A majoração disfarçada do ITBI pelo Decreto Municipal Paulista

A majoração disfarçada do ITBI pelo Decreto Municipal Paulista

Sobre a majoração do ITBI no município de São Paulo, pelo Decreto 46.228/05, esclarecendo sobre a inconstitucionalidade do mesmo, bem como a agressão aos princípios constitucionais.

Em 23 de agosto de 2005 o Prefeito de São Paulo, por intermédio do Decreto n.º 46.228/2005, pretende “ajustar” o valor venal do imóvel para a realização do cálculo do Imposto sobre a Transmissão “inter vivos” de bens imóveis e direitos a eles relativos –ITBI, contudo, o referido Decreto vem causando polêmicas no mercado imobiliário.

Não é para menos. Em uma simulação no site da prefeitura testou-se um terreno no Morumbi com valor venal de R$400 mil pelo IPTU, o resultado foi uma avaliação de R$1.2 milhão, ou seja, o triplo do valor anterior.

Portanto, pretende o Decreto corrigir monetariamente a base de cálculo do ITBI, conforme prescreve em seu art. 7º, §1º, senão vejamos:

"Art. 7º A base de cálculo do imposto é o valor venal dos bens ou direitos transmitidos.

§ 1º Considera-se valor venal, para efeitos deste imposto, o valor pelo qual o bem ou direito seria negociado à vista, em condições normais de mercado".

Surge então, a primeira dúvida: Que critérios ou condições serão utilizadas para identificar o valor de mercado?

Tal questão não é respondida pelo referido Decreto, o que afeta substancialmente a obrigação tributária, tendo em vista que a medida legal da grandeza do fato gerador, base de cálculo, é omissa neste ponto.

Neste sentido, Geraldo Ataliba em sua obra Hipótese de Incidência Tributária é enfático: “Efetivamente, em direito tributário, a importância da base imponível é nuclear, já que a obrigação tributária tem por objeto sempre o pagamento de uma soma de dinheiro, que somente pode ser fixada em referência a uma grandeza prevista em lei e ínsita no fato imponível, ou dela decorrente ou com ela relacionada”.

Adiante na leitura do Decreto 46.228/05 o art. 8º prescreve:

"Art. 8º A Secretaria Municipal de Finanças tornará públicos os valores venais atualizados dos imóveis inscritos no Cadastro Imobiliário Fiscal do Município de São Paulo.

§ 1º Os valores venais dos imóveis serão atualizados periodicamente, de forma a assegurar sua compatibilização com os valores praticados no Município, mediante pesquisa e coleta permanente, por amostragem, dos preços correntes das transações e das ofertas à venda no mercado imobiliário, inclusive com a participação da sociedade representada no Conselho de Valores Imobiliários.

(...)

"§ 3º O valor venal divulgado, em nenhuma hipótese, será inferior à base de cálculo do Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana – IPTU, utilizada no exercício da transação".

Conforme observado, o § 1º do art. 8º esclarece que os valores venais dos imóveis serão atualizados periodicamente, mediante pesquisa e coleta, por amostragem, dos preços correntes das transações, ou seja, trata-se de mera presunção, puro ato de majoração e não resultante de efetivas avaliações do valor venal.

Dessa forma, tal "atualização" disfarçada representa majoração do tributo ferindo o princípio da legalidade tributária previsto no art. 150, I da Constituição Federal, o qual exige Lei para a majoração de tributo, bem como art. 97, II do Código Tributário Nacional.

Não seria justo ao contribuinte, após uma avaliação baseada em presunção atualizar o valor venal, pedir a retificação do lançamento, sendo que, segundo o entendimento de Misabel Derzi & Sacha Calmon Navarro Coelho, “a tarefa de avaliar, de liquidar o tributo, de torná-lo certo, de aplicar os critérios legais de apuração do valor do imóvel, de cada contribuinte em particular, não é tarefa do Poder Legislativo mas do Poder Executivo: é ato estritamente administrativo”. “O Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana”, in Revista de Direito Tributário, São Paulo, Ed. Ver. Dos Tribunais, jan./jun. de 1979, nºs 7/8, p. 179.)

Cabe, portanto, ao município de São Paulo desenvolver instrumento jurídico “capaz de determinar, em cada caso concreto, a base de cálculo do IPTU/ITBI tanto quanto possível, próximo da realidade imobiliária local, e, ao mesmo tempo, propiciar ao sujeito passivo elementos que possibilitem a impugnação do valor venal atribuído a seu imóvel, ofertando avaliação contraditória, na forma do art. 148 do CTN”, conforme ensinamentos do brilhante advogado Kiyoshi Harada. (“ITBI: breves comentários sobre o Decreto nº 46.228/2005, do Município de São Paulo”).

Diante do exposto, o referido decreto ao pretender aumentar o tributo, ferindo o princípio da legalidade tributária previsto no art. 150, I da Constituição Federal, agride ainda princípios constitucionais como a anterioridade e a segurança jurídica.

O art. 150, II, “b”, prescreve que “é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: (...); II – cobrar tributos: (...); b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”.

Roque Carraza leciona que, “o princípio da anterioridade da anterioridade veda a aplicação da lei instituidora ou majoradora do tributo sobre fatos ocorridos no mesmo exercício financeiro em que entrou em vigor. Neste sentido, tolhe o agir não só da Administração Fazendária, como do próprio Poder Legislativo, já que o impede de estabelecer que a lei com tais características colha fatos ocorridos ‘no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada’”.

Portanto, em nosso entendimento, por tratar-se de um Decreto que pretende, não atualizar a base de cálculo do ITBI, mas sim majorá-la, deve então o princípio da anterioridade ser respeitado.

Assim, quando a Constituição torna expresso tal princípio, art. 150, II, “b”, ela implicitamente proíbe a utilização de artifícios exegéticos, meios de prova, presunções, ficções, indícios etc., que, à falta deste ato normativo, levem a um destes resultados.

Os tipos tributários como se fecham a realidade tributária, não podem ser alargados por meio de presunções, ficções ou meros indícios. É inadmissível que o agente fiscal abra aquilo que o legislador, atento aos ditames constitucionais, cuidadosamente fechou. Ainda que o agente fiscal pretenda impedir, no caso do ITBI, a realização de transações imobiliárias onde se omite o valor real da operação, inserindo-se na escritura um valor qualquer, ao arbítrio das partes não autoriza a utilização do arbítrio.

Portanto, ainda que o município de São Paulo busque a justiça por intermédio do Decreto, o mesmo não prevalece sobre a segurança jurídica, que o princípio da tipicidade fechada confere aos contribuintes.

Por derradeiro, o Decreto 46.228/05 fere o princípio da não-surpresa do contribuinte, onde torna-se necessário que os povos conheçam com razoável antecedência o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem planejar as suas atividades levando em conta os referenciais da lei.

Conforme entendimento do professor Eduardo Maneira, assistente na cadeira de Direito Tributário da UFMG: “O princípio da não-surpresa da lei tributária é instrumento constitucional que visa garantir o direito do contribuinte à segurança jurídica, essencial ao Estado de Direito, qualquer que seja a sua concepção (...). Por isso, entendemos que o imutável é o direito do contribuinte à segurança jurídica, do qual a legalidade é o mais importante elemento concretizador. A anterioridade, conexa com a legalidade, não pode ser abolida, mas pode, sim, ser aperfeiçoada.”

Em face ao Decreto ter entrado em vigor na data da sua publicação, não houve tempo adequado ao contribuinte para conhecimento de seu teor, nem tão pouco do nível de “atualizações” realizadas, o que causou surpresa e revolta ao mercado imobiliário.

Sobre o(a) autor(a)
Thiago Carvalho Santos
Sócio do escritório Carvalho Santos & Pantaleão Advogados, especializado em Direito Empresarial, Tributário e Falimentar.
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