A necessidade de oitiva do representante judicial para concessão de liminar na ação civil pública e mandado de segurança coletivo

A necessidade de oitiva do representante judicial para concessão de liminar na ação civil pública e mandado de segurança coletivo

Aborda a necessidade de oitiva do representante judicial, prevista no artigo 2º da Lei n° 8.437, de 30 de junho de 1992, para concessão de liminar na ação civil pública e mandado de segurança coletivo.

Previsão legal

A Lei n°8.437, de 30 de junho de 1992 dispõe sobre a concessão de medidas liminares contra atos do poder público, tendo sido acrescentados dispositivos pela Medida Provisória n°2.180-35, de 24 de agosto de 2001.

O artigo 2º desta lei prevê que no mandado de segurança coletivo e na ação civil pública, a liminar será concedida, quando cabível, após a audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá se pronunciar no prazo de 72 (setenta e duas horas).

A questão tem ensejado questionamento da doutrina e em casos concretos quanto à viabilidade de concessão de liminar em casos extremos, cujo prejuízo não comporta a espera do prazo de 72 horas, como por exemplo em ações civis públicas movidas assegurar a proteção de um bem ambiental, tendo havido decisões judiciais favoráveis ao poder público no sentido da impossibilidade de concessão de liminar ‘inaudita altera pars’ em face do Estado.

No presente trabalho trazemos a colação entendimentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito do tema.


2. O controle de concessão de medidas cautelares contra a Fazenda Pública - fundamentos

A concessão de medidas cautelares contra o poder público tem tratamento especial em razão do evidente interesse público e supremacia da atividade administrativa, que exige cautela nas decisões de âmbito coletivo. Além do sistema especial de execução a que está adstrita à administração pública, em razão da emissão de precatórios, consoante a disposição do artigo 100 da Constituição Federal.

Neste diapasão a lei impôs restrições a concessões de liminares ou outras medidas cautelares. A matéria é tratada pela Lei n°8.437, de 30 de junho de 1992, Lei n°5.021, de 09 de junho de 1966, Lei n°4.348, de 26 de junho de 1964 e Lei n°2770/56 [1].

Há casos específicos em que são restringidas a concessão de medidas cautelares como ações que visam a obtenção da liberação de mercadorias, bens ou coisas de qualquer espécie procedentes do estrangeiro (art.1º da Lei n°2.770/56); nas ações que objetivem pagamentos de vencimentos e vantagens pecuniárias a servidor (art.1º,§º da Lei n°5021/66), bem como a reclassificação ou equiparação de servidores públicos, ou concessão de aumento ou extensão de vantagens (art.5º da Lei n°4.348/64); medida liminar que defira compensação de créditos tributários e quando esgote no todo ou em parte objeto da ação.

Ressalta-se a impossibilidade de concessão de medida liminar contra atos do poder público no procedimento cautelar ou em quaisquer outras ações de caráter cautelar ou preventiva, toda vez que providência semelhante não puder ser concedida em mandado de segurança, em virtude de vedação legal.

A concessão de liminar enseja a interposição do recurso de agravo de instrumento, considerando a natureza interlocutória do ato judicial. Sendo cabível ainda o pedido de suspensão dirigido ao Presidente do Tribunal , ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso, suspender, em despacho fundamentado, a execução da liminar nas ações movidas contra o poder público ou seus agentes, a requerimento do Ministério Público ou da pessoa jurídica de direito público interessada, em caso de manifesto interesse público ou de flagrante ilegitimidade, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia pública.

Por pessoa de direito público, devemos compreender não só os entes federados, União, Estados, Municípios, Distrito Federal, mas suas autarquias e fundações públicas.

Quanto à legitimidade para a realização do pedido de suspensão este pertence somente ao poder público e ao Ministério Publico, sendo defeso o requerimento de pessoa jurídica de direito privado. Neste sentido:

“Pessoa Jurídica de Direito Público. O pedido de suspensão da liminar concedida pelo Juiz na ação civil pública somente pode ser feito por pessoa jurídica de direito público ou pelo Ministério Público, mas não por particular ou órgão despersonalizado” (TFR, Pleno, SS 8123-DF-Ag.Reg.rel. Ministro Gueiros Leite. J.23.02.1989, v.u., DJU 15.05.1989, p.7899)

É mister salientar que o pedido de suspensão não representa um novo recurso, sendo juridicamente considerado como um sucedâneo recursal, criado para a aplicação em casos excepcionalíssimos de potencial risco grave à saúde, ordem, segurança ou economia públicas.

O pedido de suspensão e o recurso de agravo de instrumento são independentes, determinando a lei que o julgamento deste não prejudica nem condiciona o julgamento do pedido de suspensão.

Do despacho que conceder ou negar a suspensão, caberá agravo, no prazo de cinco dias, que será levado a julgamento na sessão seguinte a sua interposição. Se do julgamento deste agravo resultar a manutenção ou o restabelecimento da decisão que se pretende suspender, caberá novo pedido de suspensão ao Presidente do Tribunal competente para conhecer de eventual recurso especial ou extraordinário. É cabível também o pedido de suspensão dirigido a autoridade competente para o conhecimento do recurso especial ou extraordinário, quando negado provimento a agravo de instrumento interposto contra a liminar a que se refere este artigo.

O Presidente do Tribunal poderá conferir ao pedido efeito suspensivo liminar, se constatar, em juízo prévio, a plausibilidade do direito invocado e a urgência na concessão da medida.

As liminares cujo objeto sejam idênticos poderão ser suspensas em uma única decisão, facultando ao Presidente do Tribunal estender os efeitos da suspensão a liminares supervenientes, mediante simples aditamento do pedido original.

A suspensão deferida pelo Presidente do Tribunal vigorará até o trânsito em julgado da decisão de mérito na ação principal.


3. Tratamento na doutrinária e jurisprudência

A Lei de mandado de segurança, Lei n°1533/51, no artigo 7º, inciso II permite que o juiz ao despachar a inicial suspenda, sem prévia oitiva da autoridade coatora, o ato que deu motivo ao pedido, quando for relevante o fundamento e do ato impugnado puder resultar a ineficácia da medida, caso seja deferida. Sendo que na hipótese de mandado de segurança coletivo este dispositivo deverá ser interpretado de acordo com o artigo 2º da Lei n°8437/92.

A Lei n°7347/1985, que trata da ação civil pública prevê que o juiz poderá conceder liminar, com ou sem justificativa prévia, com decisão sujeita a agravo de instrumento, dispondo nos seguintes termos: “Art.12. Poderá o juiz conceder mandado liminar, com ou sem justificação prévia, em decisão sujeita a agravo.

§1º A requerimento de pessoa jurídica de direito público interessada, e para evitar grave lesão à ordem, à saúde , à segurança e à economia pública, poderá o Presidente do Tribunal a que competir o conhecimento do respectivo recurso suspender a execução de liminar, em decisão fundamentada, da qual caberá agravo para uma das câmras julgadoras, no prazo de 05 (cinco) dias a partir da publicação do ato”.

Nelson Nery Júnior [2] ao comentar este artigo, no que diz respeito à oitiva do representante da pessoa jurídica, ensina que quando o réu ou um dos co-réus for pessoa jurídica de direito público é necessário ouvir-se previamente seu representante judicial, para conceder-lhe liminar em ação civil pública, no prazo de 72 horas. Ressaltando todavia que quando houver ameaça de iminente perecimento de direito, avaliando o juiz que não dá para esperar as 72 horas para manifestação do requerido, pode conceder a liminar ‘inaudita altera‘ parte.

Verifica-se ainda argumentação da doutrina contrária à oitiva prévia no caso de ação cautelar preparatória para evitar dano ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem urbanística ou aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico (art.4º da Lei 7.347/1985), pois a restrição da Lei n°8.437/92 refere-se a ação civil pública e não ao provimento mencionado. Utilizando o artigo 804 do Código de Processo Civil, o qual prevê que a medida cautelar pleiteada pode ser concedida liminarmente sem a oitiva prévia do requerido.

O Tribunal de Justiça do Estado de Goiás já se manifestou pela cassação da liminar concedida na ação cautelar inominada preparatória de ação civil pública, nos autos do Agravo de Instrumento n° n°29052-0/180, julgado pela 1ª Câmara Cível. No voto prevalente verifica-se argumentação do Desembargador no sentido de que a liminar só poderia ser concedida após a oitiva do representante da Fazenda Pública, citando o princípio latino ‘edo ubi eadem legis ratio, ipi ipsa lex’, ou seja, ‘em situações semelhantes, deve-se aplicar a mesma lei’.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro [3] diz que todas estas restrições às medidas liminares ou acautelatórias são de valor relativo, pois não podem ser adotadas pelo poder judiciário quando coloquem em risco o direito de outras pessoas, sob pena de ofensa ao artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, que impede que seja excluída da apreciação judicial, não só a lesão, mas a ameaça a direito. Por outras palavras, se devidamente demonstrado o ‘periculum in mora’, não poderá ser negada a medida liminar para proteger o direito ameaçado, já que entre a norma constitucional e a lei ordinária, a primeira tem que prevalecer.

Em sentido em contrário, não aceitando ressalvas, encontramos argumentação de que o desrespeito ao artigo 2º da Lei n°8437/92 fere o princípio constitucional do devido processo legal, além de ser ilegítima a liminar porventura concedida, pois contrária a texto expresso de lei federal.

A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça é majoritária em reconhecer que a necessidade de oitiva prévia do representante do poder público:

“Processual- Ação Civil Pública- Mandado de Segurança Coletivo- Liminar- Oitiva do Poder Público- Lei n°8437/1999, art.2º. I- No processo de mandado de segurança coletivo e de ação civil pública, a concessão de medida liminar somente pode ocorrer, setenta e duas horas após a intimação do Estado (Lei n°8437/1992, art.2º). II- Liminar concedida sem respeito a este prazo é nula”. (Recurso Especial n.88.583/SP – DJU- I 18.11.1996 – STJ)

No voto do Ministro Humberto Gomes de Barros, este reconhece que “o texto, lamentavelmente, ressente-se de imprecisões técnicas. No entanto, o preceito nele enunciado é suficientemente claro; a providência cautelar ‘initio litis’ tem como pressuposto a oitiva do Estado demandado. Se o juiz adota a providência, antes de observar seu pressuposto, estará maltratando o art.2º e incidindo em nulidade”.

Hugo Nigro Mazzilli [4], diz que “concessão de liminares contra ato do Poder Público, exige-se prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de direito público, que deverá pronunciar-se em 72 horas”.

Inobstante as divergências doutrinárias acerca do tema, a jurisprudência brasileira tem compreendido pela necessidade de oitiva do representante da pessoa jurídica de direito público no caso de concessão de liminar em ações civis públicas e mandados de segurança coletivo.

Neste diapasão forçoso reconhecer a necessidade de oitiva prévia da autoridade dando aplicabilidade ao artigo 2º da referida lei evitando demandas desnecessárias pelo poder público na reversão de liminares concedidas.



[1] A Lei n°9494, de 10 de setembro de 1997 disciplina o instituto da tutela antecipada contra a Fazenda Pública.

[2] NERY JÚNIOR, Nelson e ANDRADE NERY, Rosa Maria. Código de Processo Civil e Legislação Processual Extravagante em Vigor Comentado. São Paulo: RT, 1999, p.1532.

[3] Direito Administrativo. 13ª edição. Atlas:2001, p.611.

[4] A defesa dos Interesses difusos em juízo. 12ª ed. Ed. Saraiva. p.319

Sobre o(a) autor(a)
Claudia Marçal
Advogado
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