A fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar - mão dupla

A fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar - mão dupla

Trata sobre o sincretismo processual trazido pela inserção do parágrafo sétimo do art. 273 do CPC e a possibilidade de mão dupla no que tange à fungibilidade entre as medidas de urgência.

A modificação trazida pela inserção do § 7º ao artigo 273, do Código de ritos é o tema principal do presente estudo.

Trata-se de substancial alteração no instituto da tutela antecipada, visto que o § 7º, introduzido pela Lei nº 10.444/02, estabelece a fungibilidade entre a tutela antecipada e a medida cautelar. A partir de agora, o causídico não precisará ter receio em requerer uma tutela em lugar de outra, uma vez que, conforme a novel redação do art. 273, § 7º, do Digesto Processual Civil, fica autorizado ao órgão julgador conhecer e deferir a medida cautelar no caso do autor requerer a antecipação de tutela quando, na verdade, é cabível a tutela cautelar, desde que, obviamente, estejam presentes os pressupostos legais e imprescindíveis para a concessão do provimento.

Assim, basta que o advogado tenha se equivocado ao pedir uma medida cautelar dentro de um processo de conhecimento, atribuindo-lhe o rótulo de “tutela antecipada”. Isto fará com que o juiz, analisando tal requerimento e verificando que a medida pretendida tem a natureza cautelar, e, ainda estando presentes os requisitos desta, deverá concedê-la.

É necessário salientar que os doutrinadores pátrios têm entendido que este parágrafo veio, praticamente, mitigar a aplicabilidade do processo cautelar na atividade jurisdicional, pois é muito mais conveniente, cômodo e barato utilizar a antecipação da tutela.

Contudo, a dúvida, no que toca ao instrumento processual cabível para requerer o provimento tutelar, tem que ser plausível, sob pena de privilegiar a má-fé, tendo em vista que o ajuizamento de uma ação cautelar implicará o ônus das custas judiciais, bem como o pagamento dos honorários advocatícios à parte sucumbente, não se encontrando os aludidos dispêndios no pedido de antecipação de tutela.

Isto porque, consoante se infere do art. 20 do Digesto Processual Civil, os honorários advocatícios advirão de sentença condenatória e não de decisão interlocutória condenatória, motivo pelo qual não haverá pagamento da verba honorária na decisão que concede ou denega o pedido de antecipação de tutela e também não haverá o pagamento de custas judiciais, uma vez que por ocasião do ajuizamento da ação principal é que há o adimplemento da referida obrigação legal, restando claro, dessa forma, que o novel dispositivo legal não tem o fito de abrandar a aplicabilidade da medida cautelar e, sim, de emprestar maior efetividade ao processo civil.

O douto Nereu José Giacomolli, Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, trata da matéria em comento com muita percuciência, vejamos argumentação embutida na decisão monocrática proferida pelo douto julgado em sede de agravo de instrumento:

Com efeito, a Lei n. 10.444, de 07/05/2002, introduziu o parágrafo 7º, no art. 273, do Código de Processo Civil, criou a regra de fungibilidade processual recíproca entre medidas cautelares e tutelas antecipatórias, de modo a permitir ao juiz a conversão do pedido de tutela antecipada em medida cautelar, com o processamento desta em autos apartados.

Com esta nova disposição, tem o demandante ora agravado a faculdade de optar pelo pedido de tutela antecipada ou pelo ajuizamento de cautelar, pois a Lei antes mencionada não visou impedir o ajuizamento de cautelares.

Embora a existência de corrente jurisprudencial entendendo que a partir da incorporação do instituto da antecipação de tutela por nossa legislação processual, não mais se justificaria o ajuizamento de cautelar, quando o provimento da liminar pode ser obtido na própria ação de conhecimento, mediante antecipação da tutela, tenho que compete à parte autora decidir qual a melhor forma de obter o provimento judicial que objetiva conseguir.” (www.tj.rs.gov.br. Agravo de Instrumento n°70007523038. Relator - Nereu José Giacomolli - nona câmara cível)”

Depreende-se, portanto, que, no tocante ao ponto de vista processual, não há óbice algum no conhecimento de um pedido de liminar como antecipação de tutela ou como medida cautelar, haja vista que o que define a natureza jurídica da pedido é a essência da pretensão deduzida em juízo e não o eventual nomem juris que o requerente tenha, porventura, atribuído em sua peça. Assim, cumpre ao magistrado, com lastro na instrumentalidade, na efetividade do processo e na fungibilidade que tem sua razão de ser apenas na realização efetiva dos direitos, conhecer do pedido segundo a sua natureza jurídica em função da essência do que é postulado e não pelo rótulo que vem externando, uma vez que no ordenamento jurídico brasileiro não há a chamada tipicidade de ações.

Não discrepando do entendimento acima exarado, os pretórios pátrios vêm assim se posicionando a respeito do tema ventilado, conforme se infere do teor das ementas abaixo transcritas:

DIREITO PRIVADO NÃO ESPECIFICADO. AÇÃO CAUTELAR PREPARATÓRIA DE SUSTAÇÃO DE PROTESTO. Desconstituição da sentença que extinguiu o processo com força no artigo 267, inciso i, c/c o art. 295, inciso V, ambos do CPC, sob o fundamento de que medida cautelar é incabível para os casos de antecipação de tutela. a Lei n. 10.444, de 07/05/2002, introduziu o par. 7, no art. 273, do CPC, criando regra de fungibilidade processual recíproca entre medidas cautelares e tutelas antecipatórias, observados os requisitos que lhes são respectivos, deste modo consolidando orientação jurisprudencial que rejeitava a sacralização das formas processuais, evitava a criação de estado de perplexidade jurídica para o jurisdicionado e afirmar que o processo judicial não e um fim em si mesmo. Apelo provido. Sentença desconstituída. (TJRS, Apelação cível nº 70004267977, 14ª Câmara Cível, Relator: Aymoré Roque Pottes de Mello, julgado em 12/09/2002)”

CAUTELAR . SUSTAÇÃO DE PROTESTO. POSSIBILIDADE. Ensina a doutrina à relatividade da distinção entre a antecipação da tutela de conhecimento e a tutela cautelar. Nada obsta a apreciação da providencia buscada pelo autor em ação cautelar preparatória, não obstante pudesse ter sido pleiteada na ação revisional, como antecipação de tutela. sentença desconstituída. apelação provida. (TJRS, Apelação cível nº 70000454371, 13ª Câmara Cível, Relator: Des. Márcio Borges Fortes, julgado em 16/12/1999)”.

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE ANULAÇÃO DE ASSEMBLÉIA. PEDIDO DE INTERVENÇÃO. ARTIGO 273, § 7º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL.I - Consoante precedentes jurisprudenciais desta Corte, a regra do artigo 542, § 3º, do Código de Processo Civil, que determina a retenção do recurso especial, admite temperamentos, sob pena de se tornar inócua a ulterior apreciação da questão pelo Superior Tribunal de Justiça. II - Apesar de se ter deferido, em caráter liminar, a intervenção na pessoa jurídica, cujo pedido foi formulado em autos de processo de conhecimento onde se postulou a nulidade de assembléia, já à época em que proferida a decisão, doutrina e jurisprudência vinham admitindo a fungibilidade das medidas urgentes, tendência que culminou com a inserção do § 7º no artigo 273 do Código de Processo Civil pela Lei nº 10.444/02. III - Tal providência se justifica em atendimento ao princípio da economia processual, haja vista que nem sempre é fácil distinguir se o que o autor pretende é tutela antecipada ou medida cautelar, conceitos que não podem ser tratados como sendo absolutamente distintos. Trata-se, diversamente, de duas categorias pertencentes

a um só gênero, o das medidas urgentes. (RESP 202740 / PB ; RECURSO ESPECIAL 1999/0008245-1. Ministro CASTRO FILHO. TERCEIRA TURMA. DJ 07.06.2004 p.00215)”

Entrementes, não obstante a inovação normativa conferida ao art. 273, §7.°, do Código Instrumental é necessário asseverar que o julgador deverá proceder com extrema cautela ao aplicar o comando normativo emanado do citado dispositivo legal, tendo em vista que a mens legis é no sentido de premiar e impulsionar a instrumentalidade do processo e não no sentido de favorecer manobras processuais ardilosas de determinados causídicos, como, por exemplo, burlar o pagamento de custas judiciais e dos honorários advocatícios, bem como impedir a aplicabilidade do correto rito processual.

Impede suscitar que o princípio da fungibilidade já se encontra presente no sistema recursal de forma implícita, onde há admissibilidade em determinadas hipóteses, do recebimento de um recurso por outro, evitando, assim, o desnecessário formalismo no conhecimento dos recursos e as injustas conseqüências que podem advir do rigor processual.

O princípio em questão também se faz presente no processo cautelar, como ficou demonstrado alhures, sendo de grande valia para o magistrado no exercício do seu mister, uma vez que confere poderes ao juiz no exercício da prestação da tutela jurisdicional cautelar conhecer o meio processual erroneamente ou impropriamente utilizado pelo requerente de determinada medida jurisdicional, acautelando, assim, a pretensão requerida, mesmo que o instrumento processual utilizado não seja pertinente.

E é partindo dos pressupostos estatuídos e aplicados à fungibilidade recursal e ao processo cautelar que deverá ser norteado a aplicabilidade do princípio em tela, ou seja, a partir da dúvida objetiva que impera no caso sub judice é que deverá o magistrado aplicar o permissivo contido no art. 273, § 7, do Código de Ritos, isto é, conhecer da medida cautelar em detrimento do pedido de antecipação de tutela, desde que presentes os requisitos daquela medida cautelar, sob pena de prestigiar a má utilização do processo para fins de burlar a própria legislação vigente e, outrossim, os próprios institutos jurídicos.

Contudo, muito mais do que servir de permissivo para a correção dos “erros” cometidos pelos advogados (ou também, e por que não, pelos juízes), o §7.° veio inserir um novo e interessante paradigma no nosso sistema processual civil: consolidou, de uma vez por todas, o sincretismo, pelo qual se admite que, num só “tipo” de processo, possam ser deferidas as tutelas cognitiva, executiva ou cautelar.

Assim, a modificação mencionada alhures veio para mudar a alma do processo civil, consagrando um verdadeiro sincretismo das tutelas jurisdicionais, admitindo que se possa falar em utilização de diferentes tutelas num mesmo processo, ou seja, o deferimento de tutela cautelar no bojo de um processo de cognição etc.

Vejamos o brilhante posicionamento do ilustre Fredie Didier Jr. [1]:

É possível agora sem mais qualquer objeção doutrinária, a concessão de provimentos cautelares no bojo de demandas de conhecimento. Não há mais necessidade de instauração de um processo com objetivo exclusivo de obtenção de um provimento acautelatório: a medida cautelar pode ser concedida no processo de conhecimento, incidentalmente como menciona o texto legal. A redação do dispositivo é bem clara: “Se o autor, a titulo de antecipação de tutela, requerer providencia de natureza cautelar, poderá o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos, deferir a medida cautelar em caráter incidental no processo ajuizado”.

(...)

O processo de conhecimento, que com a reforma de 1994 já havia recebido grandes doses de efetivação e asseguração (a própria antecipação da tutela, que possui funções executivas e de segurança), com essa nova mudança atingiu a quase-plenitude do sincretismo das funções jurisdicionais: na própria relação jurídica processual com função cognitiva, podem ser alcançadas a tutela cautelar e a tutela executiva. Observando-se o quadro de mudanças legislativas, notadamente no que diz respeito ao incremento da tutela diferenciada das obrigações de dar coisa distinta de dinheiro, fazer e não fazer, pode-se tranqüilamente identificar uma tendência inexorável de nossa legislação: a unificação dos “processos”. Com o claro objetivo de acabar com a vetusta exigência de que, para cada função jurisdicional, uma relação jurídica processual própria, transforma-se a relação jurídica processual de conhecimento, que passa a ter a característica da “multifuncionalidade”. Aplausos.”

Importante afirmar que os requisitos exigidos para o deferimento da medida cautelar continuam os mesmos, apenas o legislador decidiu conferir maior efetividade ao processo, uma vez que, presentes os seus pressupostos e não aqueles pertinentes à tutela antecipada, sabiamente mais rigorosos, poder-se-ia deferir a medida mesmo em processo de conhecimento.

Outrossim, evidenciada tal situação, há quem diga que o processo cautelar perderia seu objetivo. Contudo, tal posicionamento, é, de todo, equivocado.

Realmente, impossível negar que, conferida ao julgador a possibilidade de utilizar-se do princípio da fungibilidade das medidas, escoar-se-ia um pouco do conteúdo material das medidas cautelares. Contudo, ainda restarão ao processo cautelar autônomo três utilidades, quais sejam a ação cautelar incidental, tendo em vista a necessária estabilização da demanda acautelada que já fora ajuizada e, também, como forma de não tumultuar o processo com o novo requerimento; nas hipóteses em que a ação cautelar é daquelas que dispensam o ajuizamento da ação principal, exatamente por não se tratar de medida cautelar ou cautelar restritiva; e, por fim, nas hipóteses em que, analisando o caso concreto, seja de maior eficácia, devido à urgência, o ajuizamento de ação cautelar visando resguardar os direitos da parte.

Outro ponto interessante é a possibilidade da utilização da fungibilidade de mão de dupla, ou seja, da mesma forma que se utiliza o princípio trocando a antecipação de tutela pela medida cautelar, propõe-se a medida cautelar pela antecipação de tutela.

A doutrina majoritária segue os ensinamentos do Professor Humberto Theodoro Junior, que afirma que a fungibilidade só poderia ocorrer em um sentido, qual seja da antecipação de tutela para o provimento cautelar. Era chamada de “regressiva” para fins didáticos.

A própria leitura do § 7º do art. 273 dirige o pensamento para a doutrina supra apontada, levando os operadores do direito a concluir que somente é permitida a fungibilidade regressiva, uma vez que os requisitos da tutela antecipada são muito mais rigorosos do que aqueles concessivos de medida cautelar.

Contudo, o ilustríssimo mestre Cândido Dinamarco insiste em afirmar que o contrário também seria permitido, ou seja, a tutela progressiva – concessão, pelo julgador, de antecipação de tutela quando feito um pedido cautelar.

Elucidando melhor esta doutrina, encontro o jurista Fredie Didier Jr que defende não a fungibilidade progressiva, mas a possibilidade de aplicação, no caso concreto, do quando disposto no art. 295, V, do Código Adjetivo Civil, ou seja, verificando a possibilidade de concessão da tutela antecipada em troca da cautelar, converte-se o procedimento para o rito comum, intimando-se o autor para que emende a peça vestibular. Vejamos o entendimento desse jurista [2]:

Se a parte requerer medida antecipatória/satisfativa via processo cautelar, e o magistrado entender que os requisitos da tutela antecipada estão preenchidos, deve ele conceder a medida, desde que determine a conversão do procedimento para o rito comum (ordinário ou sumário, conforme seja), intimando o autor para que proceda, se assim o desejar ou for necessário, às devidas adaptações em sua petição inicial, antes da citação do réu. Essa medida pode ser tomada de ofício, com base no art. 295, V, do CPC. Em hipótese alguma deve determinar a extinção do feito, sob a absurda rubrica da ausência de interesse de agir. A conversibilidade do procedimento é uma das maiores manifestações do princípio da instrumentalidade das formas, e não pode ser olvidada. Trata-se, aqui, de adaptação da fungibilidade dos provimentos de urgência, junto com uma adaptação procedimental: acaso requerida uma medida antecipatória pelo procedimento equivocado (cautelar), corrige-o o juiz – em situação contraria, como visto, não é necessária essa conversão procedimental. (...)”

Em que pese o pensamento do renomado jurista, filio-me à primeira doutrina, concebendo apenas a possibilidade de concessão de fungibilidade regressiva. Isto porque, acredito que o rito processual descrito no Código de Processo Civil deve ser seguido, não apenas em respeito à própria legislação federal coercitiva, mas também em face da segurança jurídica.

A tutela antecipada é medida que necessita de requerimento pela parte, além de outros requisitos, ou seja, mesmo estes presentes, jamais, através da fungibilidade, se poderá ver suprida aquela primeira condição.

Não obstante o fato de ser a doutrina fonte do direito e, data máxima vênia, com o devido respeito a todos os ilustríssimos doutores, não podem os operadores jurídicos utilizar-se de malabarismos processuais a fim burlar os dispositivos de legislação infraconstitucional no desiderato de, eliminando a segurança jurídica, resguardar o direito de uma das partes.



[1] JORGE, Flavio Cheim, JUNIOR, Fredie Didier, RODRIGUES, Marcelo Abelha, A nova reforma processual, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003. pg. 85.

[2] JORGE, Flavio Cheim, JUNIOR, Fredie Didier, RODRIGUES, Marcelo Abelha, A nova reforma processual, 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2003. pg. 92.

Sobre o(a) autor(a)
Bruna Timbó
Bacharel em Direito
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