A onda de ataques em São Paulo, papel da criminologia, copa do mundo e teoria da logística empresarial

A onda de ataques em São Paulo, papel da criminologia, copa do mundo e teoria da logística empresarial

Discute um novo rumo para a Segurança Pública no país após as ondas de ataques.

Maio Negro em São Paulo [1]. A chocante onda de ataques terroristas [2] no Estado de São Paulo ressuscita a velha discussão sobre o modelo de segurança pública nacional. Em meio à pressão midiática, as forças políticas se desprendem da briga por emendas orçamentárias e fazem coro na exigência de maior intervenção do Estado para que seja possível corrigir ou minorar os graves problemas de segurança que afligem o País.

Qual caminho tomar ? A cada corpo que tomba uma voz diferente se levanta.

Em momentos como este ganha relevo o estudo da criminologia. Como matéria de ensino interdisciplinar que é, cabe a ela convergir conhecimentos de várias áreas da ciência no intuito de melhor compreender o fenômeno do crime como fato natural, e conhecer bem a figura do delinquente [3].

As idéias/teorias de criminologia oscilaram bastante no passar dos tempos [4]. Foi-se do atavismo de Lombroso à mais crítica das teorias de criminologia crítica, o abolicionismo geral. Há, nessas idéias, profunda reflexão sobre o fenômeno criminal. O homem criminoso e o fato crime são exauridos. Procura-se entender o que leva uma pessoa a cometer infrações penais e como deve-se lidar com esse infrator [5].

O uso dos conhecimentos da criminologia é um dos importantes passos a se trilhar, quando se quer entender e aperfeiçoar o modelo de Segurança Pública criado para combater o fenômeno criminal. A política criminal deve ir beber na sua fonte. Lá estão os princípios a se seguir, conhecimentos que um profissional da área não pode se descuidar.

Frise-se, o combate ao crime deve acontecer partindo-se de premissas construídas no ambiente científico, e não no calor do pavor social. E é na criminologia que se buscarão tais conhecimentos já testados. Esse, o primeiro passo a se dar.

Noutro giro, sabe-se que, mesmo a utilização desses conhecimentos não resolve por si só o problema estrutural de segurança pública. Não obstante o esforço científico, pouco pôde ainda a ciência ajudar na redução das estatísticas de criminalidade.

É necessário ter-se em mente que o embasamento teórico, a escolha por uma diretriz, é essencial, mas tão só não resolverá o problema da Segurança Pública. Este é, também, gerencial.

O problema que aflige a segurança é o mesmo que aflige a máquina pública como um todo. A morosidade, a ineficiência, a burocracia dos órgãos estatais corroem qualquer chance de eficiência nos serviços prestados. De nada adianta profundo conhecimento teórico, boas idéias, se não há gestão pública eficiente, se a logística não ajuda a implementar as boas idéias.

O melhor dos criminólogos, colocado em meio a essa realidade, sem capacidade gerencial, ou estrutura para implementá-la, estará condenado a, como no filme de Holywood [6], ser um náufrago em uma ilha perdida qualquer. Suas idéias estarão sempre ao seu lado, como a bola Wilson, mas ninguém as perceberá. Estarão isoladas e cercadas de todos os lados por uma barreira intransponível, no caso, não o mar, mas a ineficiência.

Assim, gerenciamento empresarial, logística, são palavras que surgem naturalmente ao se abordar o assunto. Pode até parecer óbvio, mas há horas em que o óbvio precisa ser dito, para que se o enfrente de vez.

As amarras do tradicionalismo arraigado no serviço público, em especial na de Segurança Pública, precisam ceder lugar às mais modernas teorias existentes sobre o assunto logística/gerenciamento. A visão obsoleta e míope que há anos conduz as polícias precisa abrir seu foco, importar para si os pensamentos que se tem sobre logística e gerenciamento empresarial, idéias muito desenvolvidas no estudo de Comércio Exterior [7].

No passar dos últimos anos, viu-se no mundo uma completa revolução de conceitos gerenciais e empresariais. A globalização em ritmo frenético forçou as empresas a se adaptassem à nova realidade, criando um aparato logístico para suportarem e sobreviverem com as crescentes exigências do mercado. Como bem sustentou Nathalya CARVALHO [8]:

“ Nas atividades de exportação e importação de produtos para e de outros países, na criação ou compra de empresas no exterior, na transferência de recursos financeiros de um país para outro, viagens, contatos com diversas culturas, costumes ou até mesmo na execução de trabalhos em outros países, nota-se um oculto processo logístico nessas ações, características de um homem econômico numa época globalizante. Este processo passa a ser mais visível e perceptível há algumas décadas, através da prosperidade de acordos econômicos, tanto globais quanto regionais, multilaterais ou bilaterais, blocos econômicos comerciais, acordos entre estes blocos em suas mais diversas formas que dão formato ao mundo globalizado. “

Essa nova realidade vem sendo muito explorada na área de Comércio Exterior e a máquina pública precisa mergulhar, também, nessa nova era. O gestor da área de Segurança Pública precisa estar atento a essas idéias. Os frutos aqui desenvolvidos precisam ser estudados, compreendidos e adaptados à nossa realidade.

Se em primeira reflexão parece-nos complicado falar em logística empresarial para órgãos públicos, a história encarrega-se de nos mostrar o contrário.

É que a própria palavra logística surgiu no exército Francês comandado por Napoleão Bonaparte [9]. Portanto, em atividade plenamente estatal, inclusive semelhante, em muito, à atividade de Segurança Pública. Naquela oportunidade, logística foi conceituada como “a arte prática de movimentar exércitos”. O conceito, então, evoluiu e, durante a IIª Guerra Mundial, em meio às operações militares realizadas, veio a atingir os contornos que tem hoje, chegando a ser conceituado como “o conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão de todos os meios necessários à realização das ações impostas pela estratégia nacional” [10]. De lá para cá os tempos se passaram e a dinâmica e versátil economia privada buscou para si essas idéias tão inteligentes, e que hoje, no mercado, geram muito lucro. Infelizmente, parece que a máquina pública, corroída talvez pela ganância de alguns corruptos, deixou morrer nos campos de guerra tamanho tesouro.

Assim, vê-se que algo tão inovador, como a logística empresarial, surgiu na cabeça de alguns gestores públicos. Surgiu na cabeça de gestores de Segurança Pública. Está mais do que na hora de retomarmos essas idéias. Há que se fazer este tributo a Napoleão Bonaparte.

Conhecimentos sólidos de criminologia, opção por certo referencial teórico e aplicação de técnicas modernas de gerenciamento e logística empresarial são a mistura perfeita que produzirá a fórmula da eficiência da Segurança Pública no combate à criminalidade.

O futuro da Segurança Pública será fortalecer-se de conhecimentos teóricos de criminologia e equipar-se de estrutura logística-empresarial para administrá-los, para efetivá-los. São os dois principais passos para que a caminhada em prol de mudanças nas estatísticas criminais seja um sucesso.

Nessas poucas linhas que me foram dedicadas seria inviável aprofundar neste assunto tão delicado. O objetivo era apenas tangenciar o tema, para que, a partir daí, as discussões ganhem fôlego. Se a capacidade de resolver o problema examinado foi menor do que a de narrá-lo, reconhecida a presença dele, o debate que ocasionalmente daí surgir já terá compensado o esforço aqui desenvolvido [11].

E que o glamour da Copa do Mundo [12] não faça que se esqueçam deste momento tão propício a reflexões e mudanças na Segurança Pública Nacional. Os policiais mortos [13] em São Paulo esperam, no túmulo, que as suas mortes não tenham sido em vão.


BIBLIOGRAFIA

ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. NBR 6023: informação e documentação – Referências – Elaboração. Rio de Janeiro, 2002.

BERNARDES, Juliano Taveira. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE. 1ª ed. São Paulo: Saraiva. 2004.

ECO, Umberto. Como se faz uma tese. 15ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 1999.

MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais. 5ª ed. São Paulo: editora Atlas, 2003.

OLIVEIRA, Frederico Abrahão de. MANUAL DE CRIMINOLOGIA. 2ª ed. Porto Alegre: Sagra-Luzzato. 1996.

SHECAIRA, Sérgio Salomão. Criminologia. 1ª ed. São Paulo: Revista dos tribunais. 2004.

SILVA, José Geraldo. O Inquérito Policial e a Polícia Judiciária. 2ª ed. São Paulo: editora de Direito. 1996

SILVA, Nathalya B. de Carvalho e. O surgimento da Logística como resultado do processo de globalização e suas novas funções a partir da déc. 70 no processo de reestruturação das empresas. Trabalho universitário. Disciplina Geopolítica do espaço mundial I. Curso de Relações Internacionais. Universidade Católica de Goiás. 2006.


[1] O céu de São Paulo ficou negro com as fumaças escuras dos ônibus queimados nos ataques terroristas. Ainda, faz-se alusão ao Setembro Negro em Israel.


[2] Trata-se da recente onda de ataques terroristas praticados por facções criminosas no Estado de São Paulo, em especial o PCC, com o intuito de matar policiais das diversas instituições de Segurança Pública e supostamente protestar contra más condições nos presídios nacionais e a constante transferência de líderes dessas facções entre presídios.


[3] Frederico Abrahão de OLIVEIRA. Manual de Criminologia. 1996, p. 29/30.


[4] Sérgio Salomão SHECAIRA. Criminologia. 2004, passim.


[5] Ibidem.


[6] Náufrago. Cast Away. 20th Century Fox Film Corporation / UIP. Direçaõ: Robert Zemeckis. EUA. 2000.


[7] SILVA, Nathalya B. de Carvalho e. O surgimento da Logística como resultado do processo de globalização e suas novas funções a partir da déc.70 no processo de reestruturação das empresas. 2006, passim.

[8] Ibidem.



[9] Ibidem.


[10] Ibidem.


[11] Juliano Taveira Bernardes. Controle Abstrato de Constitucionalidade. 2004, p. 483


[12] Estamos a alguns dias do início da Copa do Mundo de Futebol, ano de 2006, na Alemanha.


[13] Noticiam-se a morte de dezenas de policiais nos ataques das facções criminosas. Possivelmente mais de 40 policiais mortos.

Sobre o(a) autor(a)
Reinaldo Oscar de Freitas Mundim Lobo Rezende
Delegado de Polícia do Distrito Federal. Bacharel em Direito pela UFG. Pós Graduado em Direito Penal, em Direito Processual Penal e em Criminologia pela UFG. Ex- servidor da Justiça Federal de Goiás
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