Medida presidencial abala a autonomia das Agências Reguladoras

Medida presidencial abala a autonomia das Agências Reguladoras

Análise da autonomia das Agências Reguladoras: marco regulatório, descentralização de serviços típicos de Estado, princípio da eficiência, recurso hierárquico, atração de investimentos estrangeiros.

Convencido de que a eficiência exigida na prestação de serviços e na produção de bens e utilidades encontra-se com o setor privado, apresenta-se no cenário mundial uma proposta de transformação de um Estado-empresário em um Estado-mínimo.

A este novo Estado cabe apenas a execução de atividades indelegáveis como a defesa nacional, a prestação jurisdicional e outras consideradas típicas.

O afastamento estatal das demais atividades exige a criação de órgãos reguladores que desempenhem principalmente uma função de controle, como previsto na Carta constitucional, nos artigos 21, XI e 177, § 2º, III.

Adotando-se um modelo neoliberal, baseado na redução do papel do Estado na esfera econômica e social, surgem as Agências Reguladoras como medida de descentralização institucional, exercendo funções típicas de cada um dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário: normativas ou reguladoras, fiscalizatórias, punitivas e, por vezes, parajurisdicionais.

Segundo o STF, como as atividades típicas de Estado só podem ser conferidas às pessoas jurídicas de direito publico, as Agências Reguladoras foram instituídas sob a forma de autarquias, integrantes da Administração Pública Indireta.

Essa opção legislativa permitiu a atribuição de poderes inerentes às pessoas de direito público, sobretudo pela necessidade de intervenção nas atividades não prestadas à frente pelo Estado, de modo a garantir a defesa dos interesses coletivos.

O modelo moderno de intervenção não admite mais a simples edição de normas genéricas e abstratas, sendo necessária a fiscalização e punição por um órgão técnico que não precisa de provocação para atuar e que não seja tão fracionado como o judiciário.

Para o professor Carlos Ari Sundfeld, coordenador da obra “A nova Regulação Estatal e as Agencias Independentes”, as Agências Reguladoras desenvolvem uma tripla regulação: regulação dos monopólios, regulação para a competição e a regulação social, esta ultima visando a universalização dos serviços públicos.

A qualificação de autarquias “em regime especial” sugere uma razoável independência em relação ao Executivo e uma maior autonomia administrativa e financeira. Todavia, isso não faz com que elas sejam imunes às espécies de controle previstas na Constituição.

Assim, submetem-se ao controle do executivo, especialmente quanto à supervisão ministerial e competência do Presidente da República para direção da Administração federal. (artigos 84 II c/c 87, Parágrafo Único, I, ambos da Constituição Federal).

Essa autonomia se verifica apenas no âmbito administrativo, sendo inafastável, em qualquer caso, a apreciação judicial (artigo 5º, XXXV, da CF/88).

Ademais, como entidades da administração indireta, estão apenas vinculadas (e não subordinadas) a um Ministério, não havendo qualquer relação de hierarquia entre a Administração Direta e a Indireta.

Dessa maneira, não caberia recurso hierárquico à Administração Centralizada, ou seja, um ato de um dirigente de uma Agência Reguladora não poderia ser revisto administrativamente.

Acontece que o decreto-lei 200/67 prevê um Recurso Hierárquico Impróprio, espécie de recurso entre esferas administrativas não hierarquizadas.

Tal recurso deve estar sempre previsto em lei e deve limitar-se ao controle interno, permitindo o controle finalístico.

No Brasil, podemos destacar, neste campo de regulação de serviços públicos, dentre outras, a ANEEL, a ANATEL, a ANS e a ANP.

A ANATEL, instituída pela lei 9.472/97, em seu artigo 19, XXV, resguarda o último grau para decisões sobre matérias de sua alçada; enquanto que a ANS, instituída pela lei 9.961/2000, em seu artigo 1º, Parágrafo único, fala que “a natureza de autarquia especial conferida à ANS é caracterizada por (...) autonomia nas suas decisões técnicas...”.

Verifica-se, portanto, que não cabe recurso hierárquico impróprio contra atos dessas Agências, sendo a definitividade destes apenas um instrumento de ampliação da autonomia.

Embora não se encontre tal previsão nas demais leis que regulam essas pessoas, essa autonomia é que as caracterizam e as diferenciam das autarquias “comuns”, atraindo, sobretudo neste aspecto, os investidores estrangeiros, responsáveis pela aquisição de grandes ativos estatais.

Ocorre que no dia 13 de junho de 2006, o Presidente Luiz Inácio Lula da Silva aprovou um parecer da AGU (AC-051) permitindo o direcionamento de recurso hierárquico impróprio ao Ministério a que a agência está vinculada, a fim de reavaliação das decisões.

Inicialmente poderíamos pensar que o ministério poderia revogar uma decisão da ANATEL, fato que não é verdadeiro, justamente porque o documento não é dotado de força normativa, não podendo modificar a lei, o que faz do ato uma espécie de jurisprudência administrativa no Executivo.

O parecer envolvia um caso pontual de disputa entre a ANTAQ (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) e o Ministério dos Transportes, que queria que a Agência voltasse atrás em sua decisão.
A pretensão de se retirar a independência hierárquica das Agências e a rediscussão acerca da autonomia não guardam acolhimento na doutrina do Direito Administrativo.

A medida presidencial se mostra incompatível com os objetivos que motivaram a criação dessas pessoas jurídicas e contrariam o modelo de ente regulador autônomo que se pretendeu instituir no Brasil.

Isto posto, resta-nos saber a que ponto isso afetará a economia do País.

Sobre o(a) autor(a)
Renato Beiriz Brandão de Azevedo
Professor de direito administrativo, consultor jurídico, advogado, especialista em Direito Administrativo. Colaborador do Jornal Mural Direito em movimento, Palestrante, orientador, seminarista. Alguns publicados recentemente...
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