Fraude à execução e penhora de ativos financeiros

Fraude à execução e penhora de ativos financeiros

Sobre a instauração do incidente de fraude à execução, na hipótese de penhora negativa de ativos financeiros, por meio de ofícios direcionados ao Banco Central e às instituições financeiras, para a obtenção de resposta sobre transferência ilegitima de valores.

Não obstante o Código de Processo elencar como bem preferencialmente penhorável o dinheiro, art. 655, I, do CPC, possibilitando, inclusive, a realização de penhora sobre ativos financeiros, na forma do art. 655-A, mais comumente conhecida como penhora on-line, a praxe forense vem demonstrando uma triste coincidência nas diversas execuções frustradas distribuídas pelo território nacional: em regra as contas correntes ou aplicações não apresentam saldos suficientes para a liquidação da dívida executada.

Seria apenas uma constatação de insolvência, ou poderíamos duvidar da boa-fé do devedor e, por conseguinte, sustentar que houve uma transferência de valores para conta de terceiro no intuito de impossibilitar a liquidação da obrigação executada?

O presente trabalho visa justamente buscar uma resposta para tão intrigado questionamento, tentando demonstrar através da lei processual e de lei específica que a simples transferência de ativos financeiros são muitas das vezes práticas espúrias e fraudulentas, visando o não cumprimento de obrigações executadas judicialmente.

Contudo, antes de entrarmos na caracterização da fraude à execução propriamente dita, devemos encontrar, no mundo jurídico, a natureza que a simples transferência de valores de uma conta corrente pode apresentar, seja um ato de mera liberalidade ou até mesmo um pagamento de obrigação regularmente contraída.

Conta corrente ou conta de depósito é a modalidade contratual na qual o seu titular, na figura de contratante, e o Banco, na figura de contratado, pactuam relação jurídica cujo objeto da prestação de serviço é a administração de ativos de titularidade do correntista, ficando este obrigado a prover a conta depósito de saldo para a liquidação de débitos, os quais tenha autorizado pagamento mediante desconto direto, bem como dos encargos e tarifas provenientes da prestação de serviço oferecida pela instituição financeira.

Vale destacar, ainda, que a conta corrente é de livre movimentação, ou seja, não há uma formalidade, nem tampouco controle para a realização de depósitos e retiradas, bastando que o seu titular expeça uma ordem de pagamento ao Banco. Assim, havendo saldo positivo na conta corrente o Banco responsável pela administração do dinheiro depositado não detém qualquer poder de negar a ordem de pagamento emitida pelo titular da conta depósito, mas apenas, após todo o procedimento de segurança exigido por lei, simplesmente obedece-la.

Conclui-se, assim, que o titular da conta corrente não obedece a regras legais para transferir R$ 1,00 (um real) ou R$1.000.000,00 (um milhão de reais), podendo faze-lo sem que desperte qualquer dúvida quanto à sua real intenção ou fim na movimentação financeira pretendida, salvo as obrigações elencadas pelo Decreto nº 4.489/02.

Seguindo essa linha de raciocínio, pode-se chegar a conclusão que uma simples transferência bancária pode apresentar a natureza de pagamento de uma obrigação contraída antes ou após a distribuição da ação, seja pelo rito comum ou executória; ou, como um simples ato de liberalidade, caracterizar-se como uma doação pura ou sem encargos.

Nota-se que na primeira hipótese, a princípio, não estaríamos falando em qualquer irregularidade, pois o titular da conta corrente estaria apenas transferindo valores depositados na conta corrente de sua titularidade para o cumprimento/pagamento de uma obrigação regularmente contraída, a teor do art. 313 e seguintes, do Código Civil.

Todavia, e na hipótese de a obrigação adimplida tiver sido contraída em data posterior à distribuição da ação proposta em face do titular da conta corrente? Estaria o executado, titular da conta corrente, em afronta ao art. 593, II, do CPC, já que a transferência dos valores tornou-o insolvente, impossibilitando o cumprimento da obrigação objeto de uma ação judicial?

Observa-se, mais uma vez, que não estamos falando de uma relação jurídica ilegal, mas apenas de um ato nulo em razão de inviabilidade do adimplemento de uma obrigação em juízo.

Não obstante a aparente legalidade do ato de disposição de bens, em uma simples análise dos arts. 591, 592, II e 593, todos do Código de Processo Civil, percebe-se que o ato de transferência de valores por meio de conta corrente ou qualquer outro investimento financeiro após a citação válida não surte efeitos à relação jurídica em litígio, devendo ser anulada.

Vale salientar que o art. 593, do CPC, ao definir o instituto da fraude à execução não atribui um animus especial de agir, um elemento subjetivo, mas apenas que o ato de alienação de bens seja suficiente para impossibilitar o adimplemento da obrigação objeto da ação de execução. Portanto, a partir do momento que a alienação transmuda o estado de solvência do executado para um estado de insolvência, caracterizar-se-á a fraude à execução.

Nessa linha de raciocínio, faz-se necessário mencionar as brilhantes palavras dos brilhantes doutrinadores Luiz Guilherme Marioni e Sérgio Cruz Arenhart, definindo com clareza o instituto da fraude à execução, in verbis:

“A seu turno, a fraude à execução é vício muito mais grave, que não atinge apenas os interesses dos credores, afetando diretamente a autoridade do Estado concretizada no exercício jurisdicional. Seu reconhecimento depende da existência de uma ação contemporânea ao ato de diminuição patrimonial. Havendo ação judicial em andamento, o interesse na manutenção do patrimônio do executado não é mais apenas do credor, mas também da jurisdição, cuja atividade atua sobre este conjunto de bens. Em razão disto, fraude à execução não se limita a gerar efeitos no campo processual, sendo também tipificada como delito (art. 179 do Código Penal)”.

Completando:

“Por se tratar de situação mais grave, a lei dispensa a prova da intenção de fraudar (consilium fraudis). Bastará a ocorrência do fato – estabelecido em lei – para estar configurada a fraude à execução”.

Observa-se que diferentemente da fraude aos credores, típico instituto de direito material, a fraude à execução não exige a prova do elemento subjetivo, mas apenas a constatação de que a alienação dos valores foi capaz de alterar o estado de insolvência do devedor.

Ratificando o pacificado entendimento doutrinário e jurisprudencial, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça, assim bem definiu a caracterização da fraude à execução, afastando qualquer elemento subjetivo na alienação dos bens que garantiria a execução, in verbis:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. CITAÇÃO. ALIENAÇÃO DO BEM. FRAUDE. RESCINDIBILIDADE DA CONFIGURAÇÃO DO CONSILIUM

FRAUDIS. I - O posicionamento desta Corte é no sentido de que, se ocorreu a citação do executado, a alienação posterior de seus bens caracteriza fraude à execução, sendo desnecessária a prova do consilium fraudis, a teor do disposto no artigo 185 do Código Tributário Nacional. Precedentes: REsp 170430/SP, Rel. Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ de 17/09/2007; REsp 734280/RJ, Rel. Ministra ELIANA CALMON, DJ de 15/03/2007 e REsp nº 489.059/RS, Relator Ministro HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 17/11/2003. II - Agravo regimental improvido.”( AgRg no REsp 1049661 / RS AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 2008/0085293-9 - Ministro FRANCISCO FALCÃO (1116) - T1 - PRIMEIRA TURMA – Data de Julgamento - 05/08/2008 – Data da Publicação: 27/08/2008)

Observa-se que o brilhante acórdão refere-se à alienação, ou seja, toda e qualquer forma de transferência de bens que o ordenamento jurídico autoriza ou não proíbe, incluindo, como dito alhures, o pagamento e a doação pura ou sem encargo.

Assim, se a insolvência decorrente de uma transferência de valores justificada no pagamento de uma obrigação caracteriza um ato nulo e, portando, sem produzir efeitos para a relação jurídica posta em juízo, de outra forma não pode ser considerada a hipótese de transferência de valores sem qualquer relação jurídica a justificá-la.

De acordo com o art. 538, do Código Civil, “considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra”.

Observa-se que a lei civil não exige um fim, ou uma relação jurídica para que se efetive a alienação por doação, bastando que o doador, por mera liberalidade, disponha do bem e o donatário manifeste o seu interesse, de forma expressa ou tácita, a teor do art. 539, do mesmo diploma legal.

Seguindo as disposições gerais dedicadas ao instituto da doação, o art. 541, do CC/02, elenca a forma necessária para ser caracterizada válida a doação, devendo esta ser realizada por instrumento público, nas hipóteses em que a lei exigir, ou por instrumento particular. Contudo, abre uma exceção, através do parágrafo único do mesmo dispositivo, ao possibilitar que a doação seja realizada verbalmente, condicionando-a aos bens móveis e de pequeno valor.

Nessa linha de raciocínio, o Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, assim definiu a necessidade de uma interpretação literal do texto legal paras as hipóteses de doação, in verbis:

“AÇÃO DE COBRANÇA. MÚTUO IMPAGO. DOAÇÃO INEXISTENTE. DECISÃO QUE SE CONFIRMA. Exatamente por se tratar de contrato gratuito, desafia a doação interpretação literal, aplicando-se a teoria da declaração, e não a da vontade, preferindo-se o sentido literal da linguagem à verdadeira intenção das partes.Com isso, não basta que o objeto da doação verbal seja um bem móvel, pois, como se depreende do texto legal, é também necessário que tenha a declaração de vontade por objeto coisa de "pequeno valor", ou seja, que não importe em maior sacrifício para o patrimônio do doador. Não se tratando, pois, de doação, já que as formas legalmente previstas foram desprezadas, o negócio jurídico realizado pelas partes litigantes tem, portanto, a natureza jurídica de um contrato de mútuo, como corretamente aferido pela douta Juíza sentenciante. IMPROVIMENTO DO RECURSO. (2006.001.02344 - APELACAO - 1ª Ementa - DES. MALDONADO DE CARVALHO - Julgamento: 21/02/2006 - PRIMEIRA CAMARA CIVEL)

Nota-se que o Egrégio Tribunal de Justiça Fluminense interpretou a expressão “de pequeno valor” como aquela transferência de bens que não configure uma perda considerável no patrimônio do doador, ou seja, que não seja capaz de alterar o estado de insolvência daquele em prejuízo aos demais credores.

Dessa forma, conclui-se, inicialmente, que até mesmo sob o ângulo do instituto da doação, na qual se exige a forma prescrita em lei, art. 104, III c/c art. 160, IV, do CC/02, a simples transferência de valores para conta de terceiros na forma de um ato de liberalidade estaria eivado de flagrante nulidade, pois, considerando que a doação representará a insolvência do executado/titular, é notório que a alienação deverá, sempre, ser realizada através de um instrumento público ou particular, a teor do art. 541, do Código Civil.

Contudo, em uma simples análise das diversas respostas das instituições financeiras sobre a existência de ativos financeiros capazes de solver o valor executado, na forma do art. 655-A, do CPC, conclui-se que as transferências de valores para terceiros sem a observância da forma legal e com a intenção de dificultar o cumprimento da obrigação executada são ilicitamente realizadas por seus interessados, utilizando-se da liberdade financeira que lei autoriza.

Não há como não se chegar à conclusão de que uma simples transferência/tradição de valores/dinheiro caracterizaria verdadeira ofensa ao art. 593, II, III e art. 600, I, todos do Código de Processo Civil.

Em brilhante obra sobre contratos, o ilustre doutrinador Sílvio de Salvo Venosa, bem definiu a vedação legal do contrato de doação ser utilizado com meio fraudulento para o não pagamento de obrigações regularmente contraídas:

“De acordo com o art. 158 (antigo art. 106), estudado no livro Direito civil, parte geral, alei presume fraudulentos os atos gratuitos de transmissão de bens, quando o devedor os pratica já insolvente, ou por eles levado à insolvência. (...) O devedor não pode dispor gratuitamente de seu patrimônio, garantia geral dos redores, se seu passivo suplantar o ativo.”

Verifica-se, que se o ato que dispôs dos bens do devedor tornou-o insolvente, não há efeito para com o credor que o acionou, por se tratar de um ato fraudulento, cujo único interesse é burlar a lei e impossibilitar a constrição do patrimônio afetado a partir da citação valida.

TRATA-SE VERDADEIRAMENTE DE FRAUDE À EXECUÇÃO, já que a partir da alienação/doação dos valores depositados o executado restou-se insolvente, ensejando, assim, a aplicação das regras do instituto processual para resguardar o direito do credor ver a obrigação executada cumprida. Entender de forma diversa, com a venia devida, seria pactuar com enriquecimento ilícito e o comportamento fraudulento tipificado como crime, a teor do art. 179, do Código Penal.

Quanto à prova da nulidade do ato de alienação, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento de que cabe ao executado provar que o ato de alienação não apresentava intuito fraudulento, comprovando que: 1) a alienação ocorreu antes da ciência da execução, ou, seguindo o pacífico entendimento do STJ, que ocorrera em data anterior à citação; e 2) que a alienação não foi capaz de alterar seu estado de solvência, ou seja, que o patrimônio do executado ainda apresenta força econômica para saldar a dívida executada, in verbis:

“Processo civil. Recurso especial. Julgamento do mérito recursal. Reconhecimento implícito da legitimidade para recorrer. Fraude à execução. Art. 593, inciso II, do CPC. Presunção relativa de fraude. Ônus da prova da inocorrência da fraude de execução. Lei n.° 7.433/1985. Lavratura de escritura pública relativa a imóvel. Certidões em nome do proprietário do imóvel emitidas pelos cartórios distribuidores judiciais. Apresentação e menção obrigatórias pelo tabelião. Cautelas para a segurança jurídica da aquisição do imóvel. - Se no julgamento do recurso, o Tribunal adentra no mérito recursal, inequivocamente conhece do recurso. Como a legitimidade para recorrer é um dos pressupostos intrínsecos de admissibilidade dos recursos, ao tratar do mérito recursal, o Tribunal reconhece implicitamente a legitimidade para recorrer. - O inciso II, do art. 593, do CPC, estabelece uma presunção relativa da fraude, que beneficia o autor ou exequente, razão pela qual é da parte contrária o ônus da prova da inocorrência dos pressupostos da fraude de execução. - A partir da vigência da Lei n.° 7.433/1985, para a lavratura de escritura pública relativa a imóvel, o tabelião obrigatoriamente consigna, no ato notarial, a apresentação das certidões relativas ao proprietário do imóvel emitidas pelos cartórios distribuidores judiciais, que ficam, ainda, arquivadas junto ao respectivo Cartório, no original ou em cópias autenticadas. - Cabe ao comprador do imóvel provar que desconhece a existência da ação em nome do proprietário do imóvel, não apenas porque o art. 1.º, da Lei n.º 7.433/85 exige a apresentação das certidões dos feitos ajuizados em nome do vendedor para lavratura da escritura pública de alienação de imóveis, mas, sobretudo, porque só se pode considerar, objetivamente, de boa-fé, o comprador que toma mínimas cautelas para a segurança jurídica da sua aquisição. - Tem o terceiro adquirente o ônus de provar que, com a alienação do imóvel, não ficou o devedor reduzido à insolvência, ou demonstrar qualquer outra causa passível de ilidir a presunção de fraude disposta no art. 593, II, do CPC, inclusive a impossibilidade de ter conhecimento da existência da demanda, apesar de constar da escritura de transferência de propriedade do imóvel a indicação da apresentação dos documentos comprobatórios dos feitos ajuizados em nome do proprietário do imóvel. Recurso especial não provido.” (Resp 655000 / SP
RECURSO ESPECIAL 2004/0050454-3 - Ministra NANCY ANDRIGHI (1118) - T3 - TERCEIRA TURMA – Data de Julgamento 23/08/2007 - DJ 27/02/2008 p. 189)

Portanto, cabe ao executado comprovar que o ato de alienação não foi suficiente para torna-lo insolvente, ou, se o tornou, que a alienação ocorreu em data anterior à citação válida, sob pena de as transferências de valores em razão de pagamento ou de simples doação não terem qualquer eficácia perante a relação jurídica discutida em juízo, podendo o exequente requerer a declaração de nulidade do ato e, por conseguinte, a transferência dos ativos para a conta judicial, garantindo o cumprimento da obrigação inadimplida.

Contudo, em razão de a Lei Complementar nº 105/01 declarar em seu art. 1º, que é um dever das instituições financeiras resguardar em sigilo todas as movimentações financeiras de sua responsabilidade, como o exequente obteria as informações necessárias para sustentar a tese de que houve uma transferência ilegal de valores para conta corrente de terceiro a caracterizar uma fraude à execução?

Observa-se que a situação é tormentosa, pois esbarra na garantia constitucional da inviolabilidade à intimidade que, na presente hipótese, seria o sigilo bancário.

Entretanto, entender que transferências ilegais e com o único escopo de fraudar a lei estariam amparadas pelo manto do sigilo bancário praticamente tornaria o art. 655-A, do CPC, letra morta no ordenamento jurídico, pois, conforme o demonstrado acima, o simples ato de transferência de valores para uma conta de terceiro torna o devedor insolvente, frustrando não só o pagamento da dívida executada, como também a própria atividade jurisdicional oferecida pelo Estado.

Ademais, a própria lei adjetiva civil, através do art. 592, III, autoriza a execução de bens do devedor que se encontram na posse de terceiros. Ora, se não houve a comprovação da legalidade da transferência dos ativos financeiros, não houve alteração da titularidade do bem, mas apenas da sua detenção, logo, possibilitando a aplicação do dispositivo supramencionado.

Dessa forma, caracterizada a inexistência de patrimônio a penhorar e a suspeita de ocultação de bens, por meio de transferência ilícita de valores, nada impede que o juízo competente oficie a Secretaria da Receita Federal e o Banco Central do Brasil, no intuito de obter informações relevantes sobre a realização de transferência de valores superior ao autorizado pelo Decreto 4.489/02.

Vale destacar, que o art. 1º do Decreto 4.489/02, obriga as instituições financeiras a fornecer à Secretaria da Receita Federal, através de relatório detalhado, informações sobre movimentações financeiras por aquelas administradas; podendo, contudo, na forma do art. 4º, do mesmo diploma legal, desconsiderar tais informações quando o montante global do valor movimentado mensalmente não ultrapassar os seguintes patamares:

I - para pessoas físicas, R$ 5.000,00 (cinco mil reais);

II - para pessoas jurídicas, R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Portanto, estando as instituições financeiras obrigadas por lei a informar mensalmente à Secretaria da Receita Federal as movimentações financeiras que ultrapassem os valores acima descritos, conclui-se, que a expedição de um simples ofício ao órgão federal, determinando que seja informada a existência de transferência de valores superiores aos elencados pelo Decreto 4.489/02, bem como os favorecidos, seria suficiente para se obter o mínimo de prova exigido à instauração do incidente de fraude à execução.

Nota-se que não há qualquer ilegalidade nas informações a serem determinadas pelo juízo competente, estando este amparado pelo ordenamento jurídico e buscando, unicamente, possibilitar o cumprimento de uma obrigação ajuizada e a desconstituição de um ato ilícito e atentatório à lei processual.

Ademais, a própria Lei Complementar nº 105/01, através do § 4º, do art. 1º, autoriza, de forma excepcional, a quebra do sigilo financeiro para hipóteses de apuração de ocorrência de qualquer ilícito, ou seja, não blinda com a roupagem da inviolabilidade as hipóteses em que as transferências visam burlar a lei e o fim colimado encontra-se repúdio no ordenamento jurídico.

Por qualquer ilícito entende-se não só as espécies tipificadas como crimes, mas toda e qualquer situação que, por algum motivo, vai de encontro ao ordenamento jurídico, incluindo, a fraude à execução que por si só encontra-se tipificada como crime, a teor do art. 179, do Código Penal.

Assim, seja pelo caput do art. 4º, do art. 1º, da Lei Complementar nº 105/01, através da literalidade da expressão “qualquer ilícito”, ou até mesmo pela aplicação do § 4º, VII, em razão do crime de fraude à execução e do elemento do tipo “ocultação de bens”, conclui-se facilmente que a própria lei excepciona os efeitos do princípio constitucional do sigilo financeiro. Tal fato autoriza a obtenção de informações junto à Secretaria da Receita Federal, ou até mesmo junto às instituições financeiras, sobre a existência de transferência de valores a caracterizar a prática de fraude à execução, possibilitando, assim, a instauração do incidente processual e a nulidade do ato fraudulento.

Sedimentando a ausência do caráter absoluto no sigilo bancário, destaca-se o brilhante julgado da lavra do Egrégio Supremo Tribunal Federal, in verbis:

“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. SIGILO BANCÁRIO. QUEBRA. PROCEDIMENTO LEGAL. OFENSA INDIRETA À CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. 1. Controvérsia decidida à luz de normas infraconstitucionais. Ofensa indireta à Constituição do Brasil. 2. O sigilo bancário, espécie de direito à privacidade protegido pela Constituição de 1988, não é absoluto, pois deve ceder diante dos interesses público, social e da Justiça. Assim, deve ceder também na forma e com observância de procedimento legal e com respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes. 3. Agravo regimental a que se nega provimento.” (AI-AgR 655298/SP SÃOPAULO AG. REG. NO AGRAVO DEINSTRUMENTO Relator (a): Min. EROS GRAU Julgamento:  04/09/2007 Órgão Julgador:  Segunda Turma) (gn)

Logo, sendo ilegal e sem efeito para com o exequente o ato de disposição, gratuito ou oneroso de bens do executado validamente citado, não há como não se concluir pela possibilidade jurídica de o demandante ter o direito processual de requerer em juízo a expedição de ofício à instituição financeira ou à Secretaria da Receita Federal, solicitando informações específicas quanto à existência de transferência de valores que tenha alterado o estado de solvência do devedor.

Entender de forma diversa seria, fatalmente, uma afronta ao princípio da isonomia processual e da tutela jurisdicional efetiva, pois, inexistindo bens a executar, ao credor/exequente não restará outra possibilidade senão aguardar pela constituição de um patrimônio a saldar a obrigação executada, fato este que dificilmente ocorrerá.

Portanto, conclui-se o presente trabalho, sem a pretensão de esgotar tema tão controvertido, pela possibilidade jurídica de se instaurar o incidente de fraude à execução na hipótese de ficar comprovado, através de ofícios ao Banco Central, Receita Federal e instituições financeiras, que o executado tornou-se insolvente em razão de transferências bancárias ilegítimas.

Bibliografia

VENOSA, Sílvio de Salvo. DIREITO CIVIL, CONTRATOS EM ESPÉCIE – 3ª Ed, editora Atlas, São Paulo, pág. 120.

MARIONI, Luiz Guilherme e ARENHART, Sérgio Cruz. CURSO DE PROCESSO CIVIL, EXECUÇÃO – Volume 03, editora Revista dos Tribunais, São Paulo, pág. 260/261.

Sobre o(a) autor(a)
Joao Ricardo de Oliveira
Joao Ricardo de Oliveira Advogado formado em dezembro de 2006, com experiência em direito bancário e consumidor. Atualmente cursando o LLM - Direito Corporativo - do IBMEC.
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