Impenhorabilidade do bem de família: exceção exclui fiador do rol de protegidos

Impenhorabilidade do bem de família: exceção exclui fiador do rol de protegidos

Exceção da impenhorabilidade do bem de família: fiador em contrato de locação é excluído.

Grande parte dos brasileiros não tem acesso ao sonho da “casa própria”. Em razão dessa realidade, a locação de imóveis é um fato social de enorme relevância em nosso país.

Sendo necessário um local (nem sempre adequado) para se morar e sem meios reais de se tornar proprietário de um imóvel, a solução mais viável apresenta-se no instituto da locação, já que os recursos requeridos para locar um imóvel são infinitamente inferiores aos necessários para adquirir uma moradia razoável.

Em razão de tamanha relevância de tal matéria, o tema “locação” (ou inquilinato) foi objeto de inúmeras e sucessivas leis editadas apartadamente da codificação civil1, uma vez que esta já não era mais eficiente para dirimir os conflitos decorrentes da disputa entre locadores e locatários.

Embora a relação que se estabelece para locar um imóvel seja a mais clássica do gênero negócio jurídico, qual seja a relação contratual (contrato ou relação social prevista por manifestação de vontade das partes visando à constituição de obrigações2), as regras e princípios da teoria contratualista da codificação civil apresentaram-se insuficientes para regulá-la, especialmente em face do conflito que envolvia a população hipossuficiente. Essa insuficiência foi oriunda do desequilíbrio de forças havido em conseqüência da escassez de oferta de imóveis e da enorme procura por um lugar onde morar.

Enquanto existente o desequilíbrio entre os contratantes, aquele que detiver uma parcela maior de poder, irá impor as condições do contrato, cabendo à parte mais fraca apenas aderir ao contrato oferecido (contrato de adesão) afetando e afrontando o princípio contratual da autonomia da vontade.

Ante isto, nasceram as legislações intervencionistas, que nas palavras de ORLANDO GOMES (2000: 83-4), seriam limitações à liberdade de condicionar contratos no propósito de impedir que a vontade de um dos contratantes se imponha ao outro. Através destas, o Estado passou a ditar grande parte das condições do contrato de locação, restringindo de forma profunda a liberdade contratual e até mesmo mitigando a autonomia da vontade.

Por meio dessas intervenções, o Direito à Moradia dos locatários vem sendo, há muito tempo, objeto de proteção estatal e tema de grande relevância. No mesmo sentido, mediante a edição da Lei da Impenhorabilidade do Bem de Família, Lei Federal nº. 8.009 de 29 de março de 1990, foi dado maior amplitude ao instituto do Bem de Família intensificando a proteção ao Direito à Moradia3, como exposto em seu artigo primeiro.4:

O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de divida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei

Ante o exposto, pode-se afirmar que a Lei do Inquilinato5 e a Lei nº. 8.009/90, constituem legislações que realizam e dão concretude6 ao direito fundamental à moradia.

Mesmo diante disso, há um ponto de encontro entre os dois sistemas citados que cria uma incoerência jurídica. Esse ponto de conflito consiste no fato do fiador, proprietário de Bem de Família, estar excluído do rol dos protegidos da lei da impenhorabilidade do Bem de Família7.

É, no mínimo, descabida a idéia de que o fiador possa ser privado de sua moradia, direito fundamental consagrado pelo princípio da Dignidade da Pessoa Humana (princípio este supremo a todos os outros existentes em nosso Ordenamento Jurídico), em razão do débito de outrem.

É incompreensível para a vítima e até para terceiros que aquela, possa ser penalizada de seu maior bem – o seu lar – quando sua única e sincera intenção era a de ajudar alguém a também obter um lar.

Há que se entender então, que deve-se analisar tal tema em face de um equilíbrio justo, porque o Direito é maior do que o conjunto das normas jurídicas, tanto em significado quanto em extensão, segundo JUAREZ FREITAS (1998: 19). Tal amplitude resulta da união da técnica, da reflexão sistemática, mas acima de tudo, do valor Justiça, sendo este indissociável da questão da justiça social, e assim baseando-se, deve-se entender como inconstitucional tal inciso que priva o fiador de seu bem de família.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: UNB, 1999.

BRASIL. Lei Federal n°. 8.009/90. Dispõe sobre a impenhorabilidade do Bem de Família. Brasília, DF, Senado, 1990.

BRASIL. Lei Federal nº. 8.245/91. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Brasília, DF, Senado, 1991.

FREITAS, Juarez. A Interpretação Sistemática do Direito. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1998.

MARMITT, Arnaldo. Bem de Família Legal e Convencional. Rio de Janeiro: Aide, 1995.



1 Silvio Rodrigues, em Direito Civil, vol. III, p. 206, nota 202, alude a que a primeira legislação de exceção em matéria de locação foi instalada, entre nós pela Lei nº. 4.403 de 22 de Dezembro de 1921.


2 SLAIBI FILHO, Nagib. Comentários à Nova Lei de Inquilinato, 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 6.


3 Para Arnaldo Marmitt, em Bem de Família Legal e Convencional, p. 15, a razão fundamental da lei que instituiu o Bem de Família legal é proteger o direito de propriedade dos que têm um só imóvel, do qual dependem para abrigar a família.


4 BRASIL. Lei Federal n° 8.009/90. Dispõe sobre a impenhorabilidade do Bem de Família. Brasília, DF, Senado, 1990.


5 BRASIL. Lei Federal nº. 8.245/91. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Brasília, DF, Senado, 1991.


6 BOBBIO, Norberto. Teoria do Ordenamento Jurídico. 10. ed. Brasília: UNB, 1999.


7 O artigo 3º da Lei Federal nº. 8.009/90, no qual estão previstas as exceções à impenhorabilidade do Bem de Família, foi alterado pelo artigo 82 da Lei Federal nº. 8.245/91, que he acrescentou o inciso VII onde dispõe: por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.

Sobre o(a) autor(a)
Juliano Dobler
Estudante de Direito
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