Dano moral pela exclusiva falta de comunicação da inclusão do nome do consumidor nos serviços de proteção ao crédito

Dano moral pela exclusiva falta de comunicação da inclusão do nome do consumidor nos serviços de proteção ao crédito

Analisa a pertinência do pleito de dano moral pela negativação do consumidor, mesmo que lícita a inclusão nos cadastros restritivos ao consumo, pelo simples fato de o consumidor não ter sido cientificado dessa negativação.

Na atual ordem constitucional, a defesa do consumidor foi erigida a um dos princípios basilares da ordem econômica e financeira nacional, atenuando a liberdade de mercado quando ela se tornar maléfica seja pela concorrência desleal ou pelas práticas abusivas que podem decorrer desse sistema liberal (art. 170, inc. V e IV da C.F./88).

Não obstante, com a intensificação das práticas consumeristas e reiteradas violações e arbitrariedades ocasionadas no mercado de consumo, é que o legislador constituinte, ciente que o consumo é um instrumento pelo qual se materializa a dignidade humana, já que envolve toda uma gama de necessidades essenciais, sem o qual a pessoa não pode se desenvolver plenamente no mundo social, teve o cuidado de erigir, em nível de cláusula pétrea, o direito à defesa do consumidor (art. 5º, XXXII, CF), não podendo, neste lanço, tal direito ser suprimido ou mesmo diminuído.

Destarte, a política do Código de Defesa do Consumidor não pode ser outra que não a busca mais efetiva possível de proteger o consumidor e tutelar seus direitos, pois é o hipossuficiente, a parte vulnerável nas relações de consumo, não podendo ficar a mercê de práticas abusivas e lesivas de fornecedores, quer seja de produtos ou serviços, sem ter meios idôneos e eficazes de se defender e ver seus lesadores sendo responsabilizados por tais condutas danosas. Desta feita, é axiomático concluir que qualquer lesão ao consumidor ocorrido nas relações de consumo deve ser amplamente corrigida e sanada, de modo a prevenir que ocorra outras vezes e ressarcir os danos implementados ao consumidor. Neste lanço é que o C.D.C. esculpiu como direito básico do consumidor a efetiva prevenção e reparação de danos morais no artigo 6º, VI.

Visando tutelar os bancos de dados e cadastros de consumidores, e a inserção do nome do consumidor nesses arquivos, pois é cediço que tal providência gera danos, por vezes, incalculáveis ao consumidor, tais como óbices ao consumo, fim do crédito, lesão ao seu nome, sua honra, sua imagem e boa fama, podendo gerar efeitos deveras draconianos aos direitos próprios da personalidade humana, o Código de Defesa do Consumidor trouxe uma seção específica a esse assunto. O artigo 43 e parágrafo 2º, da seção VI, inserido no capítulo V (das práticas comerciais), do diploma em questão prescreve:

Art. 43. “O consumidor, sem prejuízo do exposto no artigo 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre suas respectivas fontes.

§ 2º. A abertura de cadastro, ficha, registros e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicado por escrito ao consumidor, quando não solicitado por ele.” (grifo nossos).

Atento a isto é que se deve ter muito cuidado na inclusão do nome do consumidor em tais listas, exigindo-se acuidade acima do necessário, pois a inserção de um consumidor idôneo e que cumpre regularmente com suas obrigações nos referidos arquivos lesa o direito do consumidor viver em sociedade, sendo um dano, por vezes, muito maior que qualquer dano patrimonial.

Nesses termos é que se pronuncia a doutrina mais autorizada no assunto, pois são exatamente estes os dizeres de Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin [1] já que é um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor:

“A idoneidade financeira sempre foi - e cada vez mais é – um componente essencial da honorabilidade do ser humano. Representa o próprio ar que respira o homo economicus, que dele destituído perece por asfixia, levando consigo parte substancial da cidadania de cada indivíduo e inviabilizando o usufruto de outro interesse primordial reservado pela Constituição: a qualidade de vida... uma vez negativado, com seu crédito aniquilado, são remotas, para não dizer inexistentes, as possibilidades de o consumidor exercer tal prerrogativa constitucional, pois vivemos num modelo de sociedade – a de consumo – impregnado pela regra de que os bancos de dados têm sempre a última palavra no momento da contratação.... Na sociedade de consumo, o consumidor não existe sem crédito; dele destituído, é um nada”.

Outra não é a posição do Superior Tribunal de Justiça: “Inegável a conseqüência danosa para aqueles cujos nomes são lançados em bancos de dados instituídos para o fim de proteção do crédito comercial ou bancário”. [2]

Todavia, não visamos tratar aqui da reparação do dano moral pela inserção indevida do nome do consumidor nos cadastros de proteção ao crédito, pois esse já foi deveras debatido nos tribunais e na doutrina, sendo uma decorrência lógica da violação a direitos personalíssimos. O que visamos com o presente trabalho é tratar do dano moral na inserção do nome de um consumidor em tais cadastros sem o prévio aviso desse arquivamento a ele, mesmo que contra o consumidor se tenha título executivo ou qualquer outro documento que demonstre a impontualidade do consumidor, o que tornaria lícita a inclusão.

Seguindo na linha proposta, lembra-se que o supracitado § 2º, do artigo 43, do Estatuto do Consumidor ordena a comunicação ao consumidor, por escrito, da abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo, quando não solicitado por ele. Por conseguinte, apenas o fato da não comunicação já geraria a responsabilidade por violar um direito expresso no C.D.C., que é o de informação, sendo um dos princípios pelo qual se norteia a Política Nacional de Consumo, no artigo 4º, inciso IV e um dos direitos básicos do consumidor, esculpido no artigo 6º, inciso III, ambos do Código de Defesa do Consumidor.

Ademais, a não observância das regras do art. 43, mormente impedir o acesso às informações, lembra João Batista de Almeida, “constitui infração administrativa, da mesma forma que pode gerar responsabilização penal (art. 72 e 73) e abrir ensejo à incidência da tutela civil, para possibilitar o acesso às informações, sua correção e o pleito indenizatório por danos materiais e morais”. [3]

Essa também é a visão da jurisprudência [4]: “Não basta que a anotação seja verdadeira. É preciso comunicá-la ao consumidor, para que ele, ciente da mesma , não passe pela situação vexatória de tomar conhecimento através de terceiro, recusando conceder-lhe, em razão dela, o pretendido crédito”.

O que se quer, em síntese, com o dispositivo em questão, é atribuir ao consumidor a possibilidade de evitar transtornos e danos patrimoniais e morais que lhe possam advir dessas informações, quer sejam corretas ou incorretas, pois lhe dariam a chance de se defender ou mesmo adimplir suas obrigações, expurgando a pecha que lhe seria imposta pelo arquivamento de pessoa desonrada e que não cumpre com suas obrigações.

Destarte, o direito de ser comunicado de que um arquivo está sendo aberto sobre si, é um direito básico decorrente, também, da própria Carta Magna, artigo 5º, inciso X, pois está na iminência de devassar a vida privada, a honra e a imagem do consumidor, já que esses dados poderão ser utilizados por outros fornecedores, estranhos a relação de consumo originária e que deu ensejo a tal abertura de arquivo.

O interesse que o consumidor tem de ser comunicado, repita-se, nasce com o fim de evitar que se arquive informações sem que o consumidor saiba e, por isso, o impeça de tomar medidas para evitar que isso ocorra e gere danos mais gravosos à sua pessoa, pois, caso soubesse, o consumidor poderia evitar o arquivamento pagando a dívida ou provando que ela já foi paga, como seria o desfecho da maioria dos casos, evitando situações por demais constrangedoras de ser impedido de efetuar compras, de efetuar o pagamento com cheque, de obter créditos, prazos, financiamentos, tendo prejuízo para as suas atividades pessoais e até profissionais, sendo, em última análise, impedido de realizar as ações próprias de exercício da dignidade humana.

O próprio Superior Tribunal de Justiça [5] em voto proferido pelo Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira baliza tal entendimento: “Nos termos da lei, efetivamente necessária a comunicação ao consumidor de sua inscrição no cadastro de proteção ao crédito, tendo-se, na ausência dessa comunicação, por reparável o dano moral oriundo da indevida inclusão... É de todo recomendável que a comunicação seja realizada antes mesmo da inscrição do consumidor no cadastro de inadimplentes, a fim de evitar possíveis erros”.

Iterativa é a jurisprudência formada no Superior Tribunal de Justiça conforme se depreende do Recurso Especial nº. 28540/SP que aponta a mesma direção:

“SERASA. Inscrição de nome de devedora. Falta de comunicação. A pessoa natural ou jurídica que tem o seu nome inscrito em cadastro de devedores tem o direito de ser informado do fato. A falta dessa comunicação poderá acarretar a responsabilidade da entidade que administra o banco de dados”.

O entendimento do ministro relator Ruy Rosado de Aguiar, ao proferir o seu voto nesse REsp brilhantemente resumiu a questão:

“A autora tinha o direito de ser informada da inscrição do seu nome nos arquivos do SERASA, iniciativa que é obrigação da entidade administradora do cadastro, pois, desconhecendo a existência do registro negativo, a pessoa sequer tem condições de defender-se contra os males, inúmeros e graves, que daí lhe decorre, e de pedir seu cancelamento ou retificação. É certo que todo registro efetuado por informação de terceiro acarreta também a responsabilidade deste pela inscrição indevida (credor, cobrador etc), mas isso não afasta nem diminui a obrigação do cadastrador pelo que lhe foi indevidamente registrado, nem o exime do dever de informar a pessoa de que trata, preferentemente antes da prática do seu ato, mas sempre antes de qualquer efeito danoso ao titular dos dados”.

É certo que já houve jurisprudência se inclinando pelo fato de que a comunicação se desse por escrito, sendo despiciendo a postalização de carta com Aviso de Recebimento (AR). Todavia, sempre foi o entendimento da jurisprudência que referida comunicação se desse por escrito, na residência do devedor.

Destarte, o exclusivo fato de se cadastrar o nome do consumidor nos serviços de proteção ao crédito, sem comunicá-lo, malgrado se tenha título para isso, gera o dever de indenizar e pode, também sofrer apenamento no âmbito administrativo e penal, pois há tipos específicos sobre a violação do dever de informar na legislação de tutela consumerista. [6]

Não tergiversa Antônio Herman de Vasconcellos, com a autoridade de ser um dos anteprojetistas do Código de Defesa do Consumidor, pois são estes seus dizeres na obra já citada: “qualquer dado arquivado sobre o consumidor, mesmo os que não digam respeito ao seu comportamento no mercado, abre para ele três direitos básicos: a)comunicação de armazenamento; b)acesso; c)retificação. Ausentes qualquer desses direitos, com a insistência do arquivo de consumo em coletar, armazenar ou divulgar as informações infamantes cai por terra a pretensão de exercício regular do direito, invadindo-se o terreno do abuso de direito – ilícito penal, civil e administrativo, pura e simplesmente. Coberto então de ilicitude, o registro dá ensejo ao dever de reparar os danos causados, tanto patrimoniais como morais... O simples fato de deixar de comunicar a inscrição no cadastro dos devedores é grave ato ilícito, que gera, por si só, o dever de indenizar, além do sancionamento administrativo e penal (art. 72)” [7]

Lembra esse autor [8] que a comunicação precisa ser escrita, não valendo o recado oral, ou um telefonema. Ademais, ela também precisa ser feita antes da colocação da comunicação no domínio público, pois só assim é apta a evitar os danos ao consumidor. Não exige a lei que a comunicação seja feita via Aviso de Recebimento (A.R.), basta que haja comunicação escrita. Lógico que o A.R. atenderia mais os anseios da tutela consumerista, pois haveria a certeza de que o consumidor foi cientificado e, de outra parte, faria melhor prova a favor do fornecedor que cumpriu com sua obrigação de promover a comunicação. Todavia, não é prescrição legal.

Não obstante, o Ministério Público Federal ajuizou uma outra Ação Civil Pública, na Seção Judiciária de São Paulo, sob o número 200161000322630, em face da SERASA, visando com que os consumidores a serem incluídos no seu cadastro e os que já estivessem incluídos fossem informados pela mesma através de Carta Registrada de mão própria com Aviso de Recebimento, aguardando-se prazo mínimo de 15 (quinze) dias, após a notificação, para que o eventual lançamento naquele cadastro seja realizado.

Esta Ação Civil Pública foi julgada procedente pelo qual se torna imperativo em todo território nacional, haja vista que a ação foi proposta na Justiça Federal, tornando-se assim prescritivo que o SERASA/SA remeta carta registrada com mão própria com aviso de recebimento, aguardando-se prazo mínimo de quinze dias para que o eventual lançamento naquele cadastro seja lançado, sob pena de ofensa à coisa julgada e cominação de multa de até cinco mil reais, conforme fixada na própria sentença.

É cediço que a sentença em Ação Civil Pública faz coisa julgada “erga omnes”, ou seja, se estende à todos, nos termos do art. 103, I e III do CDC e art. 16 da Lei 7347/85 e como a ação foi proposta na Justiça Federal e aí julgada procedente, sua base territorial é todo o território nacional.

Neste lanço, o simples fato da negativação sem que o negativado tenha ciência dessa inclusão, mesmo que seja lícita, gera, por si só, o direito subjetivo de se socorrer ao Judiciário e pleitear uma indenização, haja vista a lesão a sua honra e imagem.


[1] Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto / Ada Pellegrini Grinover.... 6ºed., Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1999, p. 346 e 351.

[2] STJ, 4º Turma, REsp nº 168934-MG, rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 24.6.98, DJU 31.8.98.

[3] A proteção jurídica do consumidor. São Paulo: Saraiva, 1993, p. 97.

[4] TJRS, 5º Câm. Cív., Ap. Cív. nº 597.118.926, rel. Araken de Assis, j. 7.8.97, BAASP 2044/481.

[5] STJ, REsp nº 165.727, rel. Min. Sálvio Figueiredo Teixeira, j. 16.6.98.

[6] Artigo 72 da Lei 8.072/90: “Impedir ou dificultar o acesso do consumidor às informações que sobre ele constem em cadastros, banco de dados, fichas e registros: Pena – detenção de 6 (seis) meses a 1 (um) ano”.

[7] Ob. Cit., p. 391,0392 e 401.

[8] Ob. Cit., p. 397-400.

Sobre o(a) autor(a)
Daniel Carmelo Pagliusi Rodrigues
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