Foucault - Vigiar e Punir

Foucault - Vigiar e Punir

Traz uma visão externa, psicológica, que mais tarde será utilizada como ensejo para um aprofundamento dentro da psicologia forense.

INTRODUÇÃO

Neste artigo apresentam-se exemplos de suplício e de utilização do tempo, onde países adversos não sancionam os mesmos crimes, não punem o mesmo gênero de delinqüentes, mas definem bem, cada um deles, um certo estilo penal.

De qualquer modo, o que vem a ser interessante nesse estudo é definitivamente o fato de que se aborda a importância do profissional da psicologia como auxiliar no efetivo desempenho da justiça, ou de quem a deva concretizar. De uma forma ou de outra, o psicólogo, que Foucault idealiza como “estudioso da alma humana”, desempenha um papel fundamental na avaliação e classificação dos indivíduos como elementos sociais distintos.


VIGIANDO, PUNINDO, REFLETINDO, AGINDO!

Fala-se muitas vezes da ideologia que as ciências humanas pressupõem, de maneira discreta ou declarada. Mas sua própria tecnologia, esse pequeno esquema operatório que tem tal difusão (da psiquiatria à pedagogia, do diagnóstico das doenças à mão de obra), esse processo tão familiar do exame, não põe em funcionamento, dentro de um só mecanismo, relações de poder que permitem obter e constituir saber?

Trata-se da época em que foi redistribuída, na Europa e nos Estados Unidos, toda a economia do castigo. Época de grandes “escândalos” para a justiça tradicional, dos inúmeros projetos de reformas; nova teoria da lei e do crime, nova justificação moral ou política do direito de punir; abolição das antigas ordenanças, supressão dos costumes; projeto ou redação de códigos “modernos”.

Toda essa preocupação com um contexto nascedouro da pena como castigo tem uma relação direta com a psicologia, uma vez que se trata de trabalhar com uma sanção inibidora do ser humano, onde as relações de causa e efeito se traduzem na técnica a ser utilizada para fazer uma ‘ponte’ entre o indivíduo e a sociedade, o criminoso e a justiça.

Com o decorrer do tempo, a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro, onde pagar com a mesma moeda era sinônimo de fazer justiça. Isso para não deixar bem claro que, muitas vezes matava-se a troco de nada. E aí entram vários questionamentos até mesmo morais, sobre os valores intrínsecos à sociedade da época.

O essencial é procurar corrigir, reeducar, “curar”; uma técnica de aperfeiçoamento recalca, na pena, a estrita expiação do mal, e liberta os magistrados do vil ofício de castigadores. Existe na justiça moderna e entre aqueles que a distribuem uma vergonha de punir, que nem sempre exclui o zelo; ele aumenta constantemente: sobre esta chaga pululam os psicólogos e o pequeno funcionário da ortopedia moral.

O corpo encontra-se aí em posição de instrumento ou de intermediário; se a justiça ainda tiver que manipular e tocar o corpo dos justiçáveis, tal se fará à distância, propriamente, segundo regras rígidas e visando um objetivo bem mais “elevado”.

À medida que evoluiu todo esse contexto do crime, foi necessário impor penas isentas de dor, onde exclui-se do castigo a encenação da dor. No entanto, permaneceu um fundo “supliciante” nos modernos mecanismos da justiça criminal – fundo que não está inteiramente sob controle, mas envolvido, cada vez mais amplamente, por uma penalidade incorpórea.

O aparato da justiça punitiva teve que ater-se a esta nova realidade. A verdade é que punir, atualmente não é apenas converter uma alma. Por isso a necessidade de se pensar no papel do psicólogo nesta realidade.

Em todo o ritual penal se permitiu a penetração de um campo de objetos que vêm duplicar, mas também dissociar os objetos juridicamente definidos e codificados. Introduzindo solenemente as infrações no campo dos objetos susceptíveis de um conhecimento científico, dar aos mecanismos da punição legal um poder justificável não mais simplesmente sobre as infrações, mas sobre os indivíduos; não mais sobre o que eles fizeram, mas sobre aquilo que eles são, serão, ou possam ser.

Todo um conjunto de julgamentos apreciativos, diagnósticos, prognósticos, normativos, concernentes ao indivíduo criminoso encontrou acolhida no sistema do juízo penal.

De acordo com o Código Francês de 1810, a possibilidade de invocar a loucura excluía a qualificação de um ato como crime, interrompia o processo e retirava o poder da justiça sobre o autor do ato.

E a prática usual nos tribunais, aplicada às vezes à prática correcional, da perícia psiquiátrica faz com que a sentença, ainda que formulada em termos de sanção legal, implique, mais ou menos obscuramente, em juízos de normalidade, atribuições de causalidade, apreciações de eventuais mudanças, previsões sobre o futuro dos delinqüentes.

Em vez de a loucura apagar o crime no sentido primitivo do artigo 64, qualquer crime agora e, em última análise, qualquer infração incluem como uma suspeita legítima, mas também como um direito que podem reivindicar, a hipótese da loucura ou em todo caso da anomalia.

E a sentença que condena ou absolve não é simplesmente um julgamento de culpa, uma decisão legal que sanciona; ela implica uma apreciação de normalidade e uma prescrição técnica para uma normalização possível.

Outro ponto que me faz refletir muito acerca do assunto é que não podem os psicólogos, permitir-se serem usados como ferramenta, instrumento, meio de soltura de indivíduos criminosos, que pretendem escusar-se da sua punição alegando insanidade. Foucault já afirmou em seu livro, que “pequenas justiças e juízes paralelos se multiplicaram em torno do julgamento principal: peritos psiquiátricos ou psicólogos”.

Quanto aos peritos psiquiatras, podem bem evitar de julgar. Basta examinar as três perguntas que eles têm que responder: o acusado apresenta alguma periculosidade? É acessível à sanção penal? É curável ou readaptável?

Cabe-lhe dizer se é melhor tentar reprimir ou tratar. Bem no começo de sua história, a perícia psiquiátrica tivera que formular proposições “verdadeiras” sobre a medida da participação da liberdade do infrator no ato que cometera; ela tem agora que sugerir uma receita sobre o que poderia chamar seu “tratamento médico-judicial”.

Mas uma coisa é singular na justiça criminal moderna: se ela se carrega de tantos elementos extrajurídicos, é para evitar que essa operação seja pura e simplesmente uma punição legal; é para escusar o juiz de ser pura e simplesmente aquele que castiga.

Seria talvez preciso renunciar a crer que o poder enlouquece e que em compensação a renúncia ao poder é uma das condições para que se possa tornar-se sábio. O homem de que nos falam e que nos convidam a liberar já é em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele. A alma, efeito e instrumento de uma anatomia política; a alma, prisão do corpo.

Nosso papel, como avaliadores da saúde psicológica do ser humano necessita ser de extrema responsabilidade. O que estava em jogo não era o quadro rude demais ou ascético demais, rudimentar demais ou aperfeiçoado demais da prisão, era sua materialidade na medida em que ele é instrumento e vetor de poder; era toda essa tecnologia do poder sobre o corpo, que a tecnologia da “alma” – a dos educadores, dos psicólogos e dos psiquiatras – não consegue mascarar nem compensar, pela boa razão de que não passa de um de seus instrumentos.

Ora, grande parte dessas penas não corporais era acompanhada a título acessório de penas que comportavam uma dimensão de suplício: exposição, roda, coleira de ferro, açoite, marcação com ferrete; E o suplício repousa na arte quantitativa do sofrimento. Mas não é só: esta produção é regulada. Há um código jurídico da dor; a pena, quando é supliciante, não se abate sobre o corpo ao acaso ou em bloco; ela é calculada de acordo com regras detalhadas. A justiça persegue o corpo além de qualquer sofrimento possível. No fim do século XVIII, a tortura foi denunciada como resto das barbáries de uma outra época: marca de uma selvageria denunciada como “gótica”.

Na realidade, o verdadeiro suplício tem por função fazer brilhar a verdade; e nisso ele continua, até sob os olhos do público, o trabalho do suplício do interrogatório. Mas o castigo é também uma maneira de buscar uma vingança pessoal e pública, pois na lei a força físico-política do soberano está de certo modo presente;

Ocorre que o suplício não restabelecia a justiça, ele reativava o poder e o povo se sentia mais próximo dos que sofriam a pena: em nenhuma outra ocasião ele se sentia mais ameaçado, como eles, por uma violência legal sem proporção nem medida. A solidariedade de toda uma camada da população com os que chamaríamos pequenos delinqüentes se manifestou com muita continuidade.

O homem do povo agora é simples demais para ser protagonista das verdades sutis. Nesse novo gênero, não há mais heróis populares nem grandes execuções: os criminosos são maus, mas inteligentes; e se há punição, não há sofrimento.

A humanidade das penas é a regra que se dá a um regime de punições que deve fixar limites a um e à outra. O criminoso rompeu o pacto, tornando-se, portanto inimigo da sociedade inteira, mas participando da punição que se exerce sobre ele.

O que se precisa moderar e calcular são os efeitos de retorno do castigo sobre a instância que pune e o poder que ela pretende exercer. Para ser útil, o castigo deve ter como objetivo as conseqüências do crime, entendidas como a série de desordens que este é capaz de abrir.

Para Foucault, a punição ideal seria transparente ao crime que sanciona; assim, para quem a contempla, ela será infalivelmente o sinal do crime que castiga; e para quem sonha com o crime, a simples idéia do delito despertará o sinal punitivo. O ideal seria que o condenado fosse considerado como uma espécie de propriedade rentável: um escravo posto a serviço de todos.

No antigo sistema, o corpo dos condenados se tornava coisa do rei, sobre a qual o soberano imprimia sua marca e deixava cair os efeitos de seu poder. Agora, ele será antes um bem social.

Já na segunda metade do século XVIII o soldado tornou-se algo que se fabrica foi “expulso o camponês” e lhe foi dada a “fisionomia de soldado”. Assim, era dócil um corpo que pudesse ser submetido, utilizado, transformado e aperfeiçoado.

O momento histórico das disciplinas é o momento em que nasce uma arte do corpo humano, que visa não unicamente o aumento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que no mesmo mecanismo o torna tanto mais obediente quanto é mais útil, e inversamente.

A disciplina fabrica assim corpos submissos e exercitados, corpos “dóceis”. A disciplina aumenta as forças do corpo e diminui essas mesmas forças. Se a exploração econômica separa a força e o produto do trabalho, digamos que a coerção disciplinar estabelece no corpo o elo coercitivo entre uma aptidão aumentada e uma dominação acentuada. Procede em primeiro lugar à distribuição dos indivíduos no espaço.

É porque, à medida que se concentram as forças de produção, o importante é tirar delas o máximo de vantagens e neutralizar seus inconvenientes (roubos, interrupção do trabalho, agitações e “cabalas”); de proteger os materiais e ferramentas e de dominar as forças de trabalho. Cada indivíduo no seu lugar; e em cada lugar um indivíduo. Procedimento, portanto, para conhecer, dominar e utilizar.

A disciplina individualiza os corpos por uma localização que não os implanta, mas os distribui e os faz circular numa rede de relações. O corpo, do qual se requer que seja dócil até em suas mínimas operações, opõe e mostra as condições de funcionamento próprias a um organismo. O poder disciplinar tem por correlato uma individualidade não só analítica e “celular”, mas também natural e “orgânica”.

O que realmente precisamos entender é que independentemente da época em que o criminoso viveu ou vive, sempre houve uma sanção, uma pena, isto é, um castigo. Isso porque é esse o resultado que a sociedade espera após um ato contrário ao suposto acordo social.

Diante do exposto, acredito que a principal preocupação do psicólogo, como partícipe desse processo é com a sua responsabilidade diante de questões tão complexas onde se vai auxiliar no “meio-campo” do cumprimento da justiça e, ainda assim, estará ao mesmo tempo, atuando num processo rigoroso de avaliação da vida de um ser humano. Afinal, o maior bem do indivíduo é a vida.

Finalmente, o exame está no centro dos processos que constituem o indivíduo como efeito e objeto de saber. É ele que, combinando vigilância hierárquica e sanção normalizadora, realiza as grandes funções disciplinares de repartição e classificação, de extração máxima das forças e do tempo, de acumulação genética contínua, de composição ótima das aptidões.

Portanto, de fabricação da individualidade celular, orgânica, genética e combinatória. Com ele se ritualizam aquelas disciplinas que se pode caracterizar com um palavra dizendo que são uma modalidade de poder para o qual a diferença individual é permanente.

É assim que Foucault traz uma grande reflexão ao mundo da psicologia, com a utilização do exame como realidade clínica capaz de estudar, avaliar, o indivíduo que comete um crime e que pode, acaso seja estudado, voltar a cometê-lo ou não. Fato que somente a disciplina fará com que seja realizado de modo a trazer benefício para o sistema penal atual.


CONCLUSÃO

Ao finalizar o estudo que aqui demonstro, pude analisar vários questionamentos existentes dentro de uma realidade amplamente polêmico. Muito se fala no sistema carcerário brasileiro, mas pouco se fala na utilização de psicólogos para finalizar o trabalho da justiça.

Para avaliar o progresso do preso, se houve progresso, enfim, para efetivar o resultado da punição.

A prisão fez sempre parte de um campo ativo onde abundaram os projetos, os remanejamentos, as experiências, os discursos teóricos, os testemunhos, os inquéritos. Ao se tornar punição legal, ela carregou a velha questão jurídico-política do direito de punir com todos os problemas, todas as agitações que surgiram em torno das tecnologias corretivas do indivíduo.

Concluo esta resenha, entendendo que, o profissional psicólogo deve ser muito mais valorizado e requisitado pelo sistema penal brasileiro do que está sendo atualmente.

Foucault afirma que o indivíduo deve ser estudado, e concordo com a idéia. Acredito firmemente que deveria haver um projeto onde se pudesse realmente finalizar o trabalho da justiça, que acaba ficando pela metade, aumentando índices de reincidência e criminalidade.

Se nós, futuros psicólogos, pudermos atuar de modo a estudar o preso - os resultados das punições impostas pelo sistema penal – nós teríamos uma realidade diferente, onde o avanço da justiça no nosso país andaria pautado pelo avanço da ciência do comportamento humano. A psicologia pode e deve ser o ápice da eficácia da punição no Brasil.

Sobre o(a) autor(a)
Letícia Padilha Ribeiro
Mestrado Profissional em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para a inovação - Universidade Federal do Tocantins (Em andamento). Especialista em Gestão de Pessoas. Pós-Graduanda em Gestão Pública e Docência do...
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