A obrigatoriedade do pagamento de insalubridade e periculosidade em tempos de pandemia

A obrigatoriedade do pagamento de insalubridade e periculosidade em tempos de pandemia

Abordagem acerca da obrigatoriedade de pagamento de insalubridade e periculosidade mesmo em caso de afastamento do funcionário.

Desde março de 2020, o Brasil vive tempos de muita dificuldade por conta da pandemia do coronavírus, que desafiou a elaboração de diploma legal que resolvesse as questões mais latentes quanto às relações de trabalho na pandemia. Assim nasceu o projeto que deu origem à Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, que trouxe as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública.

Dentre as vidas mais afetadas pela pandemia, com certeza a do trabalhador é a que mais sofre com as interrupções de alguns setores da economia do país. Não se discorre apenas sobre a desvalorização do real, da instabilidade do mercado ou corte de investimentos, mas de uma doença que impede a oferta de bens e serviços, deixando os postos de emprego cada vez mais vulneráveis.

Nessa perspectiva de muita dificuldade financeira, as empresas cortam gastos, sem poupar seus funcionários das reduções salariais, isso quando não rescindem o contrato de trabalho para diminuir a quantidade de empregados.

Em meio à tendência de redução de custos, os empregadores têm implantado o modelo de home office nos contratos de trabalho de seus funcionários, retirando-os do ambiente de trabalho presencial, mas mantendo suas funções e aguardando o momento certo para retorná-los ao local de trabalho. Vale mencionar ainda os profissionais afastados em função das medidas de enfrentamento da pandemia, cuja ausência deve ser considerada falta justificada, conforme o art. 3º, § 3º, da Lei nº 13.979/2020.

Todavia, a retirada dos funcionários do ambiente de trabalho tem causado prejuízo a alguns trabalhadores que recebem os adicionais de periculosidade e insalubridade, isso porque os empregadores muitas vezes partem do pressuposto equivocado de que poderiam deixar de pagar essas verbas, por não haver o contato do empregado com os agentes periculosos e insalubres.

Por um momento, parece razoável pensar que esses trabalhadores não deveriam receber os adicionais enquanto estiverem em casa, até porque realmente não há qualquer contato com os agentes nocivos durante o afastamento. Entretanto, essa redução é irregular, dado que, além de trazer significativas perdas aos funcionários, vai de encontro com a CLT, as Súmulas do TST e a Constituição Federal.

Antes de adentrar a fundamentação a respeito da irredutibilidade dos adicionais de periculosidade e insalubridade, faz-se necessária uma breve explanação acerca desses complementos salariais.

A periculosidade é repassada aos indivíduos que entram em contato com agentes periculosos, colocando suas vidas em risco no ambiente de trabalho. A Norma Reguladora nº 16 do Ministério do Trabalho prevê o pagamento desse adicional para profissionais que trabalham com atividades perigosas, equivalente ao montante de 30% sobre o salário-base, conforme dispõe o art. 193 § 1º, da CLT.

Já as regras a respeito da insalubridade são estabelecidas pelo o art. 189 da CLT e a Norma Reguladora nº 15 do Ministério do Trabalho. Diferentemente da periculosidade, o adicional insalubridade é devido aos funcionários que entram em contato com agentes nocivos à saúde, mas que não apresentam risco imediato à vida do funcionário, tanto que é possível inclusive se elidir da obrigatoriedade do seu pagamento caso o EPI consiga neutralizar totalmente o agente insalubre.

Outro ponto que difere a insalubridade da periculosidade é o critério de cálculo. Na insalubridade, a porcentagem pode variar entre 10% (insalubridade de nível mínimo), 20% (insalubridade de nível médio) e 40% (insalubridade de nível máximo), conforme artigo 192 da CLT, a base de cálculo é o salário-mínimo vigente, e não o salário-base do empregado como é o caso da periculosidade.

No fim das contas, é evidente que os referidos adicionais fazem a diferença na vida do trabalhador, pois integram o salário e fazem parte da sua remuneração.

Vale ressaltar que o pagamento dos adicionais de insalubridade e periculosidade estão fundamentados no artigo 7º, XXIII da Constituição Federal, que aponta seu caráter remuneratório, constituindo direito social constitucionalmente assegurado ao trabalhador.

Além da Constituição, a Súmula 361 do TST dispõe que o trabalho realizado em circunstância perigosa, mesmo em condição de intermitência, garante ao trabalhador o direito de auferir o adicional de periculosidade integral. Deste modo, mesmo que o empregado falte, as ausências não deverão ser descontadas do adicional de periculosidade, isso porque o seu recebimento se deve à condição perigosa da função desempenhada, independentemente da frequência da exposição ao agente periculoso.

O mesmo se aplica à insalubridade, uma vez que o artigo 192 da CLT determina os percentuais devidos e a base de cálculo do adicional, mas não prevê a possibilidade do pagamento proporcional à jornada de trabalho praticada. De qualquer forma, esta possibilidade não seria plausível, já que a base de cálculo não é o salário do funcionário, mas sim o salário-mínimo vigente. A Súmula nº 47 do TST assegura que o adicional seja devido em função do trabalho executado em condições insalubres, assim como ocorre com a periculosidade, mesmo em caráter intermitente.

Foi inclusive nesse sentido que a AGU, por meio do Parecer nº 106/2020 firmou direcionamento no sentido de que, conforme as recomendações constantes do portal de compras governamentais, no que tange aos contratos de terceirização de mão de obra, é possível suspender o efetivo de funcionários terceirizados, sendo tal suspensão, contudo, efetuada sem prejuízo da remuneração do empregado. Nesse sentido, as únicas parcelas cujo pagamento pode deixar de ser efetivado são referentes ao auxílio-alimentação e ao vale-transporte dos dias não trabalhados efetivamente.

Em poucas palavras, não seria justo deixar de pagar os adicionais aos empregados, por falta de qualquer previsão legal na CLT, nas Súmulas do TST ou na jurisprudência trabalhista, até porque estes adicionais são vinculados à atividade desenvolvida pelo empregado em sua função anotada em carteira de trabalho, e não à frequência com a qual se encontra em condições insalubres ou perigosas.

Por fim, há de se homenagear o princípio trabalhista que permeia todas as razões expostas acima, cristalizado no brocardo “In dubio pro operario”, ao passo em que as verbas dos adicionais têm natureza alimentar, pagas de forma habitual aos trabalhadores, razão pela qual a supressão desses acréscimos diminui a renda familiar justamente em um momento de crise, quando qualquer perda financeira é de difícil reparação.

É preciso compadecer da vulnerabilidade dos celetistas em tempos de pandemia. Em meio à crise econômica que assola o país e põe em risco os seus empregos, manter o pagamento dos adicionais garantidos por lei é o mínimo que se pode fazer para preservar sua dignidade e a previsibilidade de seu sustento.

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Cláudio Ferreira de Lima Filho
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