O direito de não indenizar em face da ocorrência da decadência e prescrição

O direito de não indenizar em face da ocorrência da decadência e prescrição

Debate sobre o direito do fornecedor não indenizar o consumidor em face da ocorrência da decadência e prescrição.

A idéia do presente ensaio é analisar um Direito do Fornecedor presente do CDC. Talvez um dos mais evidentes direitos dos fornecedores no Código de Defesa do Consumidor seja a ocorrência da decadência, estabelecida no art. 26 do Código, e da prescrição, disciplinada no art. 27 deste mesmo diploma legal.

No que se refere à decadência dispõe o texto do art. 26:

Art. 26. O direito de reclamar pelos vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em:

I - trinta dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos não duráveis;

II - noventa dias, tratando-se de fornecimento de serviço e de produtos duráveis.

§ 1° Inicia-se a contagem do prazo decadencial a partir da entrega efetiva do produto ou do término da execução dos serviços.

§ 2° Obstam a decadência:

I - a reclamação comprovadamente formulada pelo consumidor perante o fornecedor de produtos e serviços até a resposta negativa correspondente, que deve ser transmitida de forma inequívoca;

II - (Vetado).

III - a instauração de inquérito civil, até seu encerramento.

§ 3° Tratando-se de vício oculto, o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito.

A decadência [1] é a perda do direito material pela inércia da parte que deveria praticar determinado ato dentro de um lapso temporal específico para preservar seu direito e não o fez. No caso em questão é a reclamação. Gera a decadência (a perda do direito), ou seja, existindo problema (vício) no produto, o consumidor tem o direito/dever de buscar a reparação (através da reclamação) dentro de um determinado prazo (30 ou 90 dias, produtos/serviços não-duráveis e duráveis, respectivamente, a contar da entrega efetiva do produto ou término da prestação do serviço – vícios aparentes ou de fácil constatação – ou a contar do aparecimento do vício quando oculto) [2] sob pena, de não o fazendo, não poder mais exigir a reparação do dano material sofrido ao fornecedor.

O pressuposto é que não houve interesse do consumidor em buscar a reparação do dano e como conseqüência, não deixar com que o fornecedor ad perpetum se responsabilize pelo produto. Salienta-se que esta regra vale para aqueles danos de menor potencial ofensivo (meramente patrimoniais), eis que os danos de maior gravidade (que atingem a integridade física e/ou psíquica do consumidor, sua segurança, saúde e vida) não são passíveis de decadência, mas de prescrição, nos termos do art. 27 do CDC.

Nas situações em que se operar os efeitos da decadência, o fornecedor não mais será responsabilidade pela reparação dos danos materiais sofridos pelo consumidor, ainda que seja proposta demanda judicial para este fim, pois a decadência é uma prejudicial de mérito e deverá ser analisada pelo juízo antes de adentrar no mérito (direito material) da questão proposta.

Desta forma o consumidor absorve o prejuízo ocasionado pelo produto/serviço do fornecedor por absoluta falta de interesse (inércia na prática do ato que conservaria seu direito de reparação: reclamação).

Assim, é direito do fornecedor não ser compelido a responder por danos materiais ocasionados por vícios de seus produtos e serviços, quando o consumidor não efetivar reclamação dentro dos prazos decadenciais previstos na lei, eis que, como efeito da decadência, o consumidor perdeu seu direito de buscar a reparação (quer extrajudicial que judicialmente).

O que se tratou até aqui foi o direito do consumidor de reclamar dentro de determinado prazo sob pena de perder o direito de reparação de eventual vício do produto ou serviço. Mas, uma vez sendo efetuada a reclamação abre ao fornecedor um prazo para solucionar o problema do consumidor (quando existente um vício de responsabilidade do fornecedor) ou informá-lo de que não há reparação a ser efetuada, em face da inexistência de problemas (vícios) nos produtos/serviços.

Salienta-se que, uma vez efetuada a reparação nada mais há que ser discutido. Em contrapartida, havendo reclamação e não sendo o problema solucionado pelo fornecedor, abre a possibilidade ao consumidor de buscar, judicialmente, a reparação do dano. O prazo que o consumidor tem para viabilizar tal reparação é de iguais 30 ou 90 dias (respectivamente, produtos/serviços não duráveis e duráveis), iniciando-se a contagem de tal prazo a partir da resposta negativa do fornecedor.

Assim, torna-se essencial ao fornecedor responder ao consumidor (de forma inequívoca) dizendo que não solucionará seu problema (face sua inexistência, por ter ocorrido por culpa do consumidor, etc.), pois só assim dará início a um novo prazo decadencial para o consumidor. Nesse sentido, não buscando a reparação judicial o fornecedor estará isento da responsabilidade de reparação.

Recebendo, o consumidor, um aparelho de televisão que não funcione deve reclamar perante o estabelecimento que comprou (fornecedor-comerciante) ou ainda perante o fabricante, dentro do prazo estabelecido, nesse caso, noventa dias. Caso deixe de reclamar dentro desse prazo não mais poderá fazê-lo depois, o fornecedor se desonera da garantia de solução dos problemas no produto pela decadência.

Para Denari (1999, p. 201) exaurido o intervalo obstativo, vale dizer, suspensivo, a decadência retoma o seu curso até completar o prazo de 30 ou 90 dias, legalmente previsto.

Assim para o entendimento do autor não há que se falar em interrupção, ou seja, contagem de um novo prazo igual ao anterior, mas sim de suspensão, em que somente contam-se os dias restantes do prazo suspenso. Tal situação é divergente na doutrina, sendo que a contagem de um prazo novo e igual ao anterior (30 ou 90), tem sido mais aceita em virtude do benefício que traz ao consumidor. O importante é ressaltar que, uma vez vencido o prazo estabelecido, ocorrerá a decadência do direito do consumidor e, conseqüentemente, o direito do fornecedor de não mais reparar.

Situação semelhante ocorre com relação aos danos de maior gravidade (àqueles que atingem a vida, segurança, integridade física e moral do consumidor), os chamados danos por defeitos, oriundos de acidentes de consumo, que são atingidos pela prescrição.

Trata-se, a prescrição, a perda da pretensão à reparação pelo não exercício do direito em determinado lapso temporal. No que concerne ao art. 27 [3], do CDC, o consumidor perde seu direito de ação contra o fornecedor primário (art. 12 ou nos casos do art. 13, contra o comerciante) quando não buscar a reparação pelos danos por defeito dos produtos e serviços (responsabilidade pelo fato – acidente de consumo) nos cinco anos que se seguirem ao conhecimento do dano e sua autoria. Nas palavras de Marques (2003, P. 380) “é o fim (extinção) da pretensão”.

Desta forma não pode o fornecedor primário ser responsabilizado por danos ocorridos e não buscados dentro do período prescricional. Chama-se a atenção para o fato de que, em razão da gravidade do dano e seu potencial ofensivo ao consumidor, os vícios são passíveis de decadência e os defeitos de prescrição. Os primeiros no prazo de 30 ou 90 dias (duráveis e não duráveis) e os segundos no prazo de 5 anos.

A solução de problemas dos consumidores não reclamados dentro dos prazos legais, ou seja, depois de se ter operado decadência ou prescrição, pode ser efetuada como política de marketing, como forma de manter ou fidelizar clientes, verificando-se o custo/benefício de tal decisão, mas o fornecedor está ciente de que não tem obrigação legal de tal reparação e essa informação deve ser repassada também ao consumidor.


[1] “É a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo prefixado, e este se esgotou se, que seu exercício se tivesse verificado”. (LEAL apud BENJAMIN, 1991, p. 132/133).


[2] Benjamin (1991, p. 133) diz ser vício oculto: “aquele que o consumidor só consegue detectar com conhecimento técnico especializado ou com esforço (físico ou mental) substancial”.

“O vício aparente caracteriza-s pela obviedade. Para percebê-lo basta ao consumidor ter o bem a sua frente. [...] A sua simples visualização já basta para que o consumidor perceba o vício [..]”. Já o vício de fácil constatação “a percepção da desconformidade exige do consumidor um certo esforço, físico ou mental. O consumidor tem que testar o bem para detectá-lo, embora, em o testando, descubra com imensa facilidade. Não se exige dele conhecimento técnico especializado ou mesmo atenção além do normal” (BENJAMIN, 1991, p. 132).


[3]  Art. 27. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.

Sobre o(a) autor(a)
Fabio Zabot Holhtausen
Professor do Curso de Dreito da UNISUL [Comercial III e Consumidor]. Coordenador Operacional do Curso de Direito da UNISUL - Campus Regional Sul [Unidades de Araranguá e Içara]. Coordenador e professor do MBA em Direito...
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