Crime de stalking: um estudo acerca da Lei nº 14.132/2021 e seu papel no enfrentamento da violência contra a mulher (2024)

Crime de stalking: um estudo acerca da Lei nº 14.132/2021 e seu papel no enfrentamento da violência contra a mulher (2024)

Análise do crime de stalking e a sua aplicação dentro da Lei Maria da Penha. Do mesmo modo, expõe as consequências jurídicas e sociais da tipificação penal, e, por último, o tema também será abordado sob a égide do direito comparado.

1. INTRODUÇÃO  

A princípio, é importante ressaltar o que se entende por “stalking”, palavra originalmente inglesa advinda do verbo to stalk, cujo termo significa “perseguidor”. O referido crime se traduz pelo comportamento indesejado e repetitivo de um indivíduo, que persegue, ameaça, assedia ou intimida outra pessoa de forma persistente (TEIXEIRA, 2017).  

O perseguidor geralmente busca controlar, dominar ou causar medo à vítima, invadindo sua privacidade, monitorando suas atividades e interferindo em sua vida diária, seja  de forma offline ou online, através de meios eletrônicos, como redes sociais, mensagens de texto, e-mails ou ligações. Em virtude do seu potencial lesivo, o stalking é tipificado enquanto crime em muitos países.  

Ainda que a conduta do perseguidor tenha sido tipificada pelo Código Penal brasileiro apenas em 2021, em países como Estados Unidos e Portugal o stalking já era considerado um delito. Logo, atento às mudanças sociais e à tendência internacional, bem como ao seu impacto negativo da prática na vida das vítimas, que podem experimentar medo, ansiedade, estresse psicológico, prejuízos emocionais, perda de privacidade e até danos físicos, a prática foi introduzida no Código Penal através da alteração promovida pela Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021, que inseriu o art. 147-A no Códex criminal do país.  

Ademais, a Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, também conhecida como Lei Maria da Penha, é voltada à violência doméstica e familiar contra a mulher, possuindo dispositivos que abrangem o stalking como uma forma de violência de gênero.  

As leis e definições do crime de stalking podem variar de acordo com o país analisado. Apesar de ser um crime comum, que pode ter como agente ativo qualquer pessoa, independente do gênero, costumeiramente as vítimas são mulheres, razão pela qual os pesquisadores passaram a relacionar a perseguição à violência contra a mulher, observando que muitas vezes ela é perpetrada por parceiros ou por quem deseja estabelecer vínculo afetivo (SANTOS, 2022).  

Desse modo, se observa indispensável fazer a análise do stalking sob a ótica de que se trata de um delito de gênero, fato esse que é corroborado pelos dados obtidos no Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), que demonstra que ocorreram 27.722 casos de perseguição contra mulheres no ano de 2021 e, em muitas situações, o comportamento do agressor pode vir a evoluir para comportamentos ainda mais perigosos, causando danos psicológicos às vítimas.  

Diante disso, depreendem-se os seguintes questionamentos, que direcionarão a pesquisa em epígrafe: O que é o crime de stalking e o que motivou a sua tipificação enquanto crime no Brasil? Quais as características do stalking? Como a perseguição afeta a vida das vítimas? Quais as repercussões jurídicas e sociais da Lei 14.132/2021 para o enfrentamento da violência contra a mulher?  

Para responder aos questionamentos postos, formulam-se as seguintes hipóteses: O crime de stalking se caracteriza pela perseguição reiterada da vítima por parte do agente ativo do delito, tendo o legislador tipificado o delito em virtude da gravidade da conduta, atento às tendências internacionais; O stalking se caracteriza pela perseguição reiterada, por meio físico ou digital, de modo que a vítima tem sua integridade física ou psicológica ameaçada, capacidade de locomoção restringida ou sua liberdade e privacidade invadidas; A perseguição pode ter consequências profundas e duradouras na vida da vítima, afetando sua saúde física, emocional, psicológica e social, causando ansiedade, transtornos psicológicos, por exemplo; A Lei 14.132/2021 impactou positivamente a sociedade e o âmbito jurídico, posto que permitiu o enquadramento da conduta criminosa do perseguidor de forma específica, possibilitando que seja evitada a gradação da conduta do criminoso, prevenindo a ocorrência de violações mais graves contra a mulher no âmbito da Lei Maria da Penha.  

Nesse sentido, o objetivo principal deste trabalho é analisar o crime de stalking e seu papel no enfrentamento à violência contra a mulher. Ainda, busca-se estudar o conceito de stalking, suas características e trajetória histórica, além de abordar as repercussões jurídicas e sociais da tipificação penal do delito no Brasil. Finalmente, objetiva-se estabelecer um quadro comparativo entre a Lei nº 14.132/2021 e as leis anti-stalking de outros países, como Bélgica e Estados Unidos, verificando se a pena prevista em abstrato é adequada para punir a conduta do stalker.  

Para alcançar os objetivos propostos e verificar as hipóteses formuladas, fora utilizada uma pesquisa científica descritiva através de um estudo bibliográfico, de modo a abordar a Lei 14.132/2021, a importância para a proteção das vítimas e as repercussões da norma, do ponto de vista jurídico e social.  

Utilizou-se, então, método indutivo, partindo-se de uma situação particular para a generalidade (indução), visando responder aos questionamentos iniciais e alcançar os objetivos propostos, buscando compreender a complexidade do tema e apresentar sugestões para aprimorar a legislação e as políticas públicas relacionadas ao assunto.  

Ao final, espera-se que o trabalho contribua para a ampliação do debate sobre o referido tema, ajudando a esclarecer a sociedade acerca do que é o stalking, como identificá- lo, quais suas consequências para as vítimas e abrir os olhos do Estado e da sociedade sobre a gravidade do comportamento do perseguidor.  

2. CONCEITO, CARACTERÍSTICAS, TRAJETÓRIA HISTÓRICA E PREVISÃO LEGAL DO CRIME DE STALKING NO BRASIL  

O stalking não é um fenômeno recente, mas tem adquirido visibilidade na vida social, fruto das evoluções sociológicas decorrentes da própria evolução humana e da sua consciencialização em relação ao espaço que cada indivíduo ocupa na sociedade, revelado em última instância pelo seu direito a ter uma vida privada pacífica e sem obstruções de qualquer gênero.   

O stalking, inicialmente, foi utilizado para definir o comportamento daqueles que perseguiam famosos, sendo a conduta criminalizada pela primeira vez pela Califórnia, nos Estados Unidos, em 1990 (BRANT, 2013).  

Originalmente, portanto, o comportamento se referia a conduta daqueles que perseguiam celebridades, porém, posteriormente se observou que o comportamento também atingia pessoas comuns, em especial os indivíduos do sexo feminino, razão pela qual os autores entendem que se trata de um comportamento intimamente ligado à violência contra a mulher, normalmente praticado pelos seus parceiros, atuais, passados ou potenciais, que buscam manter relação afetiva com a vítima (FERREIRA, 2013).  

De acordo com Mullen, Pathé e Purcell (1999), por outro lado, o stalking se configura pela ação reiterada do agente delitivo por pelo menos dez vezes, e insistente, assim considerada aquela que possui duração mínima de quatro semanas. Por sua vez, Rosenfeld (2004), explica que o perseguidor é aquele que pratica conduta repetitiva para tentar estabelecer contato com a vítima, sendo essa aproximação indesejada e amedrontadora.  

A característica comum ao stalking para esses autores é a repetitividade da conduta de manter contato indesejado com a vítima. Nem todos aduzem que o medo é necessário para a caracterização do stalking, nem que ele deve pôr em risco a segurança da vítima e nem que deve haver ameaça implícita ou explícita. (BORGES, 2017, p. 14)   

Países como Bélgica e Irlanda também possuem legislações anti-stalking, de modo que as penalidades previstas  varia em cada local. O primeiro, pune a conduta com multa ou até dois anos de prisão, já a Irlanda prevê uma pena de prisão de até 7 anos ou multa (LUZ, 2012).

Assim, nesta pesquisa, o tema também será abordado sob a égide do direito comparado, para visualizar se a pena prevista pela lei brasileira é adequada para punir as condutas dos agentes ativos do delito.  

Atualmente, grande parte da doutrina compreende o stalking como o assédio indesejado  que dê aso a uma ameaça implícita ou explícita, cuja atuação é capaz de gerar medo na vítima. Importante ressaltar que essas características não são taxativas, posto que no caso concreto pode se observar outros comportamentos que representem uma perseguição a ser punida pelo Estado. Para verificar se há a ocorrência do stalking, o parâmetro é o homem médio, de modo que deve haver um padrão intencional repetido ou indesejado considerado razoavelmente ameaçador para uma pessoa.  

Stalking é uma forma de violência na qual o sujeito ativo invade a esfera de privacidade da vítima, repetindo incessantemente a mesma ação por maneiras e atos variados, empregando táticas e meios diversos: ligações nos telefones celular, residencial ou comercial, mensagens amorosas, telegramas, ramalhetes de flores, presentes não solicitados, assinaturas de revistas indesejáveis, recados em faixas afixadas nas proximidades da residência da vítima, permanência na saída da escola ou trabalho, espera de sua passagem por determinado lugar, frequência no mesmo local de lazer, em supermercados etc. 

O stalker, às vezes, espalha boatos sobre a conduta profissional ou moral da vítima, divulga que é portadora de um mal grave, que foi demitida do emprego, que fugiu, que está vendendo sua residência, que perdeu dinheiro no jogo, que é procurada pela polícia etc. Vai ganhando, com isso, poder psicológico sobre o sujeito passivo, como se fosse o controlador geral dos seus movimentos. (JESUS, 2008)   

Diante da gravidade da conduta e do movimento internacional no sentido da criminalização da conduta do perseguidor, a senadora Leila Barros apresentou o projeto de lei n° 1.369/19, que posteriormente foi sancionado e entrou em vigor. O objeto jurídico foi introduzido pela Lei n°14.132/2021, acrescentando o art. 147-A no Código Penal Brasileiro.  

Assim, de acordo com o Código Penal, configura-se enquanto stalking a conduta daquele que persegue a vítima de forma reiterada, por qualquer meio, “ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade” (BRASIL, 1940).  

A conduta do stalker se caracteriza pelo “perseguir”, que denota o sentido de importunar. O legislador também utiliza a palavra “reiteradamente”, o que indica que é indispensável a continuidade do comportamento, não incidindo no tipo penal o ato isolado (COUTINHO JUNIOR, 2021).  

A conduta é passível de reclusão de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa. Ainda, há a previsão de causas de aumento da pena em abstrato quando o delito é praticado contra criança, adolescente ou idoso, mulher por razões da condição de sexo feminino ou mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. A ação penal, nesse caso, é pública condicionada a representação (BRASIL, 1940).  

As causas de aumento de pena possuem previsão expressa no §1º do art. 147-A do  Código Penal brasileiro, in verbis:  

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:    

  • contra criança, adolescente ou idoso;   
  • contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2ºA do art. 121 deste Código;    
  • mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma. 

Ademais, a Lei Maria da Penha ampliou o conceito de violência, de modo que se reconhece o stalking como uma forma de violência amparada pela lei, podendo a vítima buscar amparo e proteção na Lei 11.340/2006. A partir da denúncia, o Poder Judiciário pode determinar medidas protetivas, como o afastamento do agressor, a proibição de aproximação, a suspensão de posse de armas, entre outras medidas que visam garantir a segurança da vítima (BRASIL, 2006).  

Muitas das condutas que se enquadram na definição de violência psicológica dada pela Lei Maria da Penha são bastante características do stalking entre (ex) parceiros íntimos. 

É frequente a tentativa de controlar as ações da vítima, através de perseguição contumaz e vigilância constante (comportamentos típicos de stalking), ameaças e insultos (por motivo de vingança, ciúmes, ou para reatar o relacionamento), chantagem (por exemplo, ameaçar cometer suicídio se a vítima não reatar a relação), entre outras táticas. O stalking também acarreta, muitas vezes, danos à saúde psicológica ou limitação do direito de ir e vir, pois a vítima evita sair de casa ou frequentar determinados lugares, ou altera as rotas para “fugir” do stalker. (BRITO, 2013, p. 43).   

Deste modo, o presente trabalho se propõe a, nos próximos tópicos, discutir de forma aprofundada o tema e entender os impactos da perseguição na vida das vítimas, bem como abordar questões correlatas à violência de gênero e tratar do direito comparado.  

3.  STALKING E VIOLÊNCIA DE GÊNERO  

Permeada em diversas culturas e sociedades ao longo dos séculos, a violência contra a mulher é um fenômeno social profundamente enraizado em estruturas sociais patriarcais. 

A origem da história do processo de inferiorização dos indivíduos do século feminino remonta às civilizações antigas, momento em que eram consideradas propriedade dos homens. Durante a Idade Média, entretanto, tornou-se ainda mais expressiva a segregação das mulheres, que era corroborada inclusive pela legislação vigente.  

Não sei em que medida as mulheres do Ocidente medieval se mantiveram quietas e silenciosas entre as paredes das casas, das igrejas e dos conventos, ouvindo homens industriosos e eloquentes que lhes propunham preceitos e conselhos de toda a espécie. 

Os sermões dos pregadores, os conselhos paternos, os avisos dos diretores espirituais, as ordens dos maridos, as proibições dos confessores, por mais eficazes respeitáveis que tenham sido, nunca nos restituirão a realidade das mulheres às quais se dirigiam, mas com toda a certeza faziam parte desta realidade: as mulheres deveriam conviver com as palavras daqueles homens a quem uma determinada organização social e uma ideologia muito bem definida tinham entregue o governo dos corpos e das almas femininas. Uma parte da história das mulheres passa também pela história daquelas palavras que as mulheres ouviram ser-lhes dirigidas, por vezes com arrogância expedita, outras vezes com carinhosa afabilidade, em qualquer caso com preocupada insistência. (CASAGRANDE, 1990, p. 99)    

No entanto, a partir do século XVIII o movimento feminista começou a ganhar força e a busca por direitos igualitários entrou em pauta de discussão. No século XX, mais especificamente em 1979, foi elaborada a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher da ONU, um importante marco para os direitos das mulheres (ONU MULHERES, 1979).  

Verifica-se, portanto, que ao longo dos anos as mulheres enfrentaram desigualdades e discriminações, sendo submetidas a papéis de inferioridade em relação aos homens. Essa desigualdade de gênero perpetuou a violência contra as mulheres. Neste contexto, Friedrich Engels explicou que a opressão das mulheres está intrinsecamente ligada à propriedade privada, isto porque, a partir da primeira, a sociedade passou a se organizar de forma a garantir a transmissão da propriedade de pais para filhos, o que levou à necessidade de controlar a sexualidade das mulheres (ENGELS, 1972).   

A destruição do direito materno foi a grande derrota histórica do sexo feminino. O homem assumiu o comando também em casa; a mulher foi degradada e reduzida à servidão; tornou-se escrava do prazer do homem e mero instrumento de reprodução. (ENGELS, 1972, p. 120-121) 

Ao longo do tempo, as mulheres conquistaram direitos e garantias, a Constituição Federal de 1988 reflete esses avanços, embora as estruturas patriarcais ainda persistam e limitem os direitos das mulheres, expondo-as a situações degradantes e a formas de violência que reforçam os papéis de gênero atribuídos. Essa institucionalização da inferiorização da mulher é o que se considera patriarcado:  

Pode-se entender por patriarcado a manifestação e institucionalização do domínio masculino sobre as mulheres e crianças da família, e o domínio que se estende à sociedade em geral. O que implica que os homens tenham poder nas instituições importantes da sociedade, e que privam as mulheres do acesso às mesmas. Assim como também, se pode entender que o patriarcado significa uma tomada de poder histórica pelos homens sobre as mulheres, cujo agente ocasional foi a ordem biológica, elevada tanto à categoria política, quanto econômica. (MENDES, 2012, p. 101-102).     

Diante desse cenário, o legislador brasileiro editou leis emblemáticas que buscam assegurar a proteção das mulheres em situação de violência, a exemplo da Lei 11.340/2006, mais conhecida como Lei Maria da Penha e a Lei 14.132/2021, que introduziu o stalking no Código Penal.  

Ainda que o crime de perseguição não seja, ao menos em um primeiro momento, uma expressão da violência de gênero, se observa que as mulheres são mais comumente as vítimas do delito, razão pela qual é considerado pelos pesquisadores enquanto uma forma de violência contra indivíduos do sexo feminino (AMIKY, 2014).  

Luciana G. Amiky (2014) explica ainda que, ao contrário do que inicialmente se assume, a maior parcela das vítimas do crime estudado não são famosas e há uma normalização da conduta enquanto natural.  

É possível concluir, portanto, que o stalking, ainda que não possa vitimar apenas as mulheres, na prática o faz, razão pela qual é tratado por muitos enquanto um delito de gênero cujo foco de prevenção e enfrentamento deve ser a proteção dos indivíduos do sexo feminino.    

4. IMPACTOS DO STALKING NA VIDA DAS VÍTIMAS  

Conforme explanado ao longo do presente projeto de pesquisa, o stalking é um crime comum, de modo que a pessoa pode praticar ou ser vitimado pelo tipo penal, independentemente da qualidade de gênero. Entretanto, se observa que a mulher é, na maior parte das vezes, a ofendida pela perseguição, de modo que o fenômeno está associado à violência contra as mulheres em diversos países (AMIKY, 2014).  

Reiterando a afirmação acima feita, os autores Mullen e Pathé (1997) realizaram um estudo que contou com a participação de 100 (cem) vítimas de stalking, verificando que 83 (oitenta e três) delas eram mulheres.  

Tjaden e Thoennes (1998) também realizaram pesquisa sobre o assunto nos Estados Unidos e concluíram que 78% (setenta e oito por cento) das vítimas são mulheres e 87% (oitenta e sete por cento) dos stalkers são homens, tendo comprovado também que muitas vezes o feminicídio ou a lesão corporal grave é precedida pela perseguição.   

No Brasil, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) verificou que, no ano de 2021, primeira vez em que a instituição fez o levantamento referente ao Stalking, mais de 27,7 mil denúncias contra mulheres foram realizadas, sendo Amapá o Estado com maior taxa, correspondente a 123,7 a cada 100 mil mulheres (FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA, 2022).   

As vítimas da perseguição podem ter sua saúde física, emocional, psicológica e social afetadas pela conduta criminosa. Alguns autores explicam que as marcas mais comuns observadas naqueles que sofrem stalking incluem o medo e ansiedade constantes, estresse e paranoia (FERREIRA, 2013).  

A perseguição pode causar também depressão, ataques de pânico, transtorno de estresse pós-traumático, de modo que muitas vezes a vítima termina se isolando e passa a evitar atividades e lugares que costumava frequentar, dificultando e comprometendo sua rotina de trabalho ou de estudo (PATHÉ; MULLEN, 1997).  

É possível, também, que ocorram danos físicos, quando o stalking evolui para formas mais violentas de agressão física. O fato é que a perseguição pode causar impactos que persistem ao longo do tempo, mesmo após a cessação da conduta criminosa, posto que a vítima por vezes enfrenta dificuldades para vivenciar novos relacionamentos e retomar a vida normal.  

5. REPERCUSSÕES JURÍDICAS E SOCIAIS DA TIPIFICAÇÃO PENAL DO DELITO NO BRASIL  

A criação da lei do stalking no Brasil foi um importante marco na legislação brasileira, tendo sido promulgada em 31 de março de 2021, visando proteger as vítimas de perseguição e assédio persistente que caracterizam o tipo penal.  

Essa legislação trouxe uma definição clara do crime de perseguição, bem como estabeleceu penas para os infratores, seu objetivo principal é combater e prevenir a conduta, com vias a garantir a segurança e a integridade das vítimas. A inserção do comportamento no Código Penal representa um avanço significativo na proteção das vítimas no país.  

O crime de Stalking, é um fenômeno de origem Americana, derivado do termo ‘’ To  Stalk’’, cujo significado é ‘’ perseguir’’. A perseguição sempre existiu, porém isso se manifestou como crime de stalking pela primeira vez no ano de 1990 no Código Penal do Estado da Califórnia, em seu art. 6469, nos Estados Unidos existe um Código Penal nacional, e existem os códigos penais estaduais que é diferente do nosso sistema brasileiro, lá os Estados tem autonomia para criar suas próprias leis, denominados crimes estaduais. 

Esse crime está alocando entre os delitos praticados contra a liberdade individual no tocante a privacidade, ao direito de locomoção, a integridade psicológica e física, e autodeterminação da vítima, buscando inspiração nos EUA o tipo penal protege o ‘’ Right to be left alone’’, que significa ‘’ o direito de ser deixado só’’ ou ‘’ direito de ser só’’. A partir da primeira manifestação na California, o modelo de lei começou a ser replicado para outros Estados americanos e Países europeus, (Itália, Alemanha, Espanha, Portugal). O Brasil somente adotou o stalking como crime no ano de 2021. (DUARTE, 2022, p. 6-7)     

Conforme o Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2022), em 2021 houve 27.722 casos enquadrados no crime de perseguição, o que somente foi possível graças a promulgação da referida norma, que inovou no âmbito criminal, possibilitando a punição dos agentes criminosos.  

Logo, a Lei nº 14.132/2021 teve importantes repercussões desde sua implementação, vez que trouxe avanços significativos na proteção das vítimas de perseguição e assédio persistente, garantindo medidas de prevenção e punição aos agressores.  

As principais repercussões incluem o reconhecimento e visibilidade conferido ao tema em virtude da criação da lei de stalking, colocando o assunto em destaque, incentivando o debate público e a sensibilização da sociedade para a gravidade desses comportamentos, contribuindo para o encorajamento da denúncia.  

Ao tipificar a conduta no Código Penal, o legislador insere no ordenamento jurídico a possibilidade de punição dos agressores, que poderão ter a eles imputada uma pena de reclusão de 6 meses a 2 anos e multa, que pode ainda ser aumentada em virtude de agravantes (BRASIL, 1940).  

A legislação proporciona instrumentos para a atuação das autoridades, facilitando a investigação e a responsabilização dos agressores. Ademais, a criminalização pode dissuadir potenciais agressores, atuando como um mecanismo de prevenção.  

Verifica-se, portanto, que a Lei de stalking teve repercussões importantes, desde o reconhecimento do problema até a proteção das vítimas e a criminalização dos agressores, desempenhando um papel fundamental na promoção da segurança e no combate à violência, contribuindo para a conscientização e a prevenção do stalking na sociedade brasileira.  

6. STALKING E DIREITO COMPARADO  

O Stalking é uma conduta criminalizada em diversos países, a exemplo da Bélgica e Estados Unidos. Atualmente, o direito comparado é uma forma eficiente de aprendizado que estimula melhoria nas leis dos países ao inspirar os legisladores acerca de condutas que são consideradas penalmente relevantes em alguns lugares e em outros não.  

Assim, para compreender melhor a perseguição e analisar se o Brasil possui uma norma adequada para punir o delito, no presente tópico serão abordadas as legislações vigentes nos EUA, na Bélgica e na Itália, com vistas a compará-las e apreender o fenômeno sob a ótica jurídica de cada país.  

Consoante abordado em momentos anteriores, o stalking passou a ser considerado crime no Brasil a partir da promulgação da Lei nº 14.132/2021, a qual define a conduta enquanto aquela em que o agente ativo passa a perseguir a vítima incessantemente, causando receio à pessoa perseguida. A pena cominada em abstrato, nos termos do art. 147-A do Código Penal, pode variar de 6 meses a 2 anos de prisão e multa, podendo ser elevada caso ocorra mediante violência, ameaça ou se a vítima for menor de idade, idosa ou pessoa com deficiência (BRASIL, 2021).  

Na Bélgica, por outro lado, o Código Penal local consideram perseguição as condutas que se exteriorizam através do assédio persistente que gera um sentimento de medo, porém não se exige a prática reiterada para o enquadramento do agente ativo no delito, sendo o agressor punido com prisão de quinze dias a dois anos e multa de cinquenta a trezentos euros (BRITO, 2013).  

Nos Estados Unidos, cada Estado possui autonomia para tratar dos crimes, de modo que alguns deles incluem o Stalking como parte integrante de outros delitos, como o assédio, e outros trazem previsões individuais para a perseguição. De forma similar, as penas cominadas em cada um dos Estados também podem apresentar variação. Importante ressaltar, no entanto, que atualmente a conduta é considerada criminosa a nível federal, possuindo punição em todas as regiões do país.  

Atualmente, o tipo penal do crime stalking varia de estado para estado, mas geralmente envolve três elementos: a) um padrão de conduta intencional de assédio ou perseguição importuno ou alarmante; b) ameaças contra a segurança da vítima ou de sua família; c) medo real e razoável da vítima resultante do comportamento do stalker. Em quase todas as leis estaduais, a conduta deve ser intencional, e, na maioria delas, deve haver a intenção de ameaçar a vítima ou de causar-lhe medo (MILLER, 2001  apud BRITO, 2013).    

Conclui-se, portanto, que ainda que existam variações nos conceitos e nas penalidades aplicáveis aos perseguidores, nas 3 (três) legislações abordadas é possível vislumbrar pontos de intersecção que nos permite reconhecer o stalking enquanto uma conduta ameaçadora que afeta a paz e a segurança da vítima, reputada penalmente relevante em diversos países, motivo pelo qual deve ser enfrentada com seriedade e cuidado, ante ao seu alto potencial lesivo.  

Ademais, observa-se que a pena prevista abstratamente no Código Penal Brasileiro parece adequada para punir o perseguidor, sendo bem similar à prevista pela lei belga, porém também é necessária uma atuação multiprofissional para amparar as vítimas e o manejo de políticas de segurança pública para prevenir e rechaçar o comportamento criminoso.  

7. CONSIDERAÇÕES FINAIS  

O estudo em epígrafe tratou-se de uma pesquisa bibliográfica, descritiva e explicativa, que visou abordar o fenômeno do stalking, caracterizado pela perseguição indesejada e reiterada do agressor contra a vítima. Refere-se a um problema relevante que teve seu alto potencial de lesão a bens jurídicos indisponíveis quando o legislador promulgou a Lei nº 14.132/2021, que inseriu no Código Penal brasileiro o delito de perseguição.  

Diante do reconhecimento de que o stalking afeta a privacidade, a segurança e a integridade das vítimas, países como os Estados Unidos, a Bélgica, o Brasil e outros reconhecem a conduta criminosa e, ainda que existam divergências no tocante à penalidade aplicada e até mesmo quanto ao que caracterizaria a perseguição, em todas as legislações se reconhece a lesividade e o perigo representado pelo comportamento dos agressores.  

Apesar de tardia, quando comparada a outras regiões, a exemplo da Califórnia, que inseriu o tipo penal em 1990, a introdução do crime de stalking no Código Penal brasileiro pela Lei nº 14.132/2021 representa um avanço significativo na proteção das vítimas que são, em sua maioria, mulheres, o que leva muitos autores a compreenderem a perseguição enquanto delito de gênero.   

Vislumbra-se que a pena prevista em abstrato, reclusão de 6 meses a 2 anos e multa, é bastante similar à da Bélgica, sendo, em verdade, até mais gravosa, de modo que se demonstra adequada à punição do agressor e apta à prevenção da transgressão. Além disso, a Lei Maria da Penha também permite a aplicação de medidas protetivas em favor das vítimas perseguidas.  

Ao longo do estudo, foi possível aferir que o stalking causa profundos impactos profundos na vida das vítimas, que podem incluir desde o medo, a ansiedade, o estresse e crises de pânico, até danos físicos e financeiros, em decorrência da tendência de isolamento das pessoas perseguidas.  

Logo, vê-se que ainda que a tipificação do stalking como crime no Brasil represente um passo indispensável para o combate à violência contra as vítimas, especialmente às mulheres, é essencial que sejam realizados esforços voltados à conscientização sobre esse problema e à promoção de medidas de prevenção e apoio, sobretudo do Governo, através de políticas de segurança pública.  

REFERÊNCIAS    

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<https://amagis.com.br/posts/artigo-stalking-perseguicao-obsessiva>. Acesso em: 30 out. 2023.  

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Lei nº 14.132, de 31 de março de 2021. Acrescenta o art. 147-A ao Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), para tipificar o crime de perseguição, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 1º de abril de 2021.  

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Alusca Rafaela Lacerda Martins
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