O crime de lavagem de dinheiro em análise

O crime de lavagem de dinheiro em análise

Exposição da gravidade de um problema que se avoluma dia a dia, e põe em cheque as autoridades policiais não só do Brasil, mas como de outros países.

1) Algumas Definições de “Lavagem de Dinheiro”:

Processo através do qual um indivíduo esconde a existência , a fonte ilegítima ou a aplicação ilegal de renda e daí disfarça ou transforma essa renda para fazer com que ela pareça legítima.

Processo de conversão de renda originária de uma atividade criminosa, em fundos de origem aparentemente lícita.

Processo de aplicação dos lucros obtidos nas diversas modalidades do crime organizado, em atividades legais e seu retorno ao financiamento de ações criminosas.

Processo pelo qual o criminoso transforma recursos ganhos em atividades ilegais em ativos com uma origem aparentemente legal. Essa prática geralmente envolve múltiplas transações, usadas para ocultar a origem dos ativos financeiros e permitir que eles sejam utilizados sem comprometer os criminosos. A dissimulação é portanto, a base para toda operação de lavagem que envolva dinheiro proveniente de um crime antecedente.


2) A Problemática da Lavagem

O governo da Suíça fez uma apreensão de tanto dinheiro com origem ilícita que, ao lavrar a ocorrência, não teve condições imediatas de somar a montanha de notas. No documento oficial, as autoridades registraram o “valor” apanhado: 1,2 tonelada.

A história do dinheiro que pôde ser pesado e não contado, foi narrada no Fórum Econômico Mundial do ano 2000, na cidadezinha suíça de Davos, por Carla del Ponte, promotora do Tribunal Internacional de Haia. Ilustra o que virou o esquema mundial de lavagem de dinheiro, etapa que, simultaneamente, encerra e reabre ciclos do crime organizado.

Lavar dinheiro significa por conseguinte, e em síntese, reincorporar ao sistema financeiro e à economia formal valores obtidos ilegalmente. “Lavar recursos é fazer com que produtos de crimes pareçam Ter sido adquiridos legalmente”, definem o Programa das Nações Unidas para o Controle Internacional de Drogas (UNDCP – United Nations International Drug Control Programme) e o COAF (Conselho de Controle de Atividades Financeiras) , órgão do Ministério da Fazenda do Brasil.

Um exemplo com cifras vigorosas: US$ 57 bilhões são gastos anualmente pelos usuários para comprar drogas ilícitas nos EUA, informa o diretor do Escritório Nacional de Política de Controle de Drogas, general Barry McCaffey. segundo o “czar” antidrogas, do total arrecadado no varejo, 80% - US$ 45,6 bilhões – é lucro do tráfico.

É fisicamente impossível carregar esse dinheiro. Ele precisa ser lavado pelas quadrilhas. Em volumes diversos, é o que fazem criminosos mundo afora.

A desregulamentação acelerada da economia com o triunfo da globalização fez com que os mecanismos de controle do sistema financeiro internacional se tornassem ainda mais frágeis. Nunca o capitalismo foi tão propício a aplicações, transferências, guarda e especulação com dinheiro de procedência supostamente ignorada.

É o UNDCP, e não um grupo anticapitalista, que afirma: “As organizações envolvidas com drogas ilícitas respondem às oportunidades criadas pela globalização da economia de mercado. A década passada viu grandes passos na desregulamentação bancária e na privatização de negócios de Estado.”

Na prática, isso significa o seguinte: ao mesmo tempo que gastam saliva para condenar as ações e conseqüências da lavagem de dinheiro, as grandes potências mundiais organizam, consolidam e aprofundam o sistema que permite à cadeia produtiva do crime organizado não só operar com desenvoltura como também se ampliar incessantemente.


3) O Sistema Financeiro e os Centros Offshore

Uma das aberrações do sistema financeiro são os paraísos fiscais – países em que praticamente inexiste obrigação de pagar impostos e taxas e que, na maioria, asseguram em lei um rigoroso, se não draconiano, sigilo bancário que inviabiliza a identificação dos donos dos depósitos.

As ilhas Cayman, no Caribe, são o paradigma de paraíso fiscal. Com uma população de 35 mil habitantes, menor que a do município de Currais Novos, no Rio Grande do Norte, Cayman acumulava ativos bancários de US$ 430 bilhões em 1994. Só perdia para 6 países: EUA, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Suíça.

Minúsculo território com status de dependência externa do Reino Unido (um dos sete países mais ricos do mundo), as ilhas Cayman são o maior centro offshore do planeta. Esses centros não se submetem ao controle de autoridades de nenhum país, são extraterritoriais, isentos de fiscalização.

Nas ilhas Cayman, o sigilo previsto na legislação impede que se conheça a identidade de titulares de contas bancárias e proprietários de empresas. É o ideal para quem obteve dinheiro de modo ilícito.

Em Miami (EUA), por exemplo, os repórteres que se aventuram a caçar registros de imóveis sabidamente pertencentes a políticos e empresários brasileiros descobrem que os bens estão em nome de empresas offshore do Caribe. Os proprietários permanecem no anonimato.

Há mais de 40 paraísos fiscais no mundo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) cita como principais centros offshore Bahamas, Bahrein, ilhas Cayman, Hong Kong, Antilhas Holandesas, Panamá e Cingapura.

Segundo o FMI, de 2% a 5% do PIB mundial seria “lavado” – isto é de origem ilícita. Na hipótese mais alta, o dinheiro “branqueado” equivaleria US$ 1,5 trilhão ( o PIB mundial foi de cerca de US$ 30 trilhões em 1998). É mais do que o dobro, talvez o triplo das riquezas produzidas no Brasil em 1999 – a conta deveria fechar entre US$ 500 bilhões e US$ bilhões e US$ 600 bilhões.

Um dos principais centros internacionais de lavagem é a Suíça, país que se orgulha de sua história como referência de civilidade européia. Hoje convive com a pecha de “lavar mais branco”. Com sigilo bancário ciclopicamente resguardado, é desaguadouro do butim acumulado pelo crime organizado e por aqueles que se deixam corromper por ele.

Os países ricos têm centenas de bancos com filiais nas ilhas Cayman e na Suíça, além de outros paraísos fiscais. Poderiam estabelecer controles restrições e mudanças na legislação que azeita a lavanderia do narcotráfico, contrabando de armas, corrupção e crimes de toda a sorte. Não o fazem.


4) A Lavagem em Linhas Reais

Quando por exemplo, uma quadrilha do narcotráfico encerra uma etapa do ciclo da droga (vendê-la no país produtor, proceder ao transporte num país de trânsito, distribuir o produto ao varejo) ela precisa lavar os seus lucros os seus lucros para evitar que possam ser descobertos e confiscados pelo Estado.

Não basta encostar o dinheiro num paraíso fiscal, já que a verba será reinvestida em novas empreitadas do crime no país de origem dos traficantes. Um caso com começo, meio e fim, selecionado pelo COAF, ajuda a entender como funciona:

O economista colombiano Franklin Jurado comandou de 1990 a 1996 a lavagem de US$ 36 milhões obtidos com o comércio de droga do seu país.

Os depósitos iniciais do dinheiro sujo foram feitos no Panamá. Durante três anos, Jurado transferiu os valores par amais de cem contas diferentes de 68 bancos em nove países. Para não chamar atenção, tratava de manter saldo nas contas abaixo de US$ 10 mil.

Os depósitos foram novamente transferidos, agora se concentrando em bancos da Europa, para ocultar a origem latino – americana da soma vultosa.

Ainda na Europa, o dinheiro saiu das contas, aplicado em empresas de fachada controladas pelo economista.

Essas firmas européias remeteram dinheiro para a Colômbia, onde ele foi investido em negócios legais como restaurantes, construtoras, laboratórios farmacêuticos e outros.

Franklin Jurado foi um dos poucos lavadores de dinheiro flagrados e presos. Deu azar: o esquema foi descoberto porque um banco de Mônaco faliu e expôs as contas que o colombiano lá manipulava.

As novas tecnologias, notadamente as redes mundiais de computadores facilitam ainda mais a lavagem. Transferências online frenéticas entre países dificultam o rastreamento pelas autoridades. As quadrilhas são cada vez mais multinacionais.

Com a flexibilização da legislação, normas e controle de economias nacionais o dinheiro do crime organizado passou a ter mais influência. Mais da metade das empresas estatais russas privatizadas com a reintrodução do capitalismo tem algum grau de contato com as máfias locais.

No México, cartéis de cocaína participaram ativamente do processo de privatização de empresas públicas, comprando nacos do patrimônio que o Estado vendeu. O FBI investigou e confirmou.

No mundo inteiro, o crime organizado investe em empresas de capital aberto, nas Bolsas de Valores. Se só o dinheiro do narcotráfico – US$ bilhões – deixasse de circular de repente, haveria uma crise financeira mundial talvez sem precedentes.

No Brasil, comprovadamente, as quadrilhas lavam dinheiro assim: nas Bolsas (o investidor não aparece, opera por intermédio de corretoras); com empresas das mais diversas naturezas (construtoras, táxi aéreo, comércio); casas noturnas, boates, restaurantes; companhias seguradoras; casas de câmbio; negócios com jóias, metais preciosos, objetos de arte.

Dois exemplos de métodos de lavagem:

Jogo (bingos, cartelas de sorteios, máquinas eletrônicas): a empresa fatura x mas diz que arrecadou 10 vezes x. Se vendeu 50 mil bilhetes de um sorteio, registra 500mil. Embora vá pagar mais imposto, conseguiu tornar “legal” o equivalente a 90% do faturamento oficial. O dinheiro obtido com o crime já pode circular, porque foi “fruto” de uma empresa legal de jogo.

Loterias: nessa variante, são investidas fortunas para fechar as combinações matemáticas possíveis. Mesmo que se gaste R$ 2 para cada R$ 1 obtido, a soma recebida tem fonte limpa.


5) As Contas CC-5 e a Lavagem

Um dos instrumentos mais utilizados no Brasil para a lavagem são as contas CC-5, instituídas pelo governo em 1969. Elas são o meio legal para multinacionais estabelecidas no país e empresas brasileiras com negócios no exterior remeterem divisas para fora. E também o procedimento de envio de dinheiro para brasileiros que moram em outros países.

Uma investigação do Ministério Público Federal no Paraná mostrou, porém, que, a despeito de muitas firmas e cidadãos operarem escrupulosamente com as CC-5, elas são fartamente empregadas para lavar dinheiro. De 1992 a 1998, R$ 124 bilhões foram enviados para o exterior – não se sabe que porcentagem num esquema de lavagem.

Dos R$ 7,1 bilhões remetidos por pessoa físicas, 54% foram despachados por laranjas ( pessoas que emprestam seus nomes para os donos verdadeiros do dinheiro). Chegaram a ser descobertos 226 laranjas, inclusive camelôs e faxineiras.

Conforme informou o repórter José Maschio ( Folha de São Paulo, 11 de agosto de 1999), das 50 pessoas com maiores remessas, 21 eram de Foz do Iguaçu e 11 de Ponta Porã, duas cidades brasileiras que fazem fronteira com o Paraguai. a primeira é rota de contrabando de ouro, armas e um sem – número de produtos. a Segunda uma das principais portas de entrada de drogas no país. São Paulo, o pulmão da economia nacional, teve só quatro pessoas na lista de 50.


6) O Combate Institucional ao Branqueamento de Capitais.

O Grupo de ação Financeira sobre o Branqueamento de Capitais (GAFI) é um organismo inter-governamental cujo objetivo é o desenvolvimento e a promoção de estratégias de luta contra o branqueamento de capitais.

O GAFI compreende atualmente 26 países, entre estes territórios e jurisdições, são eles: Alemanha, Austrália, Áustria, Bélgica, Canadá, Cingapura, Dinamarca, Espanha, Estados Unidos, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Hong Kong, Irlanda, Islândia, Itália, Japão, Luxemburgo, Noruega, Nova Zelândia, Portugal, Reino Unido, Suécia, Suíça e Turquia. E duas organizações internacionais: a Comissão Européia e o Conselho de Cooperação do Golfo. Entre os seus membros portanto, figuram os principais centros financeiros da Europa, da América do Norte e da Ásia. Trata-se de um organismo pluridisciplinar, condição fundamental para lutar contra o branqueamento, que encontra no seu seio os poderes de decisão de peritos em questões jurídicas, financeiras e operacionais.

Em março de 1998, o Brasil, dando continuidade a compromissos assumidos desde a assinatura da Convenção de Viena de 1988, aprovou a Lei nº 9.613, que representa um avanço no tratamento da questão, pois tipifica o crime de lavagem de dinheiro. Também medidas que conferem maior responsabilidade a intermediários econômicos e financeiros e cria, no âmbito do Ministério da Fazenda, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF).

A principal tarefa do COAF é promover um esforço conjunto por parte dos vários órgãos governamentais do Brasil que cuidam da implementação de políticas nacionais voltadas para o combate ã lavagem de dinheiro, evitando que setores da economia continuem sendo utilizados nessa operações ilícitas.


7) Regras para um Programa Efetivo contra a Lavagem de dinheiro

Criminalizar a lavagem de dinheiro.

Estabelecer obrigações nas instituições financeiras e outros potenciais facilitadores na detecção da lavagem de dinheiro – Estas instituições precisam garantir que os funcionários sejam treinados, transações monitoradas e atividades suspeitas relacionadas às autoridades.

Colocar peritos no governo – Funcionários do governo raramente são orientados sobre todos os intricados negócios da lavagem de dinheiro. Isto é particularmente verdade em relação a polícia, promotores e juízes, que são tipicamente mais versados sobre o crime mais convencional.

Estabelecer uma Unidade de Inteligência Financeira – Como o crime financeiro é complexo e os bancos estarão relatando atividades não usuais que podem ou não ser criminosas, uma unidade precisa ser estabelecida para treinar peritos, a fim de analisar as atividades e dar suporte à polícia e aos promotores. Mais de 40 unidades desse tipo foram estabelecidas nos últimos nove anos, e há até mesmo uma associação destas entidades (o grupo Egmont),que encoraja a troca de experiências e a informação financeira relacionadas às investigações.

Diversificar as abordagens governamentais – Um dos problemas–chave dos esforços para prevenir o crime econômico e lavagem de dinheiro é que o sucesso requer o esforço de múltiplos componentes do governo. Estas entidades governamentais quase sempre têm diferentes culturas e raramente entram em contato uma com as outras. A separação de funções quase sempre resulta em não dar a prioridade adequada ao problema.

Desenvolver sistemas que garantam a troca de informações – dificilmente as informações são encontradas em um único lugar. Consequentemente, deve haver uma efetiva troca de informações entre departamentos do governo e entre as instituições financeiras privadas e as autoridades governamentais apropriadas. As informações além-fronteiras também devem ser estimuladas.

Estabelecer leis e procedimentos que permitam a apreensão e confisco de bens adquiridos criminosamente – Não basta prender os criminosos financeiros, se a riqueza que eles adquirirem puder ser usada para dar continuidade as operações ilegais.

Reconhecer que um miligrama de prevenção vale mais que um quilo de punições.

Aprender de outras experiências – Há numerosos fóruns onde a informação é trocada e onde governo e setores privados estão identificando seus êxitos e suas falhas. Aprender de outras experiências é essencial para o combate ao crime financeiro.

Adaptar, ajustar e revisar – Se um governo tem determinado programa contra lavagem de dinheiro, este deve ser constantemente revisado e ajustado.

Sobre o(a) autor(a)
Aldem Johnston
Estudante de Direito
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