Da impossibilidade da autoridade judiciária determinar provas ex-officio - Art. 156 do CPP
Tem por finalidade avaliar o Art. 156 do CPP sob uma ótica constitucional, revelando a patente contradição entre a faculdade do Juiz determinar provas de ofício em busca da "verdade real", quer em sede de Ação Pública, quer Privada.
O
presente trabalho visa demonstrar a patente incompatibilidade existente no atual ordenamento jurídico pátrio entre a faculdade conferida ao órgão julgador da lide penal determinar, ex officio, diligências para dirimir eventual dúvida sobre ponto relevante, e a necessária imparcialidade do mesmo à profícua prestação jurisdicional.
Não obstante revelar a flagrante inconstitucionalidade da segunda parte do art. 156 do Código de Processo Penal e conseqüente ilicitude de prova obtida de ofício, demonstrar-se-á iníqua a distinção entre verdade formal e material. Ademais, virá à luz do debate a incompatibilidade da determinação de provas ex officio em sede de Ação Penal de iniciativa privada.
1. INTRODUÇÃO.
Inicialmente, transcreve-se, in verbis, o art. 156 do Código de Processo Penal, pois é a partir dele que a explanação do presente tema se desenvolverá:
Art. 156. A prova da alegação incumbirá a quem a fizer; mas o juiz poderá, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, determinar, de ofício, diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (grifos nossos).
O dispositivo legal transcrito acima é de fácil intelecção, dele inferindo-se o ônus da prova em Processo Penal: a prova da alegação cabe à parte que a fizer, quer seja o Ministério Público ou o Querelante, conforme a titularidade da iniciativa da Ação Penal, quer seja o acusado em sua defesa.
Na segunda parte do dispositivo confere-se ao Magistrado a faculdade de determinar diligências de ofício que, dentro de seu Poder Discricionário, entenda necessárias para dirimir eventual ponto controverso que porventura influencie no desfecho da lide penal.
Entretanto, faz-se necessária importante ressalva neste ponto, cerne da questão levantada neste artigo: estaria o juiz criminal atuando com a imparcialidade que lhe deve ser inerente para a eficaz prestação jurisdicional a partir do momento em que deixa sua posição de inércia (pois deve se colocar inter e supra-partes no processo; eqüidistante, enfim) e, determinando diligências ex officio, começa a investigar? Ao fazê-lo, o magistrado não estaria tornando-se suspeito? Não estaria a deturpar o sistema processual vigente no nosso país implantado e fortalecido pela Constituição de 1988, qual seja, o Sistema Acusatório como meio mais efetivo de garantir o cidadão face aos arbítrios estatais, transformando-o em um sistema Inquisitivo e, conseqüentemente, desviando-lhe a finalidade investigatória para inquisitória? Não seria ilícita a prova colhida ex officio pelo magistrado, por tal ato lesionar o principio constitucional que determina que sua atuação deverá ser imparcial? E, finalmente, em sede de ação penal de iniciativa privada haveria contradição em admitir-se que o juiz possa determinar provas de ofício?
2. DO DEVIDO PROCESSO LEGAL E SEUS SUB-PRINCÍPIOS.
Nossa Constituição Federal, em seu art. 5°, LII, diz textualmente que “ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”, recepcionando o princípio do Due Process of Law, no qual o Estado-Juiz deverá seguir diversos trâmites e formalidades antes de proferir sentença privando o indivíduo de seus bens e, principalmente, de sua liberdade.
Tal instituto possui o notório objetivo de salvaguardar o cidadão, que porventura seja alvo do Jus Puniendi, do arbítrio estatal, garantindo que este proferirá uma decisão válida, humana, proporcional e justa.
O princípio de devido processo legal engloba direitos e garantias ao acusado tais quais o direito a ter total ciência dos fatos que lhe são imputados, de produzir todas as provas que estejam ao seu alcance com o fim de evitar uma injusta condenação e, neste caso poderá, inclusive, aproveitar as provas carreadas aos autos pela acusação,entre outros.
Decorre deste princípio a certeza de que presidirá o processo e avaliará as provas que podem lhe condenar ou não, um funcionário do Estado, devidamente investido no cargo e essencialmente imparcial, situando-se eqüidistante e acima das partes (inter e supra-partes).
Este funcionário estatal avaliará as evidências, pronunciando-se a propósito da efetiva materialidade do fato, acerca da autoria do mesmo e avaliará a possibilidade de imputar-se o fato tido como típico ao acusado (insta lembrar que em sede de Direito Penal não existe Responsabilidade Objetiva), bem como os elementos normativos do tipo, quais sejam, Tipicidade, Antijuridicidade e Culpabilidade.
Após isto, decidirá o conflito entre o suposto direito que o Estado reclama de punir (Jus Puniendi) e o direito de liberdade (Jus Libertatis) do integrante da coletividade pela suposta conduta que lhe é imputada, visando retribuir o mal feito (função retributiva da pena), quer tentando ressocializá-lo, quer inserindo no ordenamento jurídico novos delitos (função preventiva da pena), o que vai de encontro ao direito do acusado de não se ver privado de sua liberdade e de seus bens, permanecendo livre.
Entendemos, então, que princípios como o do Juiz natural e imparcial, contraditório, ampla defesa com todos seus meios inerentes, vedação de provas ilícitas e presunção de inocência estão contidos no princípio do devido processo legal, caracterizando-se, portanto, como sub-princípios deste e sua ausência acarreta, conseqüentemente, nulidade da persecutio criminis pelo atropelo à Garantia Constitucional, tornando a condenação por si só um hediondo arbítrio do Estado. Deve-se, desta forma, prestar cega observância à conformidade com a constituição para fins de legítima aplicação do jus puniendi, consoante o sempre feliz magistério do mestre Paulo de Souza Queiroz, o qual observa a existência de uma hierarquia entre a Constituição e as demais leis, bem como o mister de um controle de constitucionalidade de todos os atos jurisdicionais e em especial para as medidas penais ao dizer que "Semelhante controle vale sobretudo para as disposições penais, já que são as que incidem mais energicamente sobre a liberdade dos indivíduos (penas, medidas de segurança, prisões cautelares)" (1).
De sorte que é essencial para uma legítima punição que se obedeça o Princípio do Devido Processo Legal juntamente com seus sub-princípios sob pena da sanção penal passar a possuir natureza meramente arbitrária, dissociada de um Estado dito democrático de Direito.
3. CRÍTICAS À “VERDADE REAL”.
“Verdade e certeza são conceitos absolutos, dificilmente atingíveis no processo ou fora dele”, Ada Pellegrini Grinover (2).
Conforme aludido no início deste artigo, fácil torna-se a compreensão do porquê da existência da faculdade conferida ao Juiz pelo art. 156 do Código de Processo Penal quando, lastreado na doutrina dominante, admite-se a, data vênia, equivocada divisão da verdade processual em Formal e Real.
Segundo a tradicional doutrina, a Verdade Formal encontra-se somente em sede de Processo Civil, no qual o Juiz encontra-se limitado às provas carreadas aos autos pelas partes, e a Verdade Real no Processo Penal, no qual o órgão julgador não se restringe às provas produzidas pelas partes. Assim, encarando-se o juízo de convicção que se forma ao deslinde da lide penal como lastreado no princípio da verdade material ou real, facultado é ao magistrado em, entendendo conveniente, não se limitar às provas carreadas aos autos pelas partes, superando, conseqüentemente, a desídia das mesmas e determinando, de ofício, diligências que visem à colheita de material probatório com o intuito de alcançar a verdade real ou histórica dos fatos.
Contudo, entendemos tal acepção da verdade processual de impossível realização por motivo lógico, pois se encontra assentada numa premissa falsa: não existe a dicotomia entre verdade formal e material. Isto ocorre pelo simples fato de que a verdade é uma só, pois o Juiz somente pode se ater aos fatos que estão no processo, ignorando, conseqüentemente, quaisquer fatos não carreados aos autos, porque “o que não está nos autos, não está no mundo”. Logo, torna-se impossível a existência de duas espécies de verdade processual, como preconizado há muito pela doutrina tradicional porque somente existirá uma verdade processual: a que estiver no processo, desta forma, a verdade processual é uma só.
Tal acepção da verdade processual é verídica pois a verdade que a lei processual impõe não é uma verdade absoluta, é antes condicionada ou restringida pelas limitações legais aos meios de prova e de sua conseqüente admissão, bem como impossibilidade de se reproduzir perfeitamente o fato ocorrido. Corroborando a posição aqui adotada pode-se trazer a lume que nem mesmo no processo civil vige o princípio da verdade formal de maneira absoluta, pois o juiz pode determinar, também, diligências probatórias de ofício necessárias à instrução do processo, conforme o art. 130 do Código de Processo Civil. Ademais, o mestre Alexandre Freitas Câmara expõe que “(...) o processo civil busca a verdade real, ou seja, o objetivo maior do processo civil é atingir um grau tal que permita a prolação de um provimento que corresponda à verdade dos fatos, ou seja, à certeza” (3) (grifos nossos).
Não obstante, o mestre Humberto Theodoro Júnior afirma que “O juiz não pode eternizar a pesquisa da verdade, sob pena de inutilizar o processo e de sonegar a justiça postulada pelas partes. O processo é um método de composição dos litígios. As partes têm que se submeter às suas regras para que suas pretensões, alegações e defesas sejam eficazmente consideradas. A mais ampla defesa lhes é assegurada, desde que feita dentro dos métodos próprios da relação processual. Assim, se a parte não cuida de usar das faculdades processuais e a verdade real não transparece no processo, culpa não cabe ao juiz de não ter feito a justiça pura, que, sem dúvida, é a aspiração das partes e do próprio Estado. Só às partes, ou às contingências do destino, pode ser imputada semelhante deficiência. Ao juiz, para garantia das próprias partes, só é lícito julgar segundo o alegado e provado nos autos. O que não se encontra no processo, para o julgador não existe.(...) Em conseqüência, deve-se reconhecer que o direito processual se contenta com a verdade processual, ou seja, aquela que aparenta ser, segundo os elementos do processo, a realidade” T
Assim, deve-se considerar, hodiernamente, verdade material e formal para referir-se tão somente às limitações impostas ao órgão julgador e às partes na busca dos fatos e não a uma suposta existência de espécies de veritas processual.
Citando o sempre genial Fernando de Tourinho Filho “É certo, ademais que mesmo na justiça penal, a procura e o encontro da verdade real se fazem com as naturais reservas oriundas da limitação e falibilidade humanas, e, por isso, melhor seria falar de uma ‘verdade processual’, ou ‘verdade forense’, até porque por mais que o juiz procure fazer a reconstrução histórica do fato objeto do processo, muitas e muitas vezes o material que dele se vale (ah, as testemunhas..) poderá conduzi-lo a uma falsa verdade real” (5).
Então, a partir do momento em que se refuta a dicotomia da verdade processual em Formal e Material, afirmando-se que a verdade processual é uma só, caem por terra os argumentos de que o juiz deve buscar uma verdade histórica, ou seja, que este deve tentar, máxime alguns detalhes que, eventualmente, tornem-se ignorados ou olvidados por motivos alheios à sua vontade, reconstituir os fatos como ocorreram, nem que para desincumbir-se de tal mister necessite abandonar sua posição eqüidistante às partes, porque nunca existirá a verdade real ou material ou, ainda, histórica, mas apenas a verdade processual, aquela que foi trazida ao processo por iniciativa e somente pelas partes, pois não se coadunam com o Sistema Acusatório métodos inquisitivos.
4. DA ILICITUDE E INCONSTITUCIONALIDADE DA PROVA COLHIDA EX OFFICIO PELO MAGISTRADO.
Entende-se por Prova Ilícita a prova produzida lesionando alguma norma de direito material (sendo um fato de natureza ilícita) ou de direito processual, quando não se observa um rito determinado, sendo também conhecida por parte da doutrina como prova ilegítima. Manifestamente inadmissíveis em sede de Processo Penal, torna-se patente a ilegalidade de condenação lastreadas somente em uma prova desse tipo.
O fato de a Carta Magna determinar que ao julgar deve o magistrado estar acima e eqüidistante às partes e o fato de que esse ao determinar alguma prova estará usurpando o papel de uma delas, quer seja a acusação, quer seja a defesa, conclusão lógica é a de que, por lesionar não apenas uma simples regra de direito material, mas a maior de todas, que deveria servir de norte a toda aplicação do direito positivo, fica patente a inconstitucionalidade e ilegalidade da prova colhida ex officio pelo magistrado.
Já quanto à defesa, entendemos que se poderia admitir a prova colhida ex officio desde que fosse favorável ao réu, pois esta como outras provas ilícitas entendemos serem admissíveis para o beneficio da defesa, consoante o sentir do mestre Fernando Capez: “se uma prova ilícita ou ilegítima for necessária para evitar uma condenação injusta, certamente deverá ser aceita” (6).
O art. 129, I, da CRFB determinou que o dominus litis da Ação Penal Pública, incondicionada ou condicionada, é o Ministério Público, afirmando que este a “a promoverá privativamente”. Portanto, o referido artigo estabeleceu que somente o Ministério Público possui a legitimação extraordinária ad causam para propor a Ação Penal, ou seja, somente o órgão ministerial possui legitimação ativa para propor a Ação Penal Pública e o mesmo dispositivo constitucional silenciou-se a respeito de legitimação extraordinária transferida a outras autoridades, como, p. ex., a judicial e a policial.
Desta forma, com o advento da CRFB de 1988, somente o Ministério Público é que poderá dar inicio à persecução penal em caso de ação penal pública, já que possui a legitimatio ad causam, ficando vedados e, conseqüentemente, eivados de inconstitucionalidade todos e quaisquer dispositivos infraconstitucionais que autorizarem procedimentos ex officio de autoridades. Assim, pode-se dizer que tais procedimentos iniciados ex officio não mais subsistem no ordenamento jurídico brasileiro hodierno, porque estas autoridades agora carecem da necessária legitimatio ad causam. Esta somente é transferida ao Ministério Público nas ações penais públicas e casos de legitimação extraordinária somente podem advir da lei, in casu, a Constituição da República Federativa do Brasil.
Isto se deve à entrega do pólo ativo (como dito nos parágrafos anteriores) da persecutio criminis ao Ministério Público privativamente pelo referido artigo da Magna Carta. Além disto, tal vedação ocorre indiretamente por causa do princípio da inocência (CRFB, art. 5º, LVII) e do devido processo legal (CRFB, art. 5º, LIV), cujas razões já foram expostas linhas acima e, além disto, estar-se-ia ab-rogando, tacitamente, estes princípios constitucionais em admitir-se intelecção em contrário.
Não obstante, o art. 129, VIII, da CRFB determina que compete à instituição do Ministério Público requisitar diligências investigatórias, indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais. Etimologicamente, requisitar é requerer à autoridade, pedir ou requerer legalmente. Nota-se, portanto, que requisitar é espécie de requerer, pois diz respeito especificamente ao ato de requerer perante autoridade ou exigir dela algo que deva fazer ou omitir-se em virtude de lei. Dessarte, infere-se do dispositivo, cuja intelecção é de fácil apreensão, que o órgão ministerial poderá requisitar diligências investigatórias, desde que indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais e, assim, a CRFB, indiretamente, vedou a possibilidade do órgão julgador determinar diligências de ofício, porque apenas referiu-se expressamente ao Ministério Público, e não àquele.
Partindo-se do fato de que o inciso I do art. 129 silenciou-se a respeito de legitimação extraordinária extensiva a outras autoridades e o inciso VIII diz claramente que compete ao Ministério Público requisitar as diligências probatórias chega-se, então, à conclusão da impossibilidade do juiz requerer diligências probatórias ex officio e da conseqüente e flagrante inconstitucionalidade do art. 156 em função do art. 129, I e VIII, da CRFB. E, no caso em tela, ocorre o fenômeno da não recepção do referido dispositivo do CPP por não estar em consonância com o novo ordenamento constitucional.
Desta forma, somente tomando por base os argumentos acima, poder-se-ia afirmar, lógica e seguramente, a impossibilidade do juiz de determinar a produção de provas de ofício para dirimir questão controversa e ainda manter-se insuspeito, porque no Sistema Acusatório há divisão entre as funções de julgar, defender e acusar. Além disto, a precípua finalidade do juiz não é inquirir a verdade ao arrepio do Acusado e da Defesa, em prol de motivos nem sempre claros e imaculados de vícios mentais, mas valorar as provas carreadas para os autos pelas partes, mantendo-se eqüidistante, pois estas é que têm interesse processual no deslinde da lide e é a estas que cabe o ônus da prova, e não ao órgão julgador. Caberá ao Estado na pessoa de um Promotor de Justiça devidamente investido e dotado de diversos poderes para a apuração do delito, entre esses, o Inquérito Policial, formalizar a Acusação em todos seus termos, carreando todos os elementos a propósito do delito em apreço aos autos, pois esta é sua função. Já a função do magistrado é avaliar o que lhe é trazido e, dentro desses limites, se pronunciar a propósito da procedência ou não da pretensão punitiva.
5. DISPONIBILIDADE DA AÇÃO PENAL PRIVADA E PROVAS DETERMINADAS EX OFFICIO.
Na Ação Penal Pública o titular exclusivo do Jus Puniendi é o Estado, ocorrendo a transferência, por lei, da legitimidade ad causam ao Ministério Público, o qual atua em substituição processual. Entretanto, pode ser que o streptus judicii (escândalo do processo) provoque no ofendido um mal maior do que a impunidade do criminoso, decorrente da não-propositura da ação penal. Então, o Estado confere ao Ofendido a iniciativa da Ação Penal, atuando este em juízo através de substituição processual ou legitimação extraordinária ao direito daquele. Esta Ação de iniciativa privada visa atender a ponderosos imperativos individuais que a lei não pode olvidar, sendo de interesse exclusivo do ofendido mostrar os fatos e pleitear a condenação do acusado.
Facilmente percebe-se que a Ação Penal de iniciativa privada é regida pelo Princípio da Oportunidade ou Conveniência, pois o Ofendido somente dará início à mesma caso sinta-se com ânimo para tal empresa ou não se importe com a revelação de alguns detalhes íntimos em juízo, avaliando quais deve ou não trazer à apreciação judicial e arcando com o ônus de em não fazendo-o totalmente, de ver sua pretensão julgada improcedente, devendo avaliar se o risco de não ser acolhida sua pretensão vale ou não o vexame de uma prova e de um processo público.
Portanto a Ação Penal de Privada contrapõe-se à Ação Pública neste aspecto, já que o Ministério Público,salvo nos Juizados Especiais Criminais, não pode considerar oportunidade e conveniência em oferecer a denúncia ou não, pois tem o poder/dever de fazê-lo. Assim sendo, a ação penal de iniciativa privada regida pela conveniência do ofendido, é lógico deduzir-se que o juiz não poderá determinar diligências ex officio, pelo simples fato de que aquele (o ofendido) é quem, sponte propria, decide se deve iniciar a Ação Penal ou, até mesmo, continuá-la. E se o bem-jurídico tutelado pela norma penal circunscreve-se tão fortemente à esfera íntima do ofendido, como poderia o juiz saber quais as diligências probatórias que poderiam resultar fecundas? Em sede de Ação de iniciativa privada, a determinação ex officio de provas acarretaria uma ainda mais forte desconfiança e, conseqüentemente, suspeição do órgão julgador, pois este estaria assumindo o controle da acusação da lide penal.
Poder-se-ia afirmar que seria válida a perquirição da Verdade Real pelo magistrado em sede de Ação Penal de iniciativa privada argumentando-se que o ofendido não disporia de meios para conseguir reunir provas suficientes contra o suposto agente, como os possui o aparato policial. Nada menos exato. Os bens jurídicos tutelados pelas normas suscetíveis de iniciativa privada são referentes, malgrado poucas exceções, à órbita íntima do ofendido, sendo impossível ou de difícil perquirição por terceiros, estigmatizantes e, por vezes, vexatórios ao mesmo, devendo-se facultar ao ofendido apresentar ação penal e as conseqüentes provas que possuir, requerer as que não tenha condições de produzir ou abster-se de alguma, sob o ônus de não ver julgado seu pedido procedente, tal como ocorre no Processo Civil. Além disto, quaisquer diligências probatórias que o ofendido entender necessárias, poderá requerê-las ao Órgão Julgador, não sendo necessário que este abandone a sua posição de eqüidistância às partes.
Deve-se entretanto possuir um controle sobre a indivisibilidade da Ação Penal Privada, por parte do Ministério Público, sempre com as provas carreadas aos autos, nunca atropelando o que o Querelante entendeu conveniente e idôneo para instruir a procedibilidade de seu pedido. Mesmo nesta forma, a intromissão do parquet deve ser comedida, limitando-se apenas a curar pela indivisibilidade da ação penal.
6. CONCLUSÃO.
O presente artigo preconizou a impossibilidade do juiz penal determinar, de ofício, diligências probatórias sem tornar-se insuspeito e lesionar de maneira manifesta o principio do devido processo legal, a real impossibilidade disto e a conseqüente inconstitucionalidade do art. 156 do Código de Processo Penal, o qual autoriza a determinação ex officio de diligências probatórias.
Face ao exposto, conclui-se que divorciadas estão a parcialidade do magistrado e sua possibilidade de determinar diligências de ofício, de modo a sempre que se efetue uma diligência com tais características, está se, disfarçadamente, retroagindo ao Sistema Inquisitório.
Mostrou-se tão somente superada a dicotomia entre Verdade Real e Formal, argumento do qual se guarnecem os, data venia, equivocados defensores da faculdade em apreço, bem como a contradição entre o Estado conferir ao Ofendido o poder de avaliar conveniência e oportunidade de ingressar com a Ação Penal de iniciativa privada, por cuidar-se de empreitada que poderá lhe causar constrangimentos e de ter pouco interesse público em sua apuração, e cercear-lhe o direito de, arcando com o ônus da não procedência de seu pedido, carrear as provas que entende serem interessantes aos autos.
Notoriamente encontra-se o presente artigo 156 do Código de Processo Penal, em maior consonância com a ditadura fascista, na qual foi elaborado, que com a ordem constitucional de um Estado de Direito atual, devendo ser expurgado do ordenamento jurídico tal faculdade conferida ao juiz.
Bibliografia:
1-Queiroz, Paulo de Souza. Direito Penal:introdução crítica, Saraiva, 2001, pág 17;
2-Grinover, Ada Pellegrini de. A iniciativa instrutória do Juiz no processo penal acusatório, RF 347/6;
3-Câmara,Alexandre Freitas. Lições de Direito Processual Civil, Lumen Juris, 9 Edição, 2004, pág 394;
4-Theodoro Junior, Humberto. Curso de Processo Civil, Vol.01, Saraiva.
5-Tourinho Filho, Fernando da Costa. Manual de Processo Penal, Saraiva, 2003, pág 17;
6-Capez, Fernando. Curso de Processo Penal,Saraiva, 2003, pág 33/34.