A proporcionalidade e o uso da força pelas polícias militares

A proporcionalidade e o uso da força pelas polícias militares

Versa sobre o exercício legítimo da força pelas polícias militares levando-se em consideração a adequação proporcional da coerção em relação ao seu destinatário consoante o espírito do Poder de Polícia.

“Não se abatem pardais disparando canhões”, assim bradou o jurista Jellinek após intensa discussão sobre o uso legal do poder de polícia no simpósio sobre Direito de Polícia em 1791 na França, ele bradou esta célebre frase antes de se retirar da mesa onde discursava sobre o fim do Estado de Polícia e o advento do Estado de Direito.

Talvez o nível de entendimento primário de uso legal e progressivo da força que o policial deve possuir seja o de Jellinek, visto que o atributo da coercibilidade para ser alcançado legalmente pelo policial deve ser analisado não somente pelo prisma da técnica policial, mas, por um vasto conteúdo reformulador do próprio conteúdo normativo do que seja meio coativo e uso proporcional da força. A coação policial por ser a mais nociva arma de freio e contra peso social deve abranger o uso da técnica correta e o que seja proporcional e legítimo para após dessa profunda análise ser imposta ao cidadão em conflito com a lei.

Em 1791, ainda por ocasião da realização da conferência sobre o direito de polícia, teria o administrativista Suarez, lançado a égide do princípio da proporcionalidade “O estado somente pode limitar com legitimidade a liberdade do indivíduo na medida em que isso for necessário à liberdade e à segurança de todos (Bonavides apud Costa, 2000, p .370)”.

Colocaremos de imediato nesse estudo que o pressuposto do uso da força é a proporcionalidade entre o fato ensejador e a resposta policial. E tomando como referência a frase de Suarez e o brado de Jellinek discorreremos sobre a proporcionalidade do recurso coercitivo por parte do policial, sem fazer menção à priori da técnica empregada no uso proporcional da força.

No Direito pátrio o princípio da proporcionalidade já vigora há bastante tempo como diretriz inorgânica (não fixada em lei). Há bem pouco tempo com o advento da lei Federal n° 9784/99 do Diário Oficial da União de 1/02/99 em seu art. 2°, adquiriu incontestável nascimento no Direito positivo nacional. Ainda que desde a Carta Política de 1946 existissem acórdãos referenciando a proporcionalidade, porém, somente com o raiar da referida lei que a proporcionalidade adquiriu status indubitável.

Mesmo fazendo parte do universo jurídico há décadas, somente com a lei 9784 a proporcionalidade teve sua eficácia comprovada, alcançando os atos da Administração Pública, inclusive na esfera do poder de polícia. Sabendo então que é na seara do poder de polícia que se encontra o maior campo da discricionariedade é que a proporcionalidade se disseminou com maior intensidade, até mesmo como elemento de moralização e legitimização do poder de polícia.

Sendo pacífico que a proporcionalidade dentre outros fins surgiu para conter os abusos do poder de polícia, e em especial, segundo os dizeres de Armando Costa, “Os descomedimentos de nossa polícia administrativa (2006, p.117)” assim gerou alguns efeitos fundamentais como: tornar mais democrático o princípio da legalidade, com leis proporcionais, fortalecendo as garantias individuais.

Para melhor esclarecermos como deverá agir o policial utilizando-se da proporcionalidade em seus atos, elementar se faz dividirmos a proporcionalidade em componentes que melhor nortearão o entendimento desta valiosa ferramenta. Assenta a proporcionalidade em três pilares básicos: adequação entre meio e fim, adoção de medida menos onerosa e relação custo-benefício.

Reflitamos no seguinte exemplo de Armando Costa, que molda perfeitamente o que seria a exigência da medida adequada, respeitando o critério de adequação entre meio e fim.

Se há determinação Estatal que se cesse o consumo de bebidas alcoólicas para evitar propagação de certa doença, tal restrição será abusiva ou excessiva caso que tal prática não cause a propagação da doença que se quer erradicar (2004, p.123).

Isto nos aponta que na atividade policial, não sendo potencial para atingir o interesse público a que se destina, o ato de polícia, como imposição limitadora de direitos, se apresenta destituído de proporcionalidade. Resumindo nas precisas palavras de Barros, “Um juízo de adequação da medida adotada para alcançar o fim proposto deve ser o primeiro a ser considerado na verificação da observância do princípio da proporcionalidade (2004, p.123)”.

Quando o policial imprime uma restrição ao particular, elementar que a restrição imposta exija que a medida restritiva, além de eficiente, deva ser também a menos onerosa para os membros da coletividade como um todo, perfazendo até mesmo o âmbito da técnica policial, pois permite que a que venha ser utilizada seja a menos gravosa de acordo com a situação. No mesmo sentido temos que se o fim colimado pelo ato pode ser alcançado com a imposição de medida restritiva menos gravosa ao cidadão, não há porque optar pela mais vexatória, e em alguns casos vilipendiosa, a menos que se pretenda burlar o princípio da proporcionalidade, viciando assim o ato de polícia.

Para encerrarmos essa análise volvemo-nos para a relação custo-benefício do ato de polícia, lembrando que o custo em questão tem a ver com o preço social do ato de polícia, com este tema volta-se a singular questão da imagem institucional da Polícia Militar, frente às exposições da mídia, lembrando-se sempre que à Polícia Militar detentora do monopólio da força deve bem sabe-la usar, sob pena ( preço) de ter-la por inoperante aos fins que se projetam.


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Sobre o(a) autor(a)
Gabriel Rodrigues Leal
bacharel em Segurança Pública pela Academia de Polícia Militar Costa Verde, Oficial da Polícia Militar de Mato Grosso.
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