Responsabilidade dos estabelecimentos quando vendedores agem como corretores

Responsabilidade dos estabelecimentos quando vendedores agem como corretores

Visa a demonstrar a responsabilidade dos locais de venda de produtos onde os funcionários negociam os empréstimos e os empréstimos são julgados ilegais.

INTRODUÇÃO

Nos tempos atuais tem ocorrido uma enxurrada de ações denominadas REVISIONAIS, que tem como objetivo a revisão dos valores e das taxas pagas em empréstimos contraídos.

Por regra, as ações revisionais são impetradas contra os bancos ou financeiras em virtude de taxas de juros exacerbadas, bem como pela utilização de juros compostos, os famosos juros sobre juros, quando a jurisprudência entende que devem ser utilizados os juros simples.

Ocorre que na grande maioria dos casos os consumidores chegam aos empréstimos conduzidos por vendedores que agem como “corretores de empréstimos”. São aqueles que estão nas lojas intermediando o contato entre as financeiras ou bancos, ou então em escritórios montados com o objetivo exclusivo de oferecimento de empréstimos aos consumidores.

O presente trabalho visa demonstrar que esses corretores de empréstimos, bem como as empresas para as quais trabalham também PODEM/DEVEM responder por prejuízos causados aos consumidores.

DAS NORMAS QUE SUBSIDIAM O PRESENTE TRABALHO

CONSTITUIÇÃO FEDERAL DO BRASIL DE 1988

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;

NOVO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.

Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.

Art. 722. Pelo contrato de corretagem, uma pessoa, não ligada a outra em virtude de mandato, de prestação de serviços ou por qualquer relação de dependência, obriga-se a obter para a segunda um ou mais negócios, conforme as instruções recebidas.

Art. 723. O corretor é obrigado a executar a mediação com a diligência e prudência que o negócio requer, prestando ao cliente, espontaneamente, todas as informações sobre o andamento dos negócios; deve, ainda, sob pena de responder por perdas e danos, prestar ao cliente todos os esclarecimentos que estiverem ao seu alcance, acerca da segurança ou risco do negócio, das alterações de valores e do mais que possa influir nos resultados da incumbência.

Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.

Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.

Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:

III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;

CÓDIGO PENAL BRASILEIRO

Art. 171. Obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita, em prejuízo alheio, induzindo ou mantendo alguém em erro, mediante artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento:

CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

Art. 3º Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestações de serviços.

§ 1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§ 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficien­tes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.

DAS SITUAÇÕES FÁTICAS DE AÇÃO DOS CORRETORES DE EMPRÉSTIMOS NAS LOJAS

No nosso dia-a-dia, quando desejamos/precisamos realizar a aquisição de um bem, por diversas vezes é necessária a realização de um empréstimo. Normalmente, quando falamos de corretores, nos lembramos imediatamente dos de seguros ou de imóveis, mas também se incluem nessa categoria os de empréstimos, pois estes se adequam perfeitamente na descrição do art. 722 do Novo Código Civil já demonstrado.

Usaremos como exemplo uma Revendedora de Automóveis, mas poderia se qualquer estabelecimento onde seus vendedores são os que apresentam, negociam e realizam a transação de um empréstimo.

Vislumbremos uma agência de automóveis onde um consumidor se apresenta para adquirir um veículo e é recebido pelo vendedor (empregado da agência). Após a escolha do veículo vem a negociação do empréstimo; o vendedor/corretor – chamarei assim pois a partir de agora estará ele atuando nas duas funções – apresenta diversas tabelas de financeiras ou bancos, passando então a realizar cálculos, colher assinaturas, tirar cópias de documentos, e todo o procedimento para a conclusão do empréstimo.

Ora, nesse momento misturam-se a figura do vendedor com a do corretor de empréstimo, pois é ele que está obtendo negócios para outrem. Lembremos que o vendedor/corretor está trabalhando para a revendedora, para a financeira ou banco e para si mesmo. Logo, configurada está a corretagem e a relação entre todos na conclusão do empréstimo.

Por força do art. 932, inciso III do Novo Código Civil, juntamente com o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor, a empresa é responsável pelos atos de seus funcionários, muito mais se este funcionário está no horário de expediente, com o uniforme da empresa (Revendedora de Automóvel) e toda a negociação ocorre nas dependências da própria empresa com total conhecimento e permissão da mesma.

Tal situação transmite ao consumidor a impressão de que aquela empresa está ratificando (endossando e incentivando) os atos de seus funcionários e até relacionando o seu nome ao da financeira ou banco, o que dá ao consumidor uma confiança de que está em um ambiente seguro para a realização do empréstimo, o que infelizmente depois é verificado que não o era.

A hipótese admite tranquilamente a aplicação da teoria da aparência. Essa teoria da aparência, descrita por Arnaldo Rizzardo, como sendo aquela “pela qual uma pessoa, considerada por todos como titular de um direito, embora não o seja, leva a efeito um ato jurídico com terceiro de boa-fé”, Teoria da aparência, Ajuris 24, pág. 224.

DOS PREJUÍZOS CAUSADOS PELO EMPRÉSTIMO E SUAS RESPONSABILIDADES

Se verificado o judicialmente o prejuízo causado por irregularidades/ilegalidades no empréstimo, quer seja por juros ilegais, utilização de tabelas não apresentadas ao consumidor, taxas indevidamente cobradas ou outras irregularidades, também terá o vendedor/corretor do empréstimo – no caso em estudo o vendedor de automóveis – responsabilidade, e por estar este a serviço da revendedora, a esta também caberá responsabilidade na reparação de danos na esfera cível e até penal.

O art. 171 do Código Penal tipifica claramente que aquele que tirar proveito de outrem para benefício próprio utilizando meio ardil comete crime de estelionato.

O que seria mais ardiloso do que aproveitar-se do desejo/necessidade do consumidor, colocando a imagem da Revendedora (estabelecimento) como pano de fundo para dar credibilidade às financeiras e bancos fornecedoras dos empréstimos.

Aproveitando-se do momento para apresentar ao consumidor valores ilegítimos, induzindo o mesmo a erro em proveito próprio, sendo o vendedor/corretor pela comissão, a revendedora de automóveis pela venda e a financeira ou banco pelos ganhos pelo empréstimo. Momento mais hipossuficiente do consumidor não há, pois ele está sendo atacado por três de uma só vez.

DOUTRINA SOBRE A MATÉRIA EM ESTUDO

Na tipificação penal do estelionato, art. 171 do Código Penal, nos ensina CAPEZ, em seu Código Penal Comentado;

“Ação nuclear: Pune-se, neste artigo, a ação de induzir ou manter alguém em erro. Os meios empregados para tal ação são: o artifício (é fraude no sentido material, por exemplo, disfarces, documentos falsificados), o ardil (é fraude no sentido imaterial, utilizando-se o agente de astúcia para convencer a vítima)... A ação é praticada com o fim de obter, para si ou para outrem, vantagem ilícita em prejuízo alheio...”

Walber Moura Agra em seu Curso de Direito Constitucional demonstra;

“O dano pode se revestir de três formas: patrimonial, à imagem e moral...

O terceiro se caracteriza por sua irreversibilidade: a situação anterior não pode ser restabelecida, a afronta moral produzida não pode ser apagada da memória da vítima.

No dano moral, como não podemos voltar à situação anterior, tenta-se uma compensação pelo momento de infortúnio, vergonha, humilhação, sofrimento.”

Sobre ato ilícito descrito no art. 186 e obrigação de indenizar do art. 927, ambos do Novo Código Civil, José Costa e Tânia Maria comentam;

ART. 186 - “...o legislador neste artigo mantém a teoria da culpa extracontratual, também chamada aquiliana, pela sua remota origem romana (Lex Aquilia). Mas foi além o texto atual, fazendo eco à caudal doutrinária e jurisprudencial, expressamente estendendo seu manto protetor à indenização do dano moral, ainda que outro não tenha havido.”

ART. 927 – “...o princípio da culpa como fundamento principal da responsabilidade extracontratual, ou aquiliana. Todavia, inovando em face do seu congênere revogado (art. 159), o texto atual faz expressa referência aos casos em que se impõe tal responsabilidade, ainda que não haja culpa lato sensu do causador do dano, ou quando a lei assim o admita, ou quando a atividade normalmente exercida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para o direito de outrem.”

DA REPARAÇÃO DOS DANOS

A reparação tem suporte legal na Constituição Federal, devendo a reparação ser proporcional aos danos causados, para o nosso entendimento as reparações podem e devem ser independentes entre si, devendo haver reparação de danos materiais e morais de todos aqueles que causaram o prejuízo ao consumidor.

Em decisão da magistrada da 7ª Vara Empresarial do Estado do Rio de Janeiro, no processo 0027962-78.2009.8.19.0001, o ABN ANRO REAL E AYMORÉ FINANCIAMENTO E INVESTIMENTOS a ressarcir consumidores lesados pelo uso de tabela utilizada sigilosamente pelos vendedores cujo os lucros aferidos são para o vendedor/corretor e para a revendedora-loja. Disse a magistrada em sua decisão.

"É certo que o consumidor não tem a mínima noção da existência de tais variações e da sobretaxa aplicada ao financiamento, ficando na ilusão de que o vendedor está negociando consigo um desconto na operação financeira, sendo certo que o valor financiado é, em verdade, superior ao do bem objeto do financiamento",

CONCLUSÃO

Não há, portanto, como realizar uma separação das responsabilidades do vendedor/ corretor, da empresa que vende o produto e da financeira ou banco que realiza o empréstimo, uma vez que todos se locupletam do dano causado ao consumidor, portanto todos devem reparar os danos causados ao consumidor.


BIBLIOGRAFIA

CAPEZ, Fernando; PRADO, Stela. Código Penal Comentado. Porto Alegre: Verbo Jurídico, 2007.

AGRA, Walber de Moura, Curso de Direito Constitucional. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007

LOURES, José Costa; GUIMARÃES, Taís Maria Loures Dolabela, Novo Código Civil Comentado, 2ª Ed. Belo Horizonte, 2003

Sobre o(a) autor(a)
Marcelo Lins dos Santos
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