A molécula de DNA, a testemunha que não mente
Analisa o impacto da "Prova do DNA" nos tribunais.
Através dos últimos cem anos, as impressões digitais serviram para relacionar criminosos e cenas de crime, auxiliando na resolução de muitos casos. Contudo, os recentes progressos da ciência têm trazido modificações ainda mais profundas nas relações sociais e, por conseqüência, no Direito. Exames periciais cada vez mais exatos e complexos têm solucionado muitos processos, outrora resolvidos pelos juízes que se baseavam em suposições, indícios e presunções. Neste contexto, de modo notável, verificou-se que a partir da década de 1980 as técnicas de biologia molecular passaram a ser empregadas para identificar indivíduos e investigar vínculo genético através das análises de DNA.
A genética forense é a área das ciências forenses que utiliza análises da molécula de DNA (ácido desoxirribonucléico) para apoiar e auxiliar a Justiça em casos sob investigação policial ou do Ministério Público. Trata-se de uma área de investigação científica que pode ser empregada, por exemplo, em análises de manchas de sangue encontradas nos locais dos crimes, de sêmen deixado nas vítimas ou nos locais de crimes de natureza sexual, de pêlos ou cabelos suspeitos de pertencerem a criminosos e ainda na pesquisa de vínculo genético e identificação genética individual (identificação de um corpo ou de fragmentos de um corpo).
Ao sair dos laboratórios e circular pelos jornais, programas de auditório, filmes e séries de TV, salas de aula, cortes e os lares brasileiros, as análises forense de DNA impactuam a sociedade de uma forma sem precedentes nas ciências investigativas. A sua imagem "poderosa" confere caráter de legitimidade, cientificidade e inovação que afeta a percepção mental de magistrados e populares que não possuem sólida formação científica. Uma prova disto é o “Efeito CSI”, relatado em recente artigo da Revista Scientific American Brasil (Houck e colaboradores, 2006), no qual relata-se que jurados norte-americanos estão se deixando influenciar por episódios de séries televisivas sobre ciências forenses como o CSI – Investigação Criminal em corrente exibição no Brasil.
As técnicas para obtenção do perfil genético de uma pessoa (“DNA fingerprinting” ou genotipagem) foram desenvolvidas a partir dos estudos do britânico Alec Jeffreys, na década de 1980 e até a ampla aceitação que possuem hoje em vários países passaram por uma fase de discussões a cerca de sua utilização judicial. Este período ficou conhecido como “DNA controversy era” (Allen et al., 1995). Tantos debates serviram para o estabelecimento de rigorosos padrões e avanços científicos neste setor.
As evidências baseadas genotipagens requerem interpretação por parte do perito, o que abre margem para erros ou exageros interpretativos. Embora as técnicas tenham se tornado sofisticadas e acuradas, há ainda alguns itens que devem ser debatidos. Em geral, ao se contestar uma análise de DNA os pontos discutidos incluem a possibilidade de contaminação das amostras, a qualificação do pessoal envolvido nos exames e a interpretação estatística dos resultados (Smarra et al., 2006).
Inobstante ainda se encontrarem questionamentos nas disputas judiciais e no critério de valoração das “provas de DNA”, discussões acerca do emprego irrefutável ou não deste sistema, deve-se ter em mente que a descoberta de novas técnicas científicas deve propiciar aos operadores do Direito elementos objetivos na busca da verdade. O desenvolvimento da genética humana não deve causar receio, deve sim, ser conhecido e admitido para o efeito de se determinar, em sede jurisdicional, a realização das provas biológicas já que a molécula de DNA, enquanto testemunha molecular dos fatos, não mente. É imprescindível abrir espaço para o valor probatório do exame pericial do DNA. Todavia, isto não deve excluir a cautela do juiz na apreciação de questões tão delicadas e importantes como o vínculo de filiação e a condenação de uma pessoa.
Referências Bibliográficas
ALLEN R, BALDING D, DONNELLY P, FRIEDMAN, R, KAYE D, LARUE L, PARK R, ROBERTSON B, STEIN A. 1995. Probability and proof in State v Skipper: an internet exchange. Jurimetrics J 35: 277-310.
HOUCK M, SMARRA ALS, PARADELA ER, FIGUEIREDO ALS. 2006. A Realidade do CSI. Scientific American Brasil. 51:79-84.
SMARRA ALS, FIGUEIREDO ALS, PARADELA ER. 2006. A Confiabilidade dos Testes de DNA. Revista Consultor Jurídico (13/6/2006). Disponível em http://conjur.estadao.com.br/static/text/45325,1. ISSN 1809-2829.