Honorários advocatícios e a competência trabalhista

Honorários advocatícios e a competência trabalhista

A atividade do advogado e a evolução histórica da justiça e competência trabalhistas para ver se a EC 45 incluiu nesta, a relação de trabalho entre advogado e cliente. Avalia também a aplicação de relação de consumo e a presença de hipossuficiência.

Com a publicação da Emenda Constitucional 45/2004, inseriu-se no mundo jurídico uma discussão a respeito da nova área de atuação da Justiça Laboral, com especial destaque à inclusão da relação entre profissionais liberais e seus clientes.


Advogado

Da origem da palavra, encontra-se descrição da sua tarefa: “para perto chamado” para defender o direito do seu cliente. E da lei sua importância, sendo o advogado peça fundamental na aplicação do direito, considerado por disposição Constitucional indispensável à administração da justiça (art. 133).

Mas seu mister, apesar de revestido de múnus público, também tem seu aspecto privado, como fonte de sustento do profissional, sendo sua remuneração protegida em lei federal (8.906/94, art. 22 e seguintes).

Neste diapasão, é possível o exercício da profissão de advogado sob a roupagem de empregado, bem como sob a de autônomo, a depender da forma de contrato que se estabelecer com o beneficiado pela sua atuação. No primeiro caso, a aplicação das leis trabalhistas é decorrência lógica. No segundo, as dúvidas motivaram este estudo.


O direito trabalhista e a evolução constitucional brasileira

A criação de leis trabalhistas no Brasil sempre se deu de forma não sistematizada, embora desde antes do Código Civil de 1916, já houvesse projetos de códigos para as relações de trabalho.

A melhor alternativa, ou a mais viável à época, foi a reunião das leis esparças, numa compilação que deu origem à Consolidação das Leis do Trabalho, pelo Decreto-Lei 5.452/1943. Como o nome indica, não foi a criação de uma lei, mas a reunião de várias, com o intuito de consolidar a matéria.

Nos primeiros dispositivos da Consolidação, encontram-se as definições de empregador e empregado, dando força à interpretação de que a nova legislação tratava das relações de emprego especificamente, e não as de trabalho em si, como sugeriu o nome.

O problema de interpretação se deve ao fato de que os conceitos do gênero “trabalho” e da espécie “emprego” eram indissociáveis naquele período, muito embora o primeiro já fosse notoriamente mais abrangente.

A CLT sempre foi a representação do espaço de atuação da Justiça do Trabalho, desde a criação de ambas, ficando assim excluídas as relações de trabalho sem subordinação de sua competência. A saudável celeuma se instalou tão-somente com a Emenda Constitucional n. 45/04, quando então, uma Carta Magna brasileira (incluindo as de 1934 a 1988 sem emenda) deixou de prever a competência da Justiça do Trabalho para as questões entre “empregadores e empregados” ou para outras regidas por lei especial, ampliando sua competência para todas as relações de trabalho.


A nova competência da Justiça do Trabalho

A Emenda Constitucional n.45 trouxe alterações ao texto da Carta Maior que não podem ser interpretadas de forma tão restritiva ao ponto de se considerar que nada inovaram.

A competência foi ampliada, pois o antigo texto restringia a competência da Justiça Laboral para as relações entre trabalhadores e empregadores, apenas autorizando a análise de outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho quando houvesse previsão em lei.

Pode-se dizer que a ampliação foi saudável porque a idéia de que a Justiça Laboral está adstrita à matéria tratada na CLT funda-se em um preconceito, que persiste e se reflete na resistência à nova competência Trabalhista. A Justiça do Trabalho não é a Justiça da CLT; não só as relações e pessoas lá inscritas têm espaço em sua competência. O constituinte fez romper este dogma, mas a aceitação total da mudança ainda será tema de muito debate.

Podemos observar que, por imperativo Constitucional, agora “Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar [todas] as ações oriundas da relação de trabalho [e quaisquer] outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, [neste particular, somente] na forma da lei” (Art. 114, inc. I e IX). Uma limitação não pretendida pelo constituinte derivado será inconstitucional e uma sobre-vida ao “preconceito celetista”


Mudança de critério e jurisdicionados abrangidos

É inegável que com a Emenda Constitucional 45, o constituinte derivado teve a intenção de inovar e expandir a competência da Justiça do Trabalho de relações de emprego, para relações de trabalho. Alterou o critério subjetivo (relação entre empregador e trabalhador) para o critério objetivo (matéria: lide originada de relação de trabalho).

Neste ponto, cabe fazer a distinção entre o conceito de empregado e o conceito do jurisdicionado com acesso a esta Justiça Especializada: o primeiro cinge-se à parte hipossuficiente dos contratos entre “empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço” e a “pessoa física que presta serivços de natureza não eventual [...], sob a dependência [daquele] e mediante salário”. (texto da CLT, arts. 2 e 3).

Já a relação de trabalho que menciona o novo texto da Carta, aproveita do texto Celetista apenas a “prestação de serviço” e “pessoa física”, eis que caem as demais exigências.

A prestação de serviços inclui em seu conceito uma atividade com execução direcionada a um tomador, mas necessariamente com caráter profissional, sob pena de incluirmos favores no rol de serviços.

A necessidade de ser pessoa física restringe as atividades para somente as humanas e se explica pelo fato de que a contratação de uma pessoa jurídica, exigiria prestação direta por pessoa diversa da contratada.

A relação de trabalho então, nos limites dos conceitos expressos acima, é toda prestação profissional de serviço por pessoa física, incluindo-se contratos de mandato, trabalho voluntário, estágio, corretagem, empreitada, agenciamento e outros. Devem ser ainda abrangidos todos os terceiros que tiverem questão que se originou da relação de trabalho, mesmo que dela não fizessem parte, como, v.g., a viúva de vítima de acidente de trabalho.

A subordinação, própria da relação de emprego, ora é desnecessária para configurar a competência da Justiça do Trabalho.

As relação de trabalho que não são empregatícias são inclusive chamadas agora de trabalho não subordinado, e os entendimentos que confirmam a competência da Justiça Laboral são inúmeros e, hoje, praticamente unânimes, com entendimento sedimentado pelo próprio TST que cancelou a Orientação Jurisprudencial nº 138 da SBDI-2, que excluia de sua competência a apreciação de “ ação de cobrança de honorários advocatícios, pleiteada na forma do art. 24, §§ 1º e 2º, da Lei nº 8.906/1994, em face da natureza civil do contrato de honorários”. (cancelada – DJ 10.05.2006).

A esse respeito, trazem-se à baila conclusão proveniente de encontro de magistrados trabalhistas realizado em Belém, com o objetivo de discutir a nova competência da Justiça do Trabalho, assim vazado:


"COMPETÊNCIA. Critério de definição. A subordinação jurídica não mais define a competência da Justiça do Trabalho, que passou a abranger todas as espécies de contratos de atividade.";


Os honorários profissionais advocatícios

Os advogados são prestadores de serviços, por meio de contrato de mandato e honorários, devendo, desde que contratados como pessoa física, serem incluídos no rol de jurisdicionados sob o manto Trabalhista.

Este entendimento inovado já encontra reflexo em decisões do Tribunal desta região, como no acórdão de relatoria do MM. Juiz Gilmar Cavalheri, cuja ementa abaixo transcre-se:


RELAÇÃO DE TRABALHO. COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. LIDE DE COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. o fato de serem aplicadas ao contrato de prestação de serviços as regras dispostas no Código Civil, no Código de Defesa do Consumidor ou mesmo em leis especiais atinentes ao profissional liberal não altera a natureza jurídica do pacto, que continua a gerar uma relação de trabalho. Não é, portanto, a fonte de direito material na qual se enquadra o pleito que tem força para estabelecer a competência, mas sim a expressa disposição no Texto Constitucional (art. 114 da CRFB/1988) quanto à constatação da existência de uma relação de trabalho "lato sensu” (Ac.-3ªT-Nº 00314/2007 RO 00876-2006-041-12-00-0) (grifo nosso)


Outras Regiões já comungam também deste entendimento:


"CONTRATO DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. EXECUÇÃO. RELAÇÃO DE TRABALHO. COMPETÊNCIA. EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45. (TRT19, Tribunal Pleno, AP 00191-2005-007-19-00-3/2005, rel. José Abílio, DOE/AL: 10/01/2006)


Advogado e cliente - relação de trabalho ou de consumo

Embora uma relação jurídica não exclua a outra (consumo x relação de trabalho), vamos analisar o entendimento segundo o qual a relação entre advogado e seu cliente seria uma relação de consumo, com base nos conceitos do Código de Defesa do Consumidor: destinatário final vs. prestador de serviço.

A ausência de razão que assista a esta tese, justifica-se por toda particularidade e regramento específico que cerca o mister do advogado, sobre tudo, em razão de estarem seus serviços fora do comércio, no sentido de lhes ser vedado captar clientes, prometer resultados ou fazer publicidade ostensiva. 

O Estatuto que regulamenta esta profissão é a Lei 8.906/94, cujo artigo 33 exige do advogado o cumprimento rigoroso dos deveres consignados no Código de Ética e Disciplina.

Esta norma, por seu turno, estabelece que:


Art. 5º. O exercício da advocacia é incompatível com qualquer procedimento de mercantilização.

[...]

Art. 7º. É vedado o oferecimento de serviços profissionais que impliquem, direta ou indiretamente, inculcação ou captação de clientela.


Em brilhante voto, o ilustre Ministro César Asfor Rocha pondera com maestria o tema, aduzindo que:


"... os serviços advocatícios não estão abrangidos pelo disposto no art. 3°, § 2°, do Código de Defesa do Consumidor, mesmo porque não se trata de atividade fornecida no mercado de consumo. As prerrogativas e obrigações impostas aos advogados - como, v. g., a necessidade de manter sua independência em qualquer circunstância e a vedação à captação de causas ou à utilização de agenciador (arts. 31, § 1°, e 34, III e IV, da Lei n° 8.906/94) - evidenciam natureza incompatível com a atividade de consumo...” (STJ, 4ª Turma, REsp 532377/RJ, Recurso Especial 2003/0083527-1, DJU 13/10/2003, p. 373.)


Da hipossuficiência como excludente de competência

Outra vertente, representante de poucas mentes, permanece a excluir da competência Laboral a atividade do advogado, arrimando-se em suposta falta de hipossufiência por parte deste profissional, em comparação com outros trabalhadores, verbi gratia, uma pessoa que faça faxinas sem vínculo de emprego (diarista).

Tal sorte de interpretação encontrou abrigo em decisão exarada por Exmo Juiz de primeira instância, no processo 03452-2007-034-12-00-0, da 4ª Vara do Trabalho de Florianópolis/SC, sob pendência de recurso:


“O texto constitucional, ao estabelecer a competência da Justiça do Trabalho não se referiu à prestação de serviço (o que englobaria as relações de consumo), mas às relações de trabalho, por certo objetivando que permanecesse sob a órbita da competência da Justiça especializada, as relações em que o trabalhador é hipossuficiente e dependente economicamente do tomador e não toda e qualquer prestação de serviços. É o caso, por exemplo, da diarista que, embora não detendo a condição de empregada, depende economicamente da pessoa para a qual trabalha. Sempre foi o caso do pequeno empreiteiro, que labora como operário ou artífice.”


Não é possível admitir esta teoria, pois seria incongruente com os preceitos da Carta Maior. Primeiro, porque tanto a profissão de advogado como a de diarista são exercidas com o objetivo de gerar a subsistência dos profissionais; então, dizer que advogado não depende economicamente do pagamento dos seus clientes é ter a visão romântica de que advogado é peça essencial da justiça e executa seu mister apenas para a preservação da Democracia, de forma absolutamente autruísta, doando seus serviços. Faltaria dizer de onde retiraria seu sustento.

Por outro lado, se a diferenciação estivesse em considerar que uma diarista é pessoa humilde, ou néscia, enquanto que os advogados são melhor preparados acadêmica ou intelectualmente, é fazer uma discriminação da primeira classe mencinada, para em seguida criar uma diferenciação entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos, como veda explicitamente o artigo 5º da Constituição Federal, no inc. XXXII.


Dúvidas não restam de que foi intenção das mudanças implementadas na Carta Maior, fazer da Justiça do Trabalho verdadeiramente uma justiça do trabalho e não só do emprego. Fica forte que a nova competência passou a albergar a relação do advogado e seu cliente.

Sobre o(a) autor(a)
Marco Aurélio Waterkemper Ozol
Advogado, OAB/SC 22.426, atuante em Florianópolis, nas áreas de direito trabalhista e do consumidor. Integrande do Escritório Ozol, Lima & Schmidt Advogados | www.ols.adv.br
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