Repercussão geral e recursos repetitivos

Repercussão geral e recursos repetitivos

Trata dos recursos repetitivos perante o STJ e sua viabilidade diante da celeridade processual e segurança jurídica alcançada, ao passo que demonstra a vagueza da expressão repercussão geral e seus efeitos negativos.

A lei 11672/2008, ao acrescentar o artigo 543-C ao Código de Processo Civil, tem como finalidade dar praticidade e celeridade ao julgamento dos recursos especiais com fundamento em idêntica questão de direito, evitando, assim, que o STJ julgue individualmente uma infinidade de recursos semelhantes, tanto é que o presidente do Tribunal de origem passa a ter a incumbência de selecionar um ou alguns recursos representativos da controvérsia para enviar ao STJ, suspendendo os demais até o pronunciamento definitivo desse Tribunal.

A repercussão geral dos recursos extraordinários, inserida na Constituição Federal pela EC 45/04, por sua vez, assume a mesma finalidade do recurso especial repetitivo, uma vez que visa conter a multiplicidade de recursos interpostos perante o STF, na medida em que delimita a competência do STF, funcionando como pressuposto de admissibilidade a ser examinado pelo próprio STF antes da apreciação do mérito recursal. Somente se houver a preliminar de repercussão geral de acordo com os critérios de relevância jurídica, política, social e econômica, é que o STF irá apreciar o mérito do recurso que, sendo provido, a decisão já deverá ser aplicada pelos Tribunais inferiores aos demais casos idênticos, contribuindo ainda para a uniformização da interpretação constitucional.

Pelo exposto acima, verifica-se então que ambos os institutos têm a mesma finalidade de filtrar os recursos para as altas Cortes, exaltando os princípios da duração razoável do processo e eficiência da Administração Pública, inseridos na Constituição Federal.

Por outro lado, os institutos utilizam formas distintas para atingirem tal finalidade, pois, se de um lado o recurso especial repetitivo apenas padroniza uma decisão para vários recursos, uniformizando a jurisprudência do STJ, de outro, a repercussão geral, muito mais severa, delimita a competência do STF apenas para os recursos que tiverem a repercussão geral reconhecida, barrando de sua apreciação os demais, e uniformiza a interpretação constitucional, podendo valer para recurso extraordinário individual ou vários recursos.

No tocante aos recursos especiais repetitivos, poder-se-ia questionar quanto à possibilidade de alteração do cabimento dos recursos especiais pela lei 11672/08.

Quanto aos recursos especiais repetitivos, diz Fred Didier:

"(...)o agrupamento de recursos repetitivos deve levar em conta apenas a questão central de mérito, sempre que o seu exame for prejudicial à análise de outras questões secundárias, argüidas no mesmo recurso."

Diz ainda Humberto Theodoro Junior sobre a "questão de direito":

"Essa suspensão pressupõe que todos os recursos especiais sejam realmente veiculadores apenas de uma única questão de direito. Se outras questões diferentes justificarem o cabimento do especial, não poderá ele ser paralisado em sua marcha apenas porque um dos seus diversos fundamentos coincide com o de outro recurso da espécie. A aplicação do art. 543-C pressupõe identidade total de fundamento de direito entre todos os recursos, para que possam ser classificados como seriados ou repetitivos."

Observando o que foi citado acima pela doutrina, tem-se que o recurso especial permanece com as mesmas hipóteses de cabimento, pois o que se pretende é julgar em lote recursos especiais com o mesmo fundamento, padronizando-se uma mesma decisão para casos idênticos. Não havendo identidade de fundamentos, ou havendo identidade de apenas um fundamento dos diversos outros fundamentos alegados num mesmo recurso especial, não há como excluí-lo da apreciação pelo STJ por ausência de pressuposto de admissibilidade como ocorre na repercussão geral dos recursos extraordinários. Apenas não haverá julgamento em lote e sim individualmente por sua peculiaridade.

O que ocorre, na verdade, é uma alteração procedimental para julgamento dos recursos especiais que será “em lote”, e uma consequente melhoria no trâmite processual/recursal, permanecendo o cabimento dos recursos especiais de acordo com os ditames da Constituição Federal, até porque não pode uma lei ordinária que é a lei 11672/08 alterar a competência do STJ já determinada a nível constitucional para incluir uma nova modalidade de cabimento de recurso especial, observando-se, inclusive, que até mesmo a repercussão geral dos recursos extraordinários, por inovar quanto às hipóteses de cabimento do recurso extraordinário, possui previsão constitucional (artigo 102, § 3º – EC 45/04).

O sistema de julgamento dos recursos repetitivos, de fato, atribui maior celeridade aos julgamentos do STJ, bem como garante maior segurança jurídica, na medida em que evita decisões díspares para casos idênticos, mas o que não se deve perder de vista, nesse caso, é a idêntica questão de direito, pois qualquer diferença entre uma e outra causa, se incluído o recurso no rol dos repetitivos por mera semelhança, poder-se-ia comprometer a pretensão do recorrente por não observância da particularidade do caso. Esse sistema tem a vantagem de que não cria barreiras ao julgamento dos recursos especiais pelo Superior Tribunal de Justiça.

Quanto à repercussão geral, na tentativa de reduzir a quantidade de processos para o STF, findou-se por mitigar o direito do cidadão ao reexame da validade formal e material da decisão que lhe foi contrária por uma Corte suprema, dotada de maior experiência, e garantido já de forma restrita pela própria Constituição em seu artigo 102, que trata da competência do Supremo Tribunal Federal quanto ao julgamento do recurso extraordinário.

A definição de repercussão geral é falha porque muito subjetiva e ampla, vaga, genérica, referindo-se o artigo 543-A, § 1º do Código de Processo Civil apenas a “questões relevantes do ponto de vista econômico, político, social ou jurídico, que ultrapassem os interesses subjetivos da causa”, ficando a cargo do STF o entendimento de configurar ou não repercussão geral no caso concreto.

Em se tratando de norma restritiva, por questões de segurança jurídica, não seria viável atribuir à expressão “repercussão geral” um conceito jurídico indeterminado, na medida em que o dispositivo poderia gerar as mais diversas interpretações e consequente arbítrio por parte do Poder Judiciário, através de decisões aparentemente legais e constitucionais, porém discrepantes entre si. É importante atentar que nem tudo que é célere possui eficácia.

O Supremo Tribunal Federal adotou a aplicação da repercussão geral aos recursos extraordinários interpostos a partir de 03 de maio de 2007 e, a partir daí, vem analisando caso a caso, sem definição concreta, afastando a repercussão geral com base no subjetivismo dos julgadores, ficando a decisão aplicável a todos os demais casos idênticos. Inclusive já decidiu que a aplicação da repercussão geral se estende também às causas criminais, como no AI 664567 QO / RS.

A título de exemplo do que seria a repercussão geral para o STF, no RE 592616 houve reconhecimento da repercussão geral com base na transcendência do interesse subjetivo das partes e relevância da causa, vez que ficou configurada a existência de diversas demandas tramitando perante a justiça federal sobre a mesma matéria, e também que afetaria todos os contribuintes da contribuição ao PIS e da COFINS, existindo inclusive ADIN sobre a matéria.

Assim, se por um lado houve o avanço dos recursos repetitivos em prol da celeridade e da segurança jurídica, por outro, permanece o conceito jurídico indeterminado quanto à repercussão geral, sendo importante que a jurisprudência pátria, na qualidade de fonte derivada do direito, na modalidade fonte delegada (NOVELINO, 2010, p.42/43), defina com melhor exatidão a expressão, a fim de não ocasionar transtornos, preservando a finalidade essencial da jurisdição que é a pacificação social e não a retaliação ou criação de obstáculos à jurisdição na tentativa de criar uma celeridade aparente.


Bibliografia

FUDOLI, Rodrigo de Abreu. A Lei sobre os recursos especiais repetitivos (Lei 11.782/08). Disponível em http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7192. Acesso em 01.08.08.

JR DIDIER, Fredie. Sítio: www.frediedidier.com.br. Editorial 43 e 39.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. São Paulo: Método, 2007.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. V. I. Rio de Janeiro: Forense, 2008.

WAMBIER, Luiz Rodrigues; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; MEDINA, José Miguel Garcia. Repercussão geral. Breves comentários à nova sistemática processual civil: leis 11.382/2006, 11.417/2006, 11.418/2006, 11.341/2006, 11.441/2007 e 11.448/2007. São Paulo: RT, 2007. Material da 3ª aula da disciplina Direito Constitucional Aplicado, ministrada no curso de pós-graduação lato sensu televirtual em Direito Público – Anhanguera-UNIDERP|REDE LFG.

Sobre o(a) autor(a)
Raquel Santos de Santana
Bacharela em Direito pela Universidade Tiradentes em Sergipe desde 2006. Aprovada na OAB-SE/ em 2006. Especialista em Direito Público pela UNIDERP desde 2010. Servidora Pública Estadual (TJ/SE).
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