O CDC e o Poder Público como prestador de serviços na proteção ao meio ambiente
A autora, diante da incumbência constitucional de proteção ao meio ambiente dirigida ao Poder Público, entende deva ser este considerado prestador de serviços à sociedade, em face do Código de Defesa do Consumidor.
A autora, diante da incumbência constitucional de proteção ao meio ambiente dirigida ao Poder Público, entende deva ser este considerado prestador de serviços à sociedade, em face do Código de Defesa do Consumidor.
A proteção ao meio ambiente tem por enfoque os direitos humanos, cujo fundamento material encontra-se expresso no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, positivado na esfera do Direito Constitucional.
O caput do artigo 225 da Constituição Federal, ao garantir a todos o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impõe ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e de preservá-lo, visando ao bem das gerações presentes e futuras.
E, para assegurar a efetividade desse direito, mais especificamente quanto à fauna e à flora, dirige ao Poder Público a incumbência de sua proteção, ao mesmo tempo em que veda, na forma da lei, práticas que possam colocar em risco a função ecológica, provocar a extinção de espécies ou submeter animais a crueldade (art. 225, § 1º, VII).
A promulgação da Lei Federal n. 9.605/1998 (Lei dos Crimes Ambientais) se deu com o intento de estabelecer sanções aplicáveis às atividades lesivas ao meio ambiente, cujo elemento determinante da responsabilidade é a culpa do causador do dano, sem eximir a responsabilização de terceiros por omissão, ao tomarem conhecimento de atividade lesiva.
Com efeito, ao Poder Público não basta uma atitude meramente discursiva sobre a proteção ao meio ambiente, cuja concretização deve ser incorporada no dia-a-dia dos cidadãos, a partir das práticas dos agentes públicos.
Assim, em face dos deveres impostos pela Constituição Federal (art. 225, § 1º), o Poder Público assume a característica de prestador de serviços à sociedade, por intermédio das atividades que lhe são inerentes, sem olvidar que o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 6º, faz menção expressa a direitos básicos, dentre os quais se inclui a proteção à vida, à saúde e à segurança (inc. I), bem como à efetiva prevenção e reparação de danos, inclusive coletivos e difusos (inc. VI).
Nesse compasso, o Poder Público tem o dever de proteção do bem natural (público, difuso, coletivo), essencial à sadia qualidade de vida, e, para tanto, deve utilizar todos os meios de acautelamento e preservação (art. 216, V, § 1º, CF/88).
Dentre estes, entendemos válido citar o tombamento (Decreto-lei n. 25/37, art. 1º, § 2º), o qual não se resume à inscrição de determinado bem no Livro de Tombo (Decreto-lei n. 25/37, art. 1º, § 1º), ou seja, sua realização não está restrita a um ato exclusivamente administrativo.
Dessa forma, o tombamento ambiental, enquanto instituto de tutela do meio ambiente, pode dar-se, também, por determinação judicial ou por normatização, a qual não se encontra proibida no ordenamento jurídico.
Sobre o tema, Celso Antonio Pacheco Fiorillo, na obra Curso de Direito Ambiental Brasileiro (São Paulo: Saraiva, 5. ed. ampl., 2004, p. 215), faz a seguinte observação: “Vale frisar a vantagem de um tombamento instituído por lei, pois só poderá ser desfeito se a medida também tiver sua gênese em ato do Poder Legislativo, respeitada a competência legislativa de cada um dos entes políticos”.
Em conformidade com a divisão material trazida pela Constituição Federal, União, Estados, Distrito Federal e Municípios possuem-na de forma comum para proteger o meio ambiente e preservar as florestas, a fauna e a flora (artigo 23, incisos VI e VII, respectivamente).
Já a competência legislativa em matéria ambiental é concorrente, ou seja, compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal, em conformidade com os incisos VI e VIII do artigo 24 da Carta Maior, devendo ser destacado que, apesar de não fazer menção aos Municípios, estes também possuem o dever e o poder de tutela, por fazerem parte das Unidades Federativas.
Ademais, no âmbito do Direito Administrativo, podemos citar a Resolução como ato pelo qual a autoridade pública ou o poder público impõe uma ordem ou estabelece uma medida, a ser obrigatoriamente acatada.
Assim, ao enfocarmos a obrigatoriedade de proteção do meio ambiente natural, entendemos, sob o intento do Código de Defesa do Consumidor, que o Poder Público torna-se prestador de serviços à sociedade.
Em amparo ao entendimento por nós esposado, citamos o tombamento efetuado para proteção da massa arbórea de bosque existente na Capital de São Paulo, no bairro da Consolação, pela Resolução n. 23/2004 do CONPRESP – Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo, publicada na página 21 do Diário Oficial do Município de 18/12/2004.
A supracitada Resolução, ao considerar a dimensão e a diversidade arbórea e arbustiva existentes numa região escassa de área verde, bem como a avifauna que destas depende para sobreviver, tombou, na área do antigo Colégio Des Oixeaux, correspondente a imóveis situados nas Ruas Marquês de Paranaguá, Caio Prado e Augusta, os seguintes elementos (art. 1º):
“1 – O conjunto de espécies arbóreas e arbustivas que integram a área do bosque (lote 438) e os exemplares isolados (lotes 438 e 131), conforme Anexo I;
2 – As edificações remanescentes que integram o conjunto arquitetônico do antigo Colégio Des Oiseaux (lote 438), conforme planta anexa.”
Vale ressaltar que o Anexo I, enquanto parte integrante da Resolução, contém levantamento quantitativo e qualitativo das espécies arbóreas existentes na área, inclusive porque anteriormente, pela Lei Municipal n. 10.365/87 (art. 4º, § 2º, item “b”), a vegetação existente no local já havia sido considerada de preservação permanente.
Ademais, além de fazer parte da publicação Vegetação Significativa do Município de São Paulo, o Decreto Estadual n. 30.443, de 30/09/1989, “considera patrimônio ambiental e declara imunes de cortes exemplares arbóreos situados no município de São Paulo”, bem como cita, em seu artigo 4º, as “áreas institucionais de uso público”, dentre as quais se encontra a área em questão.
Trata-se, portanto, de tombamento definitivo pela via legislativa, com vigência a partir da norma que o instituiu, realizada de forma compulsória, visto que o imóvel no qual se encontram os bem tombados, estes de natureza difusa, pertence a particular, a quem compete manter a integridade da massa arbórea e as devidas condições para que toda a vegetação, especialmente por compor-se de exemplares individualmente tombados, sobreviva de forma plena, diante do reconhecimento de sua importância à comunidade, em respeito às leis de regência, cujo paradigma não é o individualismo, vigente no século XIX, mas o fim social estampado na Constituição Federal vigente e no Código de Defesa do Consumidor.
Outrossim, há de ser destacado que o CDC traz, enquanto elemento essencial, a responsabilidade civil objetiva – cuja exoneração só tem sido aceita pelo STJ por caso fortuito ou diante de motivo de força maior –, que, sem perquirir a culpa, parte do fato causador do dano, do nexo de causalidade, da imputabilidade, com vistas à reparação específica do evento danoso, cuja solidariedade para tanto, prevista no artigo 34 do CDC, alcança prepostos e agentes, principalmente quando se trata de prestação de serviços.
A título de exemplo, em caso de acidente em estrada, diante da concessão de serviços públicos rodoviários, houve o reconhecimento da responsabilidade subsidiária do Poder Público no julgamento, pelo STJ, do Recurso Especial n. 467883. De igual modo, por ato ou omissão de agente público, a jurisprudência tem reconhecido a responsabilidade estatal.
No entanto, cabe ressaltar que no caso de tombamento, cujo escopo é o bem da sociedade, o dano é considerado irreparável, em virtude da sua inerente impossibilidade de reposição.
Daí, a obrigatoriedade de indenizar, sem prejuízo da aplicação das sanções penais e administrativas (art. 225, VII, § 3º, CF/88), conforme Súmula n. 37 do STJ:
“São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundo do mesmo fato.”
Quanto às sanções administrativas, descritas no artigo 56 do Código de Defesa do Consumidor, se não observadas pelos agentes do Poder Público, podem caracterizar a estes, em nosso entender, crime de prevaricação.
Logo, diante do caso trazido à colação, em que se cuida de bens tombados que se localizam em imóvel pertencente a particular, nenhuma supremacia a este alcança; ao contrário, tem o proprietário a obrigação de zelar pelos bens tombados, competindo ao Poder Público, por sua vez, o dever de fazer com que assim proceda, sob as penas previstas em lei, enquanto prestador de serviços à sociedade.
Em nosso entender, portanto, a incumbência constitucional ao Poder Público, de proteção ao meio ambiente, torna-o prestador de um serviço à população, pois, enquanto ente arrecadador, a ele compete, em contrapartida, atos de preservação, como a fiscalização, o impedimento de invasões, a negativa de autorizações para atividades lesivas, dentre outros que possam afetar bens de natureza difusa albergados pela Constituição Federal de 1988, com vistas à sadia qualidade de vida, também objeto do artigo 6º do Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990).