A descaracterização do leasing pela antecipação do VRG no STJ

A descaracterização do leasing pela antecipação do VRG no STJ

A Corte Especial do STJ discutirá a descaracterização do leasing pela antecipação do valor residual garantido.

A questão referente ao Valor Residual Garantido, nos contratos de leasing, parecia definida na Jurisprudência dos Tribunais Brasileiros.

Entretanto, recentemente, o eminente Ministro Milton Luiz Pereira, da 1ª Seção do Egrégio Superior Tribunal de Justiça, recebeu embargos de divergência [1], onde aparece como divergente da orientação predominante naquela Corte, acórdão da lavra do eminente Ministro José Delgado [2], entendendo que o pagamento antecipado do Valor Residual Garantido não descaracteriza o contrato de leasing.

Como é sabido, o leasing tem natureza de contrato misto, onde transfere a posse do bem, mediante o pagamento de contraprestações e outros valores, mais um adicional denominado valor residual. O pagamento do valor residual concomitantemente com as contraprestações descaracteriza o contrato de leasing, atribuindo-lhe carga eficacial de compra e venda a prestação.

A respeito da natureza do contrato de leasing, manifestou-se Aramy Dornelles da Luz [3]

"0 arrendamento mercantil, também denominado leasing, é, em linhas gerais, um negócio jurídico de financiamento, que toma a forma de uma locação de bens móveis ou imóveis, onde o locador atribuí ao locatário o direito de opção entre renovar a locação, devolver o bem ou comprá-lo, pagando então apenas o valor residual nele previsto, findo o prazo contratual.”

O VRG é uma quantia complementar, paga ao final do contrato de leasing, caso o arrendatário queira tornar-se proprietário do bem. Assim, o valor do bem arrendado fica representado pela soma das prestações pagas ao longo do contrato até seu termo final, somado ao valor residual garantido, assim chamado por representar a complementação do bem (valor não-depreciado, ou mantido pelo bem).

Maria Helena Diniz [4] define o Valor Residual Garantido como

“valor que é fixado em percentual sobre o valor de aquisição do bem arrendado, pago ao final do leasing, por ocasião da opção de compra do bem arrendatário”

Como se observa, o valor residual, no contrato de leasing, deve ser pago, findo o prazo contratual, e não juntamente com as contraprestações acertadas.

Ao se pagar o VRG, antecipadamente, junto com as contraprestações, fere-se frontalmente a característica fundamental do arrendamento, a liberdade de opção. A razão do negócio desaparece quando o arrendatário paga no curso do negócio o valor total do bem, sendo que o leasing tem como objetivo para o arrendatário, no desenvolver do contrato, somente o uso e gozo do bem, e não a compra do mesmo.

Assim, se junto com as prestações do arrendador da máquina, a arrendatária também passa a pagar o valor residual garantido, resta descaracterizado o contrato de leasing, constituindo-se operação de compra e venda a prestação.

Apesar de toda a argumentação expendida pela embargante, não pode a Resolução 2309/96 do BACEN revogar o que estabelece a Lei n° 6099/74.

“art. 11 – Serão considerados como custo ou despesa operacional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamento mercantil.

Parágrafo Primeiro – A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposições desta lei será considerada operação de compra e venda.

Parágrafo Segundo – O preço da compra e venda, no caso do parágrafo anterior, será o total das contraprestações pagas durante a vigência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título de preço de aquisição”

Regulamentando esse dispositivo, foi editada a Resolução n° 980/84 (não revogada pela Resolução n° 2309/96, tendo em vista que revogaria a Lei n° 6099/74, o que não é permitido) que dispõe

“art. 11 – a operação será considerada como de compra e venda a prestação se a opção de compra e venda for exercida antes do término da vigência do contrato de arrendamento”

Da mesma forma, o Conselho Monetário Nacional, baixou a Resolução 351/75 para regular a questão

"art. 10 - A operação será considerada de compra e venda à prestação, se a opção de compra for exercida em desacordo com o disposto neste art., ou seja, antes do término da vigência do contrato de arrendamento."

Arnaldo Rizzardo [5] adverte da consequência que advém pelo fato de se antecipar o exercício da opção de compra em contratos de leasing

“o contrato não continuará como de arrendamento mercantil. Passará a considerar-se como de compra e venda a prestação”

Pode-se concluir, que, se a embargada está pagando parcela para amortizar o capital juntamente com o valor residual, em verdade ela está pagando pela aquisição do bem.

Como consequência do pagamento antecipado do VRG, incidem os art. 11, parágrafo 1° da Lei 6099/74, art. 11 da Resolução 980/84 do BACEN art. 10 da Resolução 351/75 do Conselho Monetário Nacional, ocorrendo, a desconfiguração do contrato de leasing, com a consequente tranformação em compra e venda a prestação, como determinam as normas referidas.

A conclusão de Paulo Afonso Sandri [6] é exata

“Assim, trata-se, não mais de um arrendamento mercantil, mas sim de uma compra e venda à prazo, posto que a parte arrendatária já pagou, através da entrada, parte do valor da opção de compra, e está a pagar mensalmente, por intermédio das parcelas do Valor Residual Garantido, o preço de aquisição do bem, e não somente o valor da locação.”

Observa-se, então, que não se trata de leasing, pouco importando o nome que as partes tenham dado ao contrato. A natureza do contrato deve ser retirada de suas cláusulas, do teor da pactuação e de sua operacionalidade.

É o que ensina a eminente Ministra Nancy Andrighi ao fundamentar a decisão de que a antecipação do VRG descaracteriza o contrato de leasing [7].

“Há o desaparecimento da figura da promessa unilateral de venda e da respectiva opção, porque imposta obrigação de compra desde o início da execução do contrato ao arrendatário.”

No mesmo sentido, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, através de sua 2ª Seção, firmou entendimento no sentido de que os valores pagos antecipadamente a título de valor residual de garantia, descaracteriza o contrato de leasing, tornando-o um contrato de compra e venda.

“Pacificada a tese de que a obrigação contratual de antecipação do VRG - ou o adiantamento "da parcela paga a título de preço de aquisição" - faz infletir sobre o contrato o disposto no § 1° do art. 11, da Lei 6.099/74, operando demudação, ope legis, no contrato de arrendamento mercantil para uma operação de compra e venda a prestação, com financiamento, cabe o indeferimento liminar de embargos de divergência, pela Súmula n. 168/STJ.” (2ª Seção – Aeresp n° 230239-RS, relatora Ministra Nancy Andrighi)

“A jurisprudência desta egrégia Corte evoluiu para descaracterizar o contrato de leasing em que não se prevê a devolução dos valores adiantados e nominados "parcelas do valor residual", classificando-o como verdadeiro contrato de compra e venda em parcelas.” (3ª Turma - EdAga 300313-RJ, relator Ministro Castro Filho)

“LEASING. VRG antecipado. Juros. - A cobrança antecipada do VRG descaracteriza o contrato de leasing. Precedentes.” (4ª Turma – Resp 316652-GO, relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar)

Entendemos, então, que não há a mínima dúvida que se trata de contrato de compra e venda a prestação, ficando descaracterizado o leasing.

Assim, fica agora a cargo da Corte Especial do Egrégio Superior Tribunal de Justiça manifestar-se sobre a orientação definitiva a ser consagrada por aquela Corte.


[1] Eresp n° 286649-RS, relator Ministro Milton Luiz Pereira

[2] Resp 268005-MG, relator Ministro José Delgado.

[3] Luz, Aramy Dornelles da, Negócios Jurídicos Bancários - Banco Múltiplo e seus Contratos, editora Revista dos Tribunais, p. 194

[4] Diniz, Maria Helena, Dicionário Jurídico, volume 4, editora Saraiva, p. 762

[5] Rizzardo, Arnaldo. Leasing, editora Revista dos Tribunais, 1987, p. 61

[6] Sandri, Paulo Afonso, Descaracterização do contrato bancário arrendamento mercantil quando cobrado antecipadamente o VRG (valor residual garantido). In: Jus Navigandi, n. 46. [Internet]

[7] Resp 255999-RS, relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito

Sobre o(a) autor(a)
Rodrigo Becker
Bacharel em Direito
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