respeito à improbidade administrativa, uma vez que tal fato acaba por demonstrar um total desprezo do elemento ético no exercício do mandato.


O entendimento no sentido de que a Lei será aplicada somente nas eleições de 2012, retrata a face de uma democracia puramente formal e legalista que suprime completamente a finalidade da norma, a sua substância mais preciosa, que é o resguardo da probidade e da moralidade administrativas no exercício do mandato, como se ética e moralidade (conceitos atemporais), tivessem momento certo para serem exigidas.

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Virginia de Sylos Sutherland
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