Os vulneráveis no crime de estupro de vulnerável

Os vulneráveis no crime de estupro de vulnerável

Ao contrário do que muitos pensam, o crime de estupro de vulnerável não é somente praticado contra crianças e adolescentes menores de 14 anos como estabelece o caput do art. 217-A, mas, também, é aplicável àqueles que figuram no § 1º do mesmo artigo do Código Penal.

Recentemente - em todas as mídias possíveis - o caso do médico anestesista que teria praticado o crime de estupro de vulnerável contra uma mulher quando esta estava realizando uma cesárea no hospital assolou o país. A modalidade do crime teria acontecido na forma de sexo oral, onde o médico colocara o pênis na boca da paciente enquanto ela estava completamente sedada e incapaz de exercer sua autonomia de escolha, vontade e/ou ação de permanecer naquele ato sexual praticado por ele.

Certo é que o assunto muito repercutiu e muitas dúvidas acerca dele começaram a surgir, pois, para muitas pessoas a situação se apresentou como nova quando se falou do crime de estupro de vulnerável.

Ao contrário do que muitos pensam, o crime de estupro de vulnerável não é somente praticado contra crianças e adolescentes menores de 14 anos como estabelece o caput do art. 217-A, mas, também, é aplicável àqueles que figuram no § 1º do mesmo artigo do Código Penal. Vejamos:

Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos: (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Pena - reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

§ 1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência. (Incluído pela Lei nº 12.015, de 2009)

Dessa forma, com o disposto no artigo acima, observamos que também são vulneráveis quem possui enfermidade ou deficiência mental ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência no ato praticado contra si, entretanto, ressalvas devem ser feitas.

Obviamente que se tratando de pessoas com enfermidade ou deficiência mental, somente pelo fato de estarem nessas condições não as tornam vulneráveis abrangidas pelo art. 217-A. Somente serão vulneráveis as pessoas enfermas ou deficientes mentais que não tiverem o necessário discernimento para o ato sexual. Assim sendo, a vulnerabilidade dessas pessoas é relativa e, diga-se, de forma muito acertada pelo legislador. Caso diferente fosse, teríamos um conflito com o Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei. 13.146/2015), principalmente no seu art. 6º, I e II:

Art. 6º A deficiência não afeta a plena capacidade civil da pessoa, inclusive para:

I - casar-se e constituir união estável;

II - exercer direitos sexuais e reprodutivos;

Percebemos, assim, que enquanto a vulnerabilidade dos menores de 14 anos é absoluta, ou seja, não importa se houve consenso da vítima para a relação sexual ou prática de outro ato libidinoso; anuência dos pais; se ela já teve outras experiências sexuais anteriores (§ 5º do art. 217-A), a vulnerabilidade das pessoas com enfermidade ou deficiência mental é relativa e deve ser apurada caso a caso, sob pena de taxar restritivamente tais pessoas como vulneráveis absolutas e extirpar seus direitos.

A parte final do dispositivo trata dos outros vulneráveis que são as pessoas que “... por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência”. Aqui também devemos nos atentar para a questão da vulnerabilidade absoluta, porém, com reservas.

Quando a lei fala em não poder oferecer resistência, entendemos que a pessoa não tem a mínima capacidade para se opor, negar ou defender-se do ato praticado contra ela, o que a torna vulnerável. Ainda nessa parte do dispositivo, questão importante é a discussão sobre não oferecer resistência “por qualquer outra causa”.

Quando uma pessoa está, por exemplo, sedada, drogada, embriagada é certo que ela não está plenamente capaz de suas faculdades mentais, porém, é de suma importância avaliar como se deu e qual o grau de alteração de sua “normalidade”. Diante de um caso concreto tudo deve ser muito bem analisado para que não se cometam injustiças, muitas vezes irreversíveis.

O Desembargador do TJSP e professor Guilherme de Souza Nucci exemplifica de forma didática o que estamos trazendo. “É relevante considerar o fato de alguém se colocar em uma orgia, alcoolizado, ou até drogado, até para ter coragem a isso, não se podendo, depois, afirmar ter sido vítima de estupro. Dá-se o consentimento para o ato sexual, embriagando-se justamente para isso. A situação é totalmente diferente do agente que embriaga propositalmente a vítima para com ela ter relação sexual. Diga-se o mesmo se a pessoa ofendida se embriaga para divertir-se e termina sendo sexualmente violentada. São Hipóteses de estupro de vulnerável”. (Tratado de crimes sexuais / Guilherme de Souza Nucci. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 227-228).

Resumidamente o agressor deve se prevalecer do estado de não resistência da vítima para o ato sexual, pouco importando se o não oferecimento da resistência é temporário ou permanente, devendo ser observadas as condições da vítima no momento da prática da conduta, o que nem sempre é de fácil constatação. É preciso, para que não sobrevivam dúvidas sobre a efetiva condição de vulnerabilidade da vítima, que esta se encontre em condição de intoxicação (por álcool ou substância de efeito análogo) completa (Crimes sexuais / Israel Domingos Jorio. – Salvador: Editora JusPodivm, 2018, p. 161).

Finalizando, podemos concluir que os vulneráveis do art. 217-A do Código Penal são: 1) menores de 14 anos quando envolvidos em algum ato de conotação sexual, ainda que seja consentido; 2) Enfermos e Deficientes mentais quando não tiverem o discernimento para o ato sexual e; 3) Pessoas que por qualquer causa não puderem oferecer resistência ao ato sexual.

Sobre o(a) autor(a)
Denis Caramigo Ventura
Denis Caramigo Ventura: Advogado criminalista especialista em Crimes Sexuais. www.caramigoadvogados.com.br caramigo@caramigoadvogados.com.br 11 98119 8813 (24h) Facebook: Denis Caramigo Ventura; Twitter: @deniscaramigo Instagram...
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