Invalidação e convalidação da licitação pela Administração Pública

Invalidação e convalidação da licitação pela Administração Pública

Analisa as hipóteses de invalidação e convalidação da licitação, pela Administração Pública, frente aos princípios da segurança jurídica e boa fé dos administrados.

CONSIDERAÇÕES INTRODUTÓRIAS

Embora o normal seja a homologação da licitação, essa nem sempre acontece. A licitação, assim, nem sempre chega a bom termo. Muitas vezes, esse procedimento que tem por objetivo selecionar a melhor proposta para um negócio desejado pela Administração Pública, não chega ao final face a ocorrência, em seu bojo, e.g, de ilegalidade insanável.

Nesse sentido, antes de celebrar um contrato com o proponente selecionado, a Administração faz uma revisão de todos os atos praticados durante o procedimento selecionador, inclusive seu ato final, por meio de um ato de controle lastreado no poder de autotutela administrativa. [1]

O Poder Público, em virtude do princípio da autotutela, “deve zelar pela legalidade de seus atos e condutas e pela adequação dos mesmos ao interesse público.” [2] Se a Administração verificar que atos e medidas contém ilegalidades, poderá anulá-los por si própria; se concluir no sentido da inoportunidade ou inconveniência, poderá revogá-los. [3]

A propósito, cumpre citar a súmula 473 do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte teor:

A Administração pode anular os seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos, ou revogá-los por motivos de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos e ressalvada em todos os casos de apreciação judicial.

Especificamente quanto à licitação pública, diz o artigo 49 da Lei de Licitações e contratos, que a autoridade competente para aprovação do procedimento somente poderá revogar a licitação por razões de interesse público decorrente de fato superveniente devidamente comprovado, pertinente e suficiente para justificar tal conduta, devendo anulá-la por ilegalidade, de ofício, ou por provocação de terceiros, mediante parecer escrito e devidamente fundamentado.

A partir destas considerações legais, nota-se que, a licitação, como procedimento formal, é passível de anulação e revogação [4]. Este último instituto, tem lugar quando uma autoridade, no exercício de competência administrativa, conclui que um dado ato ou relação jurídica não atendem ao interesse público e por isso resolve eliminá-los a fim de prover de maneira mais satisfatória às conveniências administrativas.

No tocante a convalidação, percebemos que a lei não estabelece qualquer disciplina sobre este instituto, porém, tem-se admitido a convalidação de certos atos inerentes ao procedimento licitatório com base nas construções doutrinárias existentes acerca do assunto.

Marçal Justen Filho desenvolveu uma teoria específica para as nulidades nos procedimentos licitatórios, distinguindo os vícios conforme a gravidade das sanções. Segundo o autor, existem três modalidades de sanções para vícios de atos ocorridos no curso da licitação. [5]

Em uma ordem decrescente de gravidade da sanção, pode-se aludir primeiramente à mera irregularidade, a qual é verificada quando a ofensa ao dispositivo normativo é inapta a acarretar lesão ao interesse público ou particular. Assim, serve como exemplo, a ausência de número de ordem do edital no seu preâmbulo. Ora, trata-se de uma simples irregularidade, pois não produz reflexos sobre a validade da licitação. Então, não faz sentido falarmos em convalidação e muito menos em invalidação do ato licitatório. Nesse sentido, se faz necessário uma avaliação dos vícios dos atos administrativos, subordinada ao princípio da razoabilidade. Deve-se ter em vista os valores relacionados ao caso concreto e a solução mais conforme aos princípios jurídicos aplicáveis.

Em segunda ordem, encontra-se a anulabilidade. Ela ocorrerá quando houver ofensa a regra de tutela do interesse privado dos participantes na licitação. Sabe-se que o procedimento licitatório acarreta uma competição entre os particulares, assim, deve-se admitir a existência de interesses, também, mas exclusivamente privados. O particular não visa realizar um interesse público, ele objetiva, simplesmente, ser o vencedor da licitação.

Em terceiro plano, há a nulidade propriamente dita. Caracteriza-se quando é configurada ofensa à regra que tutela o interesse público. Nesse sentido, a invalidação deriva diretamente dos princípios da legalidade e da indisponibilidade do interesse público.


DA INVALIDAÇÃO DA LICITAÇÃO

Visto que a invalidação está prevista no artigo 49 da Lei de Licitações, cumpre agora analisarmos quando e como isto se dá no bojo do procedimento licitatório.

O fundamento principiológico da invalidação da licitação encontra-se nos princípios da legalidade e da autotutela. A Administração Pública não convive com atos e procedimentos ilegais e por esta razão deve restaurar a legalidade e isso é, muitas vezes, conseguido com a anulação do ato viciado. Destarte, se no momento da homologação do certame licitatório, restar evidenciada certa ilegalidade praticada ao longo desse procedimento, no lugar de homologar, a autoridade competente deve anular a licitação, se o ato viciado for insanável. [6]

No entanto, nem sempre é na homologação que os vícios são constatados. A Administração Pública pode evidenciar certa ilegalidade até mesmo durante a execução do contrato. Sendo assim, o Poder Público, diante a impossibilidade de convalidação, deverá invalidar o ato, ou fase viciada da licitação e, conseqüentemente, rescindir o contrato, sem prejuízo da indenização do contratado.

Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça:

ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. LICITAÇÃO. CONTRATO ADMINISTRATIVO. ANULAÇÃO. POSSIBILIDADE.

A possibilidade de anulação do procedimento licitatório após celebrado o contrato administrativo não suscita maiores dúvidas, porquanto a própria Lei 8.666/93 dispõe que a nulidade do procedimento licitatório induz à do contrato dele decorrente.

(REsp 447814 / SP ; RECURSO ESPECIAL 2002/0086977-7 T1 - PRIMEIRA TURMA 17/12/2002 DJ 10.03.2003 p. 112)


Assim, constatado o vício, em qualquer fase do certame, a autoridade competente deve promover a invalidação do ato viciado ou de seus efeitos, desde que não seja possível a sua convalidação.

A esse respeito, afirma Adilson Abreu Dallari:

A invalidação se propõe como obrigatória, porque, se o ato não comporta convalidação, inexiste outra forma de a Administração Pública restaurar a legalidade violada. Ora, a restauração do direito é para ela obrigatória por força do princípio da legalidade. Logo, toda vez que o ato não seja convalidável, só lhe resta o dever de invalidar. [7]

É importante destacar que o ato viciado contamina os subseqüentes, não os antecedentes. Assim, pode-se concluir que, se os atos praticados anteriormente ao ato viciado estiverem em conformidade com o ordenamento, eles poderão continuar surtindo seus efeitos. Diante desta situação, deverá ser promovida a anulação parcial do certame, ou seja, somente o ato viciado e os subseqüentes serão retirados do mundo jurídico, permanecendo os antecedentes. Portanto, após o término do procedimento de invalidação, a Administração poderá retomar o certame a partir do ato que deu ensejo ao desfazimento de parte da licitação. [8]

Não à toa, Adilson Abreu Dallari assevera que “se a Administração encontrar um vício jurídico na classificação das propostas, poderá anular o procedimento daí por diante, aproveitando as fases anteriores e determinando que as fases anuladas sejam refeitas.” [9]

Marçal Justen Filho, com muita propriedade, leciona:

O vício de um ato contamina os que a ele sucedem, desde que por ele sejam condicionados (...) Quanto mais antecedente (no curso da licitação) seja o ato viciado, tanto mais extensa será a série de atos contaminados pelo vício. A nulidade do edital acarreta a necessidade de seu refazimento. Logo, todos os atos posteriores perderão seu fundamento de validade. Mas a nulidade da decisão que julga as propostas não acarreta vício do edital nem da decisão que decide a fase da habilitação. Eventualmente, porém, o vício de um ato no curso da licitação poderá prejudicar inexoravelmente a própria licitação. Muito embora os atos anteriores fossem válidos, tornar-se-á necessário renovar sua prática. Esse efeito não deriva propriamente do vício do ato, mas da conjugação dos efeitos do vício aos princípios norteadores da licitação. A declaração da nulidade do julgamento da habilitação pode, eventualmente, acarretar a necessidade de reiniciar a licitação. Isso ocorrerá quando já tenham sido abertos os envelopes de propostas. O princípio do sigilo exige, nas concorrências, que somente sejam abertos os envelopes dos licitantes habilitados. A renovação do julgamento da habilitação não pode se fazer com o conhecimento público do conteúdo das propostas. Como o sigilo, uma vez rompido, não pode ser refeito, a única solução será reiniciar a licitação. [10]

Percebe-se então, que há vícios que ensejam a invalidação total ou parcial do certame. Também pode-se invalidar apenas um ato vicioso, que não tenha interferido no procedimento licitatório. É o caso de um vício constatado no edital antes de a Administração ter dado publicidade a ele. Nesse caso, se invalidará apenas o ato e não toda uma fase da licitação, porque competirá a Administração, retificar o instrumento convocatório e a partir daí retomar o andamento normal da licitação.

Por fim, é relevante fazermos uma breve análise a respeito dos efeitos da invalidação na licitação. O efeito próprio da anulação é desfazer retroativamente o procedimento licitatório, restaurando a legalidade desde o momento em que ela foi violada. “É torná-lo imprestável para os fins a que esteja preordenado, destinado, ou seja, a seleção da melhor proposta, face ao vício de ilegalidade que encerra.” [11]

Além desses efeitos, existem os impróprios, que são inúmeros. É certo que a invalidação do certame libera o vencedor de todas as obrigações decorrentes de sua integração no procedimento, embora não o libere de certas responsabilidades, como a civil e a criminal, se deu causa para a ocorrência da ilegalidade e, por conseguinte, à anulação do certame. Também não libera, sob o ângulo dessas responsabilidades, qualquer integrante do procedimento que tenha dado causa a ilegalidade. Há que se dizer ainda, que a invalidação não desobriga a Administração Pública, em tese, a indenizar os prejudicados em razão dessa medida de extinção do certame. A invalidação também não impede a renovação do procedimento, pois a Administração Pública, em princípio, ainda deseja o objeto licitado. Tratam-se, pois, dos efeitos impróprios da invalidação da licitação. [12]

Para prevalecer a invalidação da licitação, a autoridade competente deve demonstrar cabalmente a ilegalidade, isto é, o motivo, conforme têm entendido os nossos tribunais, e que ela é insanável. A falta de motivação pode levar a nulidade ao ato de anulação.

Visto que a invalidação visa restaurar a legalidade do procedimento licitatório, não há que se pensar que este instituto visa impedir a contratação. Assim, anulado o certame licitatório, via de regra se inicia um novo procedimento sem o cometimento da mesma ilegalidade, ou se reinicia o procedimento a partir do ato refeito, aproveitando-se, se possível, os atos e fases não contaminados pelo vício.

Em casos excepcionais, de urgência, inclusive, e não mais sendo possível instalar novel licitação, à Administração Pública competirá formar o contrato com quem entender necessário, ex vi do artigo 24, inciso IV da Lei n 8.666/93. [13]


DA CONVALIDAÇÃO DA LICITAÇÃO

Nem sempre o interesse público é atendido com a invalidação de certo ato ou fase integrante do procedimento da licitação. Às vezes é mais consentâneo com o interesse público que o ato ou o procedimento sejam aproveitados, resguardando-se, assim, os efeitos já produzidos, desde que princípios jurídicos maiores não sejam ofendidos. Este aproveitamento se faz através da convalidação.

Trata-se de instituto não previsto na Lei de Licitações e Contratos, porém, muito utilizado pela Administração Pública, tendo em vista o princípio da legalidade, o qual é um dos fundamentos da convalidação, pois é dever da Administração restaurar a legalidade violada, convalidando, se for possível, ou invalidando, o ato portador de vício. No entanto, a Administração deve, sempre que for possível, se utilizar deste instituto, prestigiando o princípio da segurança jurídica e o da boa-fé, bem como o interesse público.

Para que se possa, validamente, convalidar atos de determinado processo administrativo, como é a licitação, é imprescindível, nas lições de Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari [14] que: a) não tenha havido impugnação do ato pelo interessado atingido; b) o interesse público não tenha sido lesado; c) os interesses ou direitos de terceiros não tenham sido atingidos; d) do ato viciado não tenham decorridos direitos a terceiros de boa-fé estranhos a relação processual; e) não se trate de ato inexistente. [15]

Portanto, a autoridade competente para decidir sobre a convalidação de certo ato ou fase da licitação deve levar em conta todos estes requisitos para motivar o ato convalidador. A falta de algum destes, qualquer que seja, impede a convalidação, fazendo com que a recomposição da legalidade ocorra através da invalidação, pois, como dito anteriormente, só se invalida um ato se este não comportar a convalidação.

Vejamos, para bem compreender, o seguinte exemplo: ao receber o processo licitatório para fins de homologação, a autoridade competente constata que a comissão de licitação não consignara na ata de julgamento a classificação das propostas em ordem crescente de seus valores, conforme determina o § 3 do artigo 45 da Lei de Licitações, mesmo assim adjudicara o objeto licitado ao vencedor. Não houve qualquer impugnação exigindo a classificação, nem recurso contra a ilegal adjudicação. Inexistiu qualquer lesão ao interesse público, pois o adjudicatário era o autor da melhor proposta. Nenhum interesse ou direito de estranhos ao procedimento foi alcançado com a irregular adjudicação. Do ato viciado não decorreu qualquer direito em favor de terceiros de boa-fé, estranhos à licitação. Não se trata de ato inexistente. Presentes os requisitos da convalidação, deve a autoridade competente devolver o processo, mediante despacho justificado, à comissão de licitação para que proceda a classificação, pois sem ela não se pode saber se o adjudicatário é efetivamente o vencedor, e convalide (ratifique) a adjudicação, viabilizando, por conseguinte, a licitação, para que se for o caso seja homologada.

Weida Zancaner, como adrede referido, apresenta uma teoria geral para a convalidação dos atos administrativos. A autora afirma que somente são convalidáveis os atos em que se verifiquem vícios de competência, formalidade e procedimento (quando ausente ato da Administração, cuja ausência não desvirtue a finalidade do procedimento e, também, quando ausente ato do particular, se este o praticar com a manifesta intenção de conferir-lhe efeitos retroativos). [16]

A autora ainda cita um exemplo de vício de procedimento de uma determinada licitação: realizada uma concorrência, o procedimento foi homologado, mas o objeto não foi adjudicado. Na opinião dela, com a qual concordamos, esse vício pode ser convalidado, haja vista que a ausência do ato de adjudicação não desvirtua a finalidade do próprio procedimento. [17]

Imagine-se que existe lei estadual apontando como autoridade competente para autorizar a abertura de prazo previsto no artigo 48, § 3º [18] da Lei de Licitações, o servidor responsável pelo setor de licitações e contratos. Contudo, numa licitação realizada pelo Estado, em que todas as propostas foram desclassificadas, ao invés dos autos serem remetidos ao chefe do setor para a tomada da decisão, a própria Comissão de Licitação autorizou a abertura de novo prazo. Esse vício de competência poderá ser sanado através da ratificação do ato pela autoridade competente, o chefe do setor de licitações e contratos.

Outro exemplo de ato viciado passível de convalidação seria o seguinte: após realizada a fase de julgamento das propostas, na qual não estavam todos os licitantes presentes, a Administração, ao invés de publicar o ato na imprensa oficial ( artigo 109, § 1º da Lei n 8.666/93), conferiu publicidade à decisão através do encaminhamento de fax aos licitantes. Esse vício pode ser encarado como de formalidade, haja vista que não foi cumprida a forma específica eleita pela lei para sua publicidade, mas foi atendida a finalidade precípua do dispositivo legal, qual seja, dar conhecimento da decisão aos licitantes. Tendo em vista que, mesmo que de maneira diversa, os licitantes tiveram conhecimento do teor da decisão de julgamento e que o prazo de recurso se iniciou a partir da intimação deles através desse meio, esse vício poderá ser considerado sanado após a preclusão da fase de julgamento das propostas (que ocorrerá após a decisão dos recursos), uma vez que, nessa situação, nem mais seria útil conferir publicidade ao ato através da imprensa oficial posteriormente.

Na opinião de Marçal Justen Filho, a convalidação poderá ocorrer quando o vício atingir tão somente direito privado de determinado licitante, se o interessado sobre ele não se pronunciar, ocorrendo uma espécie de preclusão administrativa. Sobre isso, o autor cita o seguinte exemplo: realizada a sessão de habilitação, na qual todos os licitantes foram habilitados, mas um deles não estava presente, a Comissão dá prosseguimento ao certame na mesma sessão, promovendo a imediata abertura das propostas. Se esse vício não for argüido pelo interessado, o simples decurso do tempo o convalidará. [19]

Assim, percebe-se que a convalidação, que tem a finalidade de recompor a ilegalidade de outro ato, nem sempre é indispensável, pois a prescrição do dever de anular pode produzir o mesmo efeito. Com o novo ato ou por força da prescrição, restaura-se a legalidade do ato inválido integrante do procedimento licitatório. A convalidação só pode ser exercida enquanto não estiver prescrito o direito de anular o ato viciado passível dessa medida. Após, a convalidação ocorre pela prescrição


CONCLUSÃO

A Administração Pública, fundada no princípio da autotutela e da legalidade, exerce um controle sobre os seus atos, devendo, quando eivados de vícios, convalidá-los, e, em não sendo esta possível, invalidá-los.

Na esfera licitacional, este controle torna-se imprescindível, tendo em vista a importância do procedimento para a formação dos contratos administrativos. Assim, a licitação que não se desenvolve em estrita consonância com a legalidade, pode ferir, não só o interesse público como também o dos particulares envolvidos, desrespeitando, assim, princípios normativos, como o da segurança jurídica e o da boa-fé dos administrados.

No atinente ao princípio da segurança jurídica, a Administração Pública deve zelar pela estabilidade e pela ordem nas relações jurídicas como condição para que se cumpram as finalidades superiores do ordenamento. A estabilidade fará, que em certos casos, a Administração tenha o dever de convalidar atos irregulares na origem. É que, sem estabilidade, a justiça não se afirma, carecendo do alicerce da ação estatal, que há de ser a inspiradora dos laços de coesão, permanência e de respeitabilidade mútua. Por isso a ligação deste princípio com o da boa-fé.

É nesse sentido que a invalidação, a convalidação são institutos indispensáveis para que seja restaurada a licitação viciada.

Contudo, no bojo do procedimento licitatório, podem ocorrer vícios que não produzem reflexos sobre a sua validade. Tratam-se das meras irregularidades. Neste caso, não é necessário se utilizar da convalidação e nem da invalidação, pois a ofensa ao dispositivo normativo é inapta a acarretar lesão ao interesse público ou ao particular. Assim, o próprio decurso do tempo restaura a legalidade violada. Portanto, se faz necessária uma avaliação dos vícios dos atos administrativos, tendo em vista os valores relacionados ao caso concreto e a solução mais conforme aos princípios jurídicos aplicáveis.

Percebe-se então, que a invalidação e a convalidação encontram limites para o seu exercício.

Para que se possa, validamente, convalidar algum ato integrante da licitação, é necessário que não tenha havido impugnação do ato pelo interessado atingido, que o interesse público não tenha sido lesado, que os interesses ou direitos de terceiros não tenham sido atingidos, que do ato viciado não tenham decorridos direitos a terceiros de boa-fé estranhos ao procedimento licitatório, e que não se trate de ato inexistente.

Portanto, faltando algum desses requisitos, a Administração deverá recompor a legalidade, através da invalidação, restaurando-a desde o momento em que foi violada. Assim, se os atos praticados anteriormente ao ato viciado estiverem em conformidade com o ordenamento jurídico, poderão continuar surtindo efeito. Daí decorre a idéia de anulação parcial do certame, ou seja, somente o ato viciado e os subsequentes serão retirados do mundo jurídico, permanecendo os antecedentes e se reiniciando um novo procedimento a partir do ato refeito, aproveitando-se os atos e fases não contaminados pelo vício.

Conclui-se então, que, encontrado um vício em algum ato do procedimento licitatório, deve-se convalidá-lo. Caso esta hipótese se verifique impossível, deve-se invalidar o ato maculado de legalidade, e se for necessário, invalidar a fase ou até mesmo toda a licitação. Contudo, antes mesmo da Administração Pública tomar alguma dessas duas atitudes, ela deve atentar as características de cada caso concreto relacionando-as ao princípio da segurança jurídica e da boa-fé dos administrados, de modo a verificar qual a atitude mais correta para o interesse público, se é a convalidação, a invalidação, ou o simples decurso do tempo.

Referências

[1] DALLARI, Adilson Abreu. op. cit. p. 167.

[2] BERTONCINI, Mateus Eduardo Siqueira Nunes. Princípios de Direito Administrativo Brasileiro. São Paulo: Malheiros. 2002. Op. cit. p. 238.

[3] MEDAUAR, Odete. op. cit. p. 152.

[4] Iremos nos abster tão somente aos institutos da invalidação e convalidação, não sendo relevante para o nosso trabalho um estudo mais profundo da revogação.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit. p. 483.

[6] GASPARINI, Diógenes. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite, 08/2004. Op. cit. p. 716.

[7] DALLARI, Adilson Abreu. op. cit. p. 181.

[8] GASPARINI, Diógenes. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite, 08/2004. Op. cit. p. 52.

[9] DALLARI, Adilson Abreu. op. cit. 184.

[10] JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit. p. 418.

[11] GASPARINI, Diógenes. Informativo de Licitações e Contratos. Curitiba: Zênite, 08/2004. Op. cit. p. 719.

[12] Ibid. op. cit. p. 719.

[13] Artigo 24, IV: “É dispensável a licitação: nos casos de emergência ou de calamidade pública, quando caracterizada urgência de atendimento de situação que possa ocasionar prejuízo ou comprometer a segurança de pessoas, obras, serviços, equipamentos e outros bens, públicos ou particulares, e somente para os bens necessários ao atendimento da situação emergencial ou calamitosa e para as parcelas de obras e serviços que possam ser concluídas no prazo máximo de 180 dias consecutivos e ininterruptos, contados da ocorrência da emergência ou calamidade, vedada a prorrogação dos respectivos contratos;

[14] FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Op. cit. p. 200.

[15] Ato inexistente, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, “é o ato que assiste no campo do impossível jurídico (...), são imprescritíveis e jamais podem ser convalidados.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. op. cit. p. 425.

[16] ZANCANER, Weida. Op. cit. p. 65.

[17] Ibid. p. 71.

[18] Trata-se de prazo destinado à apresentação de nova documentação ou de nova proposta quando ocorrer a inabilitação de todos os licitantes ou desclassificação de todas as propostas.

[19] JUSTEN FILHO, Marçal. op. cit. p. 488.

Sobre o(a) autor(a)
Nathália Kowalski Fontana
Bacharel em Direito
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