Os princípios constitucionais no processo penal e limite ao poder punitivo do Estado

Os princípios constitucionais no processo penal e limite ao poder punitivo do Estado

Analisa os mais relevantes princípios constitucionais no processo penal, como uma garantia que limita o arbítrio do Estado.

Introdução

Esse trabalho tem como objetivo fazer uma análise sobre os princípios constitucionais inerentes ao processo penal, verificando como estes limitam o poder punitivo do Estado, dentro da perspectiva da Constituição Federal como norma de controle e de validade para o ordenamento jurídico.

Numa primeira abordagem será analisada a importância desses princípios no ordenamento jurídico brasileiro, posto que a Constituição Federal deve ser o ponto de partida para as demandas civis, penais e processuais, sendo analisados apenas alguns dos princípios do processo penal. Apresentando posteriormente, o conflito do jus puniendi imposto pelo Estado contra o jus libertais do indivíduo, fazendo sempre uma interpretação axiomática à luz da Carta Magna, e da orientação dada por ela ao processo penal.


Os Princípios Constitucionais do Processo Penal

Serão analisados agora os mais importantes princípios constitucionais que regem o processo penal, não com o objetivo de exaurir toda a matéria relativa ao tema, mais tendo como principal interesse dirimir eventuais dúvidas, fazendo uma abordagem crítica valorizando a relevância da temática tratada no processo penal e no ordenamento jurídico.

Os princípios constitucionais são considerados os pilares de todo o ordenamento jurídico, pois orientam o interprete de como agir diante das normas jurídicas, e das situações concretas a ele apresentadas no cotidiano. Muitos são os princípios do processo penal que encontram garantia na Constituição Federal, sendo alguns deles, os mais importantes, e que serão abordados nesse trabalho: o princípio da legalidade, da igualdade, da humanidade, do devido processo legal, do contraditório, do juiz natural e do estado de inocência.

1.1 – Princípio da legalidade

Este princípio seja talvez o mais revelante e se encontra na Declaração dos Direitos do Homem de 1789, que relata:“Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescrita”. Este é sem dúvida um dos pilares básicos do Estado Democrático de Direito previsto no art. 5°, inciso II, da Constituição Federal que assegura a que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, demosntrando assim uma observância ao que foi previsto na Declaração.

O princípio da legalidade é inegavelmente um limite constitucional ao poder do Estado para que não puna arbitrariamente seus indivíduos, impedindo que este haja senão em virtude de lei. No processo penal ainda é exigido que a lei tenha sido produzida pelo ente competente, nesse caso a União, devido ao que dispõe o art. 22, inciso I, diz que é de competência privativa da União legislar sobre o direito processual.

Na esfera penal-processual o princípio da legalidade está também bastante relacionado ao art. 5°, inciso XXXIX da CF, pois o mesmo o mesmo revela que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”. Esse princípio tem uma abrangência ampla, estabelece que os comandos jurídicos devem ver realizados por regra normativa geral, sendo assim acaba que todos os comportamentos humanos estão submetidos ao principio da legalidade.


1.2 – Princípio da igualdade

A Constituição Federal prevê no art. 5°, inciso I, que todos são iguais perante a lei, em direitos e obrigações. Obviamente nem todas pessoas tem a mesma condição, nem estão no mesmo nível econômico e social, no entanto todos merecem o mesmo tratamento jurídico. O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos prevê que “Todas as pessoas são iguais perante aos tribunais e as cortes de justiça.” Dessa forma, a isonomia perante a lei traduz também igualdade processual, e no processo penal a isonomia é ainda mais efetiva visto que se for violada a ação penal torna-se nula.

A Carta Magna veda as descriminações, os tratamentos desiguais, salvo casos previstos em lei, nesse sentido afirma Alexandre de Morais:

 "A desigualdade na lei se produz quando a norma distingue de forma não razoável ou arbitrária um tratamento específico a pessoas diversas. Para que as diferenciações normativas possam ser consideradas não discriminatórias, torna-se indispensável que exista uma justificativa objetiva e razoável, de acordo com critérios e juízos valorativos genericamente aceitos, cuja exigência deve aplicar-se em relação à finalidade e efeitos da medida considerada, devendo estar presente por isso uma razoável relação de proporcionalidade entre os meios empregados e a finalidade perseguida, sempre em conformidade com os direitos e garantias constitucionalmente protegidos. Assim, os tratamentos normativos diferenciados são compatíveis com a Constituição Federal quando verificada a existência de uma finalidade razoavelmente proporcional ao fim visado".

È preciso ressaltar que o foro especial por prerrogativa de função estabelece vantagens, como se o individuo detentor do foro estivesse em melhor condições por ser julgado num tribunal e não por um juiz de direito diretamente, ferindo assim o principio da igualdade judicial, no entanto o que a Constituição quis foi proteger não o individuo e sim a função pública ou a dignidade do cargo que ocupa, obviamente ele acaba por se beneficiar, mesmo que reflexamente. Está é uma questão complexa e polêmica que vem dividindo opiniões na doutrina, para alguns deveria ser extinto o privilegio concedido pelo foro especial por ferir frontalmente o principio aqui tratado; para outros não existe descumprimento do principio devendo prevalecer o que a Constituição Federal previu sobre o tema.


1.3 – Princípio da Humanidade

A Declaração Universal dos Direitos Humanos considera o principio da humanidade e da dignidade como os mais relevantes princípios, relata no seu preâmbulo: “Considerando que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo (...) Considerando que as Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e valor da pessoa humana (...)” Ainda prevê no arts. V e VI que no plano internacional que "Ninguém será submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante" e que "Todo homem tem o direito de ser em todos os lugares reconhecido como pessoa perante a lei".

Na Constituição Federal no art. 1° inciso III, está previsto a dignidade da pessoa humana, no art. 5° incisos III e XLIX, está previsto o principio da humanidade. Do inciso III, do art. 5° que diz "ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante", ficam estabelecidas certas garantias processuais que de o processo penal não pode expor o homem a situações degradantes e torturante, não pode ele mesmo assumir forma desumana, não pode aplicar penas de tortura ou pena de morte, cabendo assim a todos direitos que devem ser providenciados pelo Estado como: um processo acusatório rápido, limitação a prisão preventiva, separação de presos condenados dos processados e dos provisórios, bem como a integridade física e moral do preso (art. 5° inciso XLIX), pois o processo penal priva o homem da sua liberdade mais não da sua dignidade.


1.4 – Princípio do Devido Processo Legal

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 asseverava que “Ninguém pode ser acusado, preso ou detido senão nos casos determinados pela lei e de acordo com as formas por esta prescrita. Os que solicitam, expedem executam ou mandam executar ordens arbitrárias devem ser punidos (...)". A Declaração das Nações Unidas, de 1948, repete a regra no seu art. IX: "Ninguém pode ser arbitrariamente preso, detido ou exilado". Por arbítrio, entende-se a inexistência de lei ou o abuso de direito.

A Constituição Federal no art. 5°, inciso LIV, que "ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal". Dessa forma é assegurado a todos um processo segundo a lei, não podendo ninguém ser privado de sua liberdade e dos seus bens, senão forem cumpridas a tramitações legais.

O doutrinador Scarance Fernandes afirmou, durante algum tempo, que visualizava o devido processo legal de uma forma individualista, onde eram resguardados os direitos públicos subjetivos da partes. Contudo modificou sua forma de pensar, pois diante de um posicionamento publicista teve que considerar os princípios e garantias das partes e do próprio processo, como um instrumento justo da prestação jurisdicional, afirmando que cabe ao juiz resolver os casos a ele apresentados da forma mais justa, evitando a arbitrariedade do Estado.

Dessa forma, não deve assim ser aceito provas ilícitas no processo penal, pois se fosse concebida tal hipótese estaria se ferindo o principio do devido processo legal, inclusive o Supremo Tribunal Federal já decidiu a esse respeito, pois se descumprida tal garantia, a sanção seria a nulidade de acordo com a teoria fruit of the poisonous tree (“fruto da arvore envenenada”).


1.5 – Princípio do Contraditório

A Constituição Federal consagrou em seu artigo 5°, inciso LV, que "aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, pois garante a ampla defesa do acusado”. Esse princípio é uma garantia fundamental da justiça, isso porque deve ser permitida a ambas partes a paridade de armas, sendo assim todo ato produzido dentro do processo caberá igual direito à outra parte de discordar, aceitar ou simplesmente modificar os fatos e o direito alegado pelo autor, de acordo com o que lhe seja mais conveniente.

De acordo com Júlio Fabrini Mirabeti e Fernando da Costa Tourinho Filho acreditam que do contraditório decorrem duas regras importantes a da igualdade processual e da liberdade processual. Scarance Fernandes diferencia o contraditório da igualdade processual:

"O contraditório põe uma parte em confronto com a outra, exigindo que tenha ela ciência dos atos da parte contrária, com possibilidade de contrariá-los. O princípio da igualdade, por outro lado, colocam as duas partes em posição de similitude perante o Estado e, no processo, perante o juiz. Não se confunde com o contraditório, nem o abrange. Apenas se relacionam, pois ao se garantir a ambos os contendores o contraditório também se assegura tratamento igualitário”.

O contraditório não admite violações nem exceções, pela sua natureza constitucional, devendo assim ser consideradas inconstitucionais as normas que firam materialmente e formalmente esse principio, é o que acreditam Grinover e Dinamarco.


1.6 – Princípio do juiz natural

A Constituição Federal no art. 5°, inciso LIII, diz que: “Ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.Daí a garantia de ser ter um juiz imparcial, técnico, competente para resolver os conflitos demandados no Poder Judiciário, evitando assim o que ocorra nulla pena sine judice.

O descumprimento desse principio, anulará a sentença (condenatória e absolutória), pois ninguém pode ser condenado por juízo excepcional ou tribunal de exceção. O Código de Processo Penal prevê algumas exceções a esse principio como os processos de competência do júri, substituição de juizes por motivos diversos como férias e falecimento, por exemplo, e mudanças de competência como criação de novas varas ou redistribuição de processos, por exemplo.

Esse é um dos princípios constitucionais mais relevantes no processo penal, pois é através dele que ficam vedados os juízos e tribunais de exceção, art. 5° inciso XXXVII, limitando o poder punitivo do Estado, já que se faz necessário previa organização das cortes e tribunais, da delimitação da jurisdição e da competência


1.7 – Princípio do estado de inocência

A Declaração Francesa afirmava que: "Todo acusado é considerado inocente até ser declarado culpado (...)". A Declaração Universal dos Direitos do Homem relata também: "Toda pessoa acusada de um ato delituoso tem o direito de ser presumida inocente, até que a culpabilidade tenha sido provada de acordo com a lei, em julgamento público, no qual lhe tenham sido asseguradas todas as garantias necessárias à sua defesa" (art. XI). A Constituição Federal também prevê no art. 5°, inciso LVII, Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Diante dessas afirmativas, fica evidente que o Estado é quem deve provar os fatos criminais do individuo, havendo dúvida o juiz absolver o réu, não podendo assim condená-lo, sob pena de exercício arbitrário de poder.

Esse princípio admite exceções previstas no ordenamento jurídico como as prisões preventivas, anteriores ao trânsito em julgado da sentença condenatória. Nesse caso não haverá violação ao princípio do estado de inocência, segundo sinaliza o STJ na súmula n° 9, "A exigência de prisão provisória, para apelar, não ofende a garantia constitucional da presunção de inocência". No entanto muitas críticas foram feitas à cerca dessa posição do Superior Tribunal de Justiça, sendo que ainda há alguns doutrinadores firmes em posição divergente a essa.

Vale ressaltar que o juiz deve observar no caso concreto se há mesmo a necessidade da restrição antecipada da liberdade do acusado, bem como o efeito de desobrigar ao réu a prova da sua inocência posto que cabe ao Ministério Público provar a culpa do acusado.


2 - Limite ao Poder Punitivo do Estado

Como foi demonstrado ao longo do trabalho, os princípios constitucionais limitam o poder punitivo do Estado, principalmente no que tange a liberdade do réu. Dessa forma não se repetirá aqui o já exposto, no entanto vale analisar o pensamento de Edson Luis Baldan:

"O processo penal condenatório não é um instrumento de arbítrio do Estado. Ele representa, antes, um poderoso meio de contenção da persecução penal. Ao delinear um círculo de proteção em torno da pessoa do réu, que jamais presume culpado, até que sobrevenha irrecorrível sentença condenatória, o processo penal revela-se instrumento que inibe a opressão judicial e que, condicionado por parâmetros ético-jurídicos, impõe ao órgão acusador o ônus integral da prova, ao mesmo tempo em que faculta ao acusado, que jamais necessita demonstrar sua inocência, o direito de defender-se e de questionar, criticamente, sob a égide do contraditório, todos os elementos probatórios apresentados pelo Ministério Público".

A própria existência de um processo judicial limita o poder coercitivo do Estado, para tanto devem ser respeitadas as normas, os princípios constitucionais e as garantias dadas ao individuo, para que não haja abusos e violações aos seus direitos, a sua dignidade em quanto ser humano.


Conclusão:

Este trabalho busca analisar os principais princípios constitucionais no processo penal, tema este relevante para todos os acadêmicos da área jurídica já que desperta para um posicionamento crítico diante da realidade do processo penal e de como ela deve ser entendida à luz da Constituição Federal.

A proteção dada ao cidadão contra o arbítrio judicial e a coerção estatal, assegurando sua liberdade individual, restringida apenas se o órgão acusador comprovar mediante elementos de certeza a culpabilidade do réu, é uma questão que interessa diretamente a todos, independente de estarem ou não envolvidos na esfera jurídica, já que limita o poder punitivo do Estado.



Bibliografia:

- SCARANCE FERNANDES, Antonio, Processo Penal Constitucional, 1° edição, Editora Revista dos Tribunais, 2004.

- TOURINHO FILHO, Fernando da Costa, Manual de Processo Penal, 5º edição, Editora Saraiva, 2003.

- GRINOVER, Ada Pellegrini, Teoria Geral do Processo, 19º edição, Malheiros Editores, 2003.

- MORAIS, Alexandre de, Direito Constitucional, 11° edição, Editora Atlas, 2002.


- Sites:

www.stj.gov.br

www.google.com.br

www.jusnavigandi.com.br

Sobre o(a) autor(a)
Tahiana Fernandes de Macêdo
Estudante de Direito
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