Limites da defesa do sócio no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Limites da defesa do sócio no incidente de desconsideração da personalidade jurídica

Análise acerca das possibilidade de defesa do sócio no incidente de desconsideração da personalidade jurídica à luz dos princípios do contraditório e da ampla defesa.

INTRODUÇÃO

A desconsideração da personalidade jurídica na forma incidental integra o sócio ao polo passivo da ação principal. Ocorre que como o Código de Processo Civil permite a instauração do incidente em qualquer fase do processo, o presente artigo pretende delimitar quais os limites de defesa do sócio na lide principal sob os princípios constitucionais do devido processo legal, ampla defesa e contraditório. 

O artigo também destacou as principais inovações trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015 sobre o incidente de desconsideração da personalidade jurídica ao qual foi atribuída a modalidade de intervenção de terceiros.

FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

A personalidade jurídica é uma ficção jurídica que visa atribuir personalidades distintas aos sócios da sociedade empresarial da qual fazem parte, permitindo que haja distinção entre os bens da pessoa jurídica e das pessoas naturais que a integram na condição de sócios. Desta forma, a personalidade da sociedade não se confunde com a dos sócios. 

Excepcionalmente a personalidade jurídica poderá ser afastada em um caso concreto, uma vez vislumbrada que a pessoa jurídica se desvirtuou da sua finalidade jurídica, incidindo em algum ilícito. Elucida Arruda Alvim:

“A teoria da desconsideração só pode ser aplicada a casos singulares, extraordinários, quando se fizer mau uso da pessoa jurídica, e, mais, para o fim de que os sócios dessa pessoa jurídica sejam atingidos. [...] A teoria da despersonalização da pessoa jurídica, em verdade, surgiu como uma solução a ser utilizada, quando seja empregado o instituto da personalidade jurídica, visando fins condenáveis pelo direito, ou seja, fins incompatíveis com os fins de sua própria criação, causando prejuízos ao direito de terceiros [...]. Isso porque, sua finalidade como um instrumento para a obtenção de resultados proveitosos para toda a sociedade em casos que tais, terá sido desvirtuada. Na verdade, busca-se, por intermédio da teoria da despersonalização, uma solução justa, para os problemas decorrentes do uso abusivo do instituto da pessoa jurídica.”. (ALVIM, Arruda. Teoria..., p. 143-144).

Também poderá ocorrer a desconsideração inversa, hipótese em que os bens da pessoa jurídica poderão ser afetados para garantia de alguma obrigação atribuída à pessoa do sócio. 

O artigo 50 do Código Civil disciplina que a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade ou pela confusão patrimonial. O código de defesa do consumidor, por sua vez, estabelece que o juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica quando houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos e do contrato social. Outras leis também preveem a desconsideração da personalidade jurídica como a Lei 9.605/1998. 

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica é modalidade de intervenção de terceiros no atual Código de Processo Civil, disciplinada nos artigos 133 a 137, até sua entrada em vigor não havia um procedimento determinado para a desconsideração da personalidade jurídica.

O intuito deste instituto é a responsabilização das pessoas naturais pelos atos ilícitos praticados pelas pessoas jurídicas das quais são sócios, sujeitando os seus bens aos atos executórios, uma vez presentes os requisitos previstos na lei material. 

Disciplina o caput do artigo 134 do Código de Processo Civil que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, cumprimento de sentença e na execução de título extrajudicial, por requerimento da parte ou do Ministério Público, quando couber a ele intervir no processo. 

Ademais o código de processo civil previu expressamente pela primeira vez no §2 do artigo 133, a possibilidade de desconsideração inversa, podendo assim os bens da pessoa jurídica serem afetados por atos praticados pela pessoa natural. 

Observou o código que a instauração do incidente suspende o processo principal, exceto se foi requerido na petição inicial. Uma vez instaurado o incidente, será imediatamente comunicada ao distribuidor para as devidas anotações, bem como o sócio ou a pessoa jurídica serão citados para apresentarem manifestação, bem como as provas cabíveis no prazo de 15 dias, consonante artigo 135 do Código de Processo Civil. 

Desta forma, o pedido de desconsideração da personalidade jurídica poderá ocorrer na petição inicial ou em qualquer fase do processo de forma incidental. Requerida na peça exordial não há a suspensão do processo, conforme disciplina o §3º do artigo 134 do Código de Processo Civil. 

Havendo o pedido de desconsideração a personalidade jurídica na inicial a decisão ocorrerá em sentença concomitantemente com o julgamento do pedido principal, sendo o recurso cabível a apelação. 

Acontecendo na forma incidental, a decisão será interlocutória, sendo o recurso cabível o agravo de instrumento, artigo 1015, inciso IV. 

O sócio em sua defesa deverá atacar a ausência dos requisitos autorizadores para a desconsideração da personalidade jurídica, posto que uma vez afastada, será ele o garantidor da execução ou do cumprimento de sentença, sendo julgado procedente o pedido da parte autora, ou seja, haverá um redirecionamento da execução. 

Ocorrendo a desconsideração da personalidade jurídica ulterior, o sócio, até então terceiro estranho ao processo, passa a integrar o polo passivo da ação, formando com o réu cuja personalidade foi afastada, um litisconsórcio. A controvérsia cinge sobre os limites da defesa do sócio dentro do processo uma vez desconsiderada a personalidade jurídica na forma incidental, posto que o sócio não participou de todas as fases do processo. 

Faz-se então necessário esclarecer, que ao sócio incluído na lide principal não cabe a reabertura da fase de conhecimento para apresentação de defesas e provas para refutação dos pedidos do autor, bem como havendo a desconsideração na fase de execução ou cumprimento de sentença, não caberá reabertura de prazo para impugnação ao cumprimento da sentença ou apresentação de embargos, sem que com isso haja violação de quaisquer dos princípios constitucionais, pois conforme esclarece Andre Pagani, no prazo de 15 dias para apresentar defesa, o sócio além de se defender das imputações relativas à desconsideração da personalidade jurídica, deverá articular toda matéria de defesa que entender pertinente em razão do princípio da eventualidade, consagrado no artigo 336 do CPC. 

Sendo assim, deverá utilizar-se de todos os meios de prova admitidos no direito não só para afastar desconsideração da personalidade jurídica, bem como para impugnar o pedido principal do autor. 

Desta forma, sendo julgada procedente o incidente, pode-se dizer que o sócio ingressará no processo principal no estado em que ele se encontrar.

Isso ocorre em razão da responsabilidade do sócio ser objetiva em face aos atos praticados pela sociedade empresária, cuja personalidade jurídica foi afastada, devendo garantir a execução ou cumprimento de sentença. 

Não há violação ao devido processo legal, contraditório ou ampla defesa, artigo 5, incisos LIV e LV da Constituição Federal e artigos 8 e 9 do Código de Processo Civil, posto que a existência do direito material pleiteado pelo autor foi discutido em observância à todos estes princípios e aos réus foi devidamente concedida à ampla defesa e o contraditório, cabendo ao sócio, uma vez reconhecido o direito material do autor, garantir a satisfação do seu direito. 

Destarte, o papel do sócio é o de garantir ao autor o recebimento pecuniário do direito reconhecido pelo judiciário, caso a pessoa jurídica não tenha bens suficientes, não havendo o que se falar em rediscussão do mérito com seu ingresso na lide, pois é mero garantidor do direito material do autor. 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conforme se vislumbrou, o ingresso do sócio como litisconsórcio não reabre a rediscussão do mérito, posto que o sócio teve acesso ao contraditório e ampla defesa no momento de defender-se do incidente de desconsideração a personalidade jurídica, não havendo o que falar em violação do devido processo legal. 

O papel do sócio na lide é o de garantir a satisfação do direito material do autor, caso haja a impossibilidade financeira da pessoa jurídica, uma vez que a máxima do Código Civil é que aquele que violar o direito ou causar prejuízo a outrem, ficará obrigado a repará-lo.

REFERÊNCIAS

PAGANI, Andre; CARACIOLA, Andrea; ASSIS,Carlos; FERNANDES,Luis;DELLORE,Luiz. Teoria Geral do Processo Contemporâneo. São Paulo: Atlas, 2019.

SCARPINELLA, Cassio. Manual de DIREITO PROCESSUAL CIVIL. São Paulo. Saraiva:2017. 

SCARPINELLA, Cassio. COMENTÁRIOS AO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL. São Paulo. Saraiva: 2018. 

ALVIM, Arruda. Teoria da desconsideração da pessoa jurídica, In Soluções práticas, vol. 3, São Paulo : Revista dos Tribunais, 2011.

Sobre o(a) autor(a)
Bárbara Lopes de Lima Veiga
Advogada em contencioso cível de instituição financeira. Advogada formada pela Universidade São Judas, pós graduanda em Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
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