Da natureza da obrigação assumida pelo advogado e pela sociedade de advogados
Comentários sobre as peculiaridades da obrigação assumida quando da prestação de serviços advocatícios no patrocínio de uma demanda judicial.
Compreende-se que a relação jurídica existente entre o advogado e seus clientes tem natureza contratual [1]. “Apesar da função do advogado participar, em nosso direito, do caráter de munus público, o mandato judicial apresenta uma feição contratual [2]”. Através de um contrato de prestação de serviços advocatícios e de um instrumento de mandato, estará o advogado habilitado à representar o cliente em juízo [3], de acordo com os poderes lhes forem outorgados [4]. Do descumprimento desse contrato por culpa ou dolo do advogado, gera responsabilidade civil e o direito do cliente a indenização pelos danos sofridos.
Para melhor entendimento da relação jurídica travada entre o advogado e seu cliente, será necessário tecer breves comentários sobre as peculiaridades da obrigação assumida.
OBRIGAÇÃO DE MEIO X RESULTADO
Entende-se por obrigação de meio o dever de desempenho, de uma atividade contratada, com diligência, zelo, ou mesmo com o emprego da melhor técnica e perícia para se alcançar resultado pretendido. Ou seja, ao exercer a atividade, o contratado não se obriga à ocorrência do resultado, apenas age na intenção de que ele aconteça. Nas palavras de Rui Stoco [5] conclui:
“Significa, também, que a sua obrigação é de meios, quando o profissional assume prestar um serviço ao qual dedicará atenção, cuidado e diligência exigidos pelas circunstâncias, de acordo com o seu titilo e com os recursos que dispõe e com o desenvolvimento atual da ciência, sem se comprometer com a obtenção de um certo resultado.”
Assim, “compete ao credor a prova da conduta ilícita do devedor, devendo demonstrar que este, na atividade desenvolvida, não agiu com a diligência e os cuidados necessários para a correta execução do contrato” [6].
Na obrigação de resultado, por sua vez, o devedor se obriga a alcança um fim específico. Verifica-se, por conseguinte, a inadimplência do contratado se o resultado contratado não ocorrer, podendo o mesmo responder por perdas e danos. Como exemplo típico de obrigação de resultado, temos o contrato de prestação de serviço de pintura de parede, onde o pintor se obriga à completude de sua pintura.
Deste modo, basta ao credor prejudicado a demonstração do descumprimento do contrato através na comprovação de não ter sido alcançado o resultado [7], restando ao devedor responder por perdas e danos.
RESPONSABILIDADE SUBJETIVA X OBJETIVA
A responsabilidade civil subjetiva ou clássica, que se estrutura nosso Código Civil, funda se na teoria da culpa [8], ou seja, na responsabilidade subjetiva. O Código de Defesa do Consumidor inova trazendo, como regra geral, a responsabilidade objetiva, ou seja, não se verifica a culpa na apuração da responsabilidade civil dos fornecedores incidente nas relações de consumo, tanto nas decorrentes de fato, como do vício do produto ou do serviço fornecidos, conforme prescrevem os arts. 12 e 14 deste diploma legal. [9] O consumidor não precisa comprovar a ocorrência de culpa do fornecedor ou o defeito no produto ou no serviço, bastando demonstrar os danos sofridos e a relação de causa e efeito com o produto ou serviço fornecido pelo agente responsável [10].
No entanto, o mesmo artigo 14, em seu § 4°, o CDC abre uma exceção à regra aos profissionais liberais, em face da peculiaridade de suas atividades, determina que sua responsabilidade se dará mediante a apuração de culpa, isto é, a responsabilidade será subjetiva. Esclarece Paulo de Tarso Vieira Sanseverino:
“O motivo da manutenção do sistema tradicional de responsabilidade civil, nesse tópico, derivou de um juízo de razoabilidade de parte do legislador, atendendo à natureza das atividades exercidas dos profissionais liberais. Estas se diferenciam daquelas prestadas pelos demais fornecedores de serviços, observando-se peculiaridades nas relações de consumo mantidas entre esses profissionais e seus clientes”.
DA RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO: RESPONSABILIDADE SUBJETIVA DE MEIO
Diante do exposto nos subitens anteriores, não restam dúvidas sobre a natureza da obrigação assumida pelo advogado, sendo este um típico profissional liberal. Responde, portanto, subjetivamente às responsabilidades assumidas ao ser contratado para o patrocínio de uma demanda, estando para tanto, obrigado a se valer dos melhores meios permitidos por lei, observando sempre a ética profissional, para a defesa dos interesses de seu cliente, não se obrigando a sair vitorioso ao final.
Vale ressaltar que o advogado não é obrigado a aceitar a demanda do seu cliente [11]. Essa liberdade denota a confiança ao defender uma causa, já que está subentendido que o advogado acredita que o direito assiste a pretensão de seu cliente. “Nem podia deixar de ser assim, pois, de outra forma, como já disse o Peyronnet, deixariam os advogados de inspirar confiança e, mesmo, de merecê-la, exercendo sem honra uma profissão desprestigiada” [12].
Ao acolher a causa e solenizar o contratado, o advogado assume obrigação de meio, ou seja, não se assume a obrigação de sair o cliente vitorioso na causa [13], já que dependerá da cognição do Poder Judiciário. Faz oportuna evocar um belíssimo pensamento do Rui Barbosa [14]:
"A profissão de advogado tem, aos nossos olhos, uma dignidade quase sacerdotal. Toda a vez que a exercemos com a nossa consciência, consideramos desempenhada a nossa responsabilidade. Empreitada é a dos que contratam vitórias forenses. Nós nunca nos comprometemos ao vencimento de causas, nunca endossamos saques sobre a consciência dos tribunais, nunca abrimos banca de vender peles de ursos antes de mortos. Damos aos nossos clientes o nosso juízo com o nosso conselho, a nossa convicção com o nosso zelo; e, depois, quanto ao prognóstico e à responsabilidade, temos a nossa condição por igual à do médico honesto, que não canta vitórias antecipadas como os curandeiros, nem se há por desonrado, quando não debela casos fatais. Nós outros advogados não dispomos, sequer, nas relações com a clientela, do poder que exercem os médicos sobre os seus doentes: na medicina, entre a ciência e a cura apenas intervém os decretos da Providência; ao passo que, no foro, entre o direito e a sentença se metem os erros da justiça humana, a cuja discrição está o destino das causas. Não venham, pois, quando uma delas soçobra, concluir pela culpa do conselho temerário, ou do patrocínio desastrado; porque não é no bom ou no mau êxito dos pleitos que está o critério da honestidade dos litígios, ou o do merecimento do patronos. No quase meio século que já mede a nossa carreira forense, temos lido, muitas vezes, a honra de perder abraçado com as suas causas mais justas, mais santas, mais gloriosas, para, anos depois, recebermos o consolo dos nossos reveses, vendo laurear os princípios, com que, tempos antes, havíamos sido esmagados.”
A atividade do advogado é complexa, não restringindo a uma única ação, mas sim, um conjunto de ações. O advogado se obriga a empregar todo o cuidado e diligência necessários e cuidar da causa com zelo e atenção, acompanhando o andamento e peticionando, quando necessário ou exigido e acompanhando e cumprindo os prazos processuais [15]. Vislumbra-se, portanto, a atividade advocatícia como uma prestação de serviço composta de várias ações, no entanto, compreende-se que há apenas uma atividade que implica uma obrigação de meio.
Ademais, Paulo de Tarso Vieira Sanseverino [16] nega o referido entendimento, considerando a existência de várias obrigações distintas e inerentes ao contrato de prestação de serviços advocatícios:
“Efetivamente, não se deve qualificar as obrigações assumidas por cada profissional liberal como de meio ou de resultado apenas com base na denominação da profissão ou de sua especialidade. Na realidade, nascem do contrato de prestação de serviços inúmeras obrigações distintas para ambas as partes. Algumas delas poderão ser de meio, outras de resultado. Por exemplo, as obrigações assumidas pelos advogados, em regra, são obrigações de meio; porém, as obrigações de apresentar a contestação dentro do prazo ou de juntar documento relevante para o sucesso de seu cliente na demanda são eminentimente de resultado”.
Discordamos do autor supra, data venia, entendemos a atividade de prestação de serviços advocatícios como uma única obrigação, qual seja, a defesa da demanda apresentada pelo cliente e aceita pelo advogado por esse acreditar que o direito lhe assiste. Sendo, no entanto, essa única obrigação dotada de complexidade, uma vez que pressupõe uma série de ações exigindo do advogado cuidado, prudência e perícia, incluindo-se portanto o respeito aos prazos legais e a correta instrução processual. Por tudo isso, acreditamos que a obrigação assumida pelo advogado é inteiramente de meio.
Todo esse cuidado na execução do serviço está umbilicalmente ligado ao dever de informação, do qual trataremos mais adiante. A inobservância desse dever poderá levar a chão toda a diligência dispensada na defesa de uma causa.
DA RESPONSABILIDADE DA SOCIEDADE DE ADVOGADOS
A responsabilidade da sociedade de advogados merece ser pontuada, uma vez que há divergência doutrinária a cerca na natureza da obrigação assumida na prestação de serviços advocatícios. Vale ressaltar que tal sociedade tem características muito próprias, as quais diferenciam das demais sociedades por seres, na realidade, uma união “exclusivamente de pessoas de finalidades profissionais, de modo que a atividade da sociedade se confunde com a atividade profissional [17]”. Como pontua Sérgio Novais Dias citando Paulo Luiz Neto Lôbo [18]:
“a sociedade de advogados ‘é uma sociedade sui generis, que não se confunde com as demais sociedades civis’. Ressalta que ‘o Estatuto manteve a natureza da sociedade civil exclusivamente de pessoas e de finalidades profissionais’ e que ‘rejeitou-se o modelo empresarial existente em vários países, para que não desfigurasse a atividade da advocacia’.”
O cliente “não contrata a pessoa jurídica da sociedade de advogados, até porque legalmente não poderia, mas sim um determinado advogado ou mais de um advogado ou todos os advogas da sociedade.” [19] Dessa forma, o advogado, mesmo fazendo parte de uma sociedade tem em seu contrato a característica intuito personae, própria da atividade do profissional liberal.
Desta maneira, uma parte da doutrina entende que a sociedade de advogados, embora seja uma pessoa jurídica, responde subjetivamente, de acordo com a exceção do CDC aos profissionais liberais no § 4º, do art. 14. Neste sentido, Fábio Siebeneichler:
“A Lei n. 8.078/90 (Lei de Defesa do Consumidor), em seu art. 14, § 4º, afastou a responsabilidade objetiva para os profissionais liberais, ao afirmar, textualmente, que a responsabilidade se baseia na culpa. Essa disposição também abrange a sociedade de advogados, por força do § 1º do art. 77 da Lei n. 4.215/63. Ali se dispõe que as atividades profissionais que reúnem os advogados em sociedades se exercem individualmente, quando se tratar de atos privativos de advogado, ainda que revertam ao patrimônio social. Além disso, o § 3º do mesmo artigo estabelece que as procurações são outorgadas individualmente”.
Dentre os que consideram que a sociedade de advogados responde objetivamente, entendem que a mesma é pessoa jurídica com características empresariais e, portanto, estão fora da exceção do art. 14, § 4º do CDC, Carlos Roberto Gonçalvez:“[...] é muito comum, hoje, tais profissionais agruparem-se em torno de empresas prestadoras de serviços, ou seja, sociedades de advogados. Como já se afirmou, a exceção ao princípio da responsabilidade objetiva consagrado no Código de Defesa do Consumidor aplica-se apenas ao próprio profissional liberal, não se estendendo às pessoas jurídicas que integre ou para as quais preste serviço.” [20]
Preferimos ficar com o primeiro entendimento, por entender que o advogado, quando parte integrante de uma sociedade não perde sua característica de profissional liberal, enquadrando-se, portanto, na exceção do CDC, respondendo subjetivamente.
Quanto a natureza da obrigação assumida pela sociedade, não há diferença da assumida pelo advogado quando atua individualmente, ou seja, permanece assumindo os advogados participantes da sociedade a obrigação de meio.
[1] Em relação a terceiros é extracontratual ou aquiliana. Caio Mário da Silva Pereira. Responsabilidade Civil, 9ª Edição, Editora Forense, Rio de Janeiro – 1999, p. 161 citando Mazeaud e Mazeaud, Responsabilité Civile, vol.I, nº 510.
[2] DINIZ, Maria Helena.Curso de Direito Civil Brasileiro, 7º Volume, Responsabilidade Civil, 13ª edição, Editora Saraiva, São Paulo – 1999, p.233.
[3] A representação em juízo é exercida mediante Mandato ou Procuração ad judicia ou ad iudicia, que quer dizer “para juízo”. Existem outros tipos de instrumento de mandato, a exemplo do mandato ad litem, que quer dizer “para lide”, sendo um tipo de mandato ad judicia, porém, é mais usado pelo juiz para conferir poderes à alguém para acompanhar um processo e defender interesse do revel ou do ausente. Ainda existe o Mandato ad negotia, que quer dizer “para negócios”. PEDROTTI, Irineu Antônio. Responsabilidade Civil, Vol. I, Editora Universitária de Direito, 2ª Edição, São Paulo – 1995, p.210-213.
[4] O instrumento de mandato confere, ao advogado, poderes gerais para atuar em foro, segundo o art. 38 do CPC. Há, contudo, poderes especiais que, de acordo com o referido artigo, não estão inseridos nos poderes de foro geral, devem ser previstos de forma expressa pelo outorgante. [5] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – 6ª Edição, ver., atual. E ampl. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p. 480.[6] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 184.
[7] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 185.
[8] SAMPAIO, Rogério Marrom de Castro. Direito Civil: responsabilidade civil – São Paulo: Atlas, 2000, p. 26.
[9] Art. 14. O fornecedor de serviços responde independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
[10] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 176.
[11] Exceção da assistência judiciária gratuita.
[12] Sergio Novais Dias, p. 31, apud J. M. de Carvalho Santos. Código Civil Brasileiro Interpretado, Livraria Freitas Bastos, 1956, vol. XXI, pág. 320.
[13] Há exceções quando o objeto do contrato é extrajudicial, a exemplo de elaboração de um parecer ou um contrato.
[14] BARBOSA, Rui. Obras Completas de Rui Barbosa. V. 45, t. 4, 1918. p. 240 Supremo Tribunal Federal. Rio de Janeiro, DF..
[15] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – 6. ed, São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 2004, p.480.
[16] SANSEVERINO, Paulo de Tarso Vieira. Responsabilidade civil no código do consumidor e a defesa do fornecedor – São Paulo: Saraiva, 2002, p. 187.
[17] DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade Civil do Advogado na Perda de uma Chance. São Paulo: LTr, 1999, p. 39 apud LÔBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB, Brasília, Editora Brasília Jurídica, 1994, p. 42.
[18] DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade Civil do Advogado na Perda de uma Chance. São Paulo: LTr, 1999, p. 39 apud LÔBO, Paulo Luiz Neto. Comentários ao Novo Estatuto da Advocacia e da OAB, Brasília, Editora Brasília Jurídica, 1994, p. 76.
[19] DIAS, Sérgio Novais. Responsabilidade Civil do Advogado na Perda de uma Chance. São Paulo: LTr, 1999, p. 39.
[20] GONÇALVEZ, Carlos Roberto. Responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Saraiva. 1995. p. . 385.