Desigualdade social e a criação do imposto sobre grandes fortunas no Brasil em tempos de pandemia

Desigualdade social e a criação do imposto sobre grandes fortunas no Brasil em tempos de pandemia

A criação do imposto sobre grandes fortunas sempre foi discutido na tentativa de se obter uma nova fonte de renda para o Estado. Nos últimos dias esta discussão está mais acalorada no momento que o país atravessa uma das maiores crises econômicas e sociais da história, com a pandemia de COVID-19.

O Brasil é um dos países com maior desigualdade social do mundo. Segundo o último relatório divulgado pelo PNUD (Programa das Nações Unidas para Desenvolvimento) nosso país é o sétimo com maior desigualdade social no mundo. Com a pandemia do COVID-19 a desigualdade tende a aumentar. 

Para Ursula Von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia “O mundo entrou na pior recessão em quase 100 anos com a pandemia”. Centenas de empresas fecharão, milhões de brasileiros aumentarão o já alto índice de desemprego. A crise atingirá também as contas do Governo. Em uma sociedade em que as pessoas físcias e jurídicas estão em frangalhos, o governo não terá uma fonte segura de custeio e ainda terá que arcar com sistemas de assistencialismo para os cidadãos, bem como de subsídios e isenções para as empresas. Atualmente o endividamento público já atinge quase 80% do PIB.

A desigualdade social pode ser aferida por diversos parâmetros, tais como, faixa de renda (metade dos brasileiros recebem em média R$850,00, enquanto 1% da população recebe R$28.659,00); índice de desenvolvimento humano; escolarização; acesso a serviços básicos; sistema tributário etc.

Para o Estado exercer sua função constitucional de proporcionar o bem comum é necessário que exista uma fonte de recursos de custeio. Nesta toada entra o Sistema Tributário que é o responsável por estabelecer como se dará esta relação de custeio que os contribuintes farão para a máquina pública.

O Sistema Tributário Nacional é composto por toda a legislação sobre normas gerais e específicas em matéria tributária, englobando a Constituição Federal, Leis Complementares, Leis Ordinárias, Decretos, Portarias etc. Estes diplomas normativos são criados pelos diversos entes federais, União, Estados e Municípios, no que lhe são próprios. A Constituição Federal é a norma fundamental e deve ser seguidas por todos os outros diplomas normativos tributários, bem como por todos os entes federativos.

Tributo é toda obrigação, criada por lei, que consiste em obrigação de pagar, em dinheiro, e que não constitua sanção de ato ilícito.

Partindo da classificação tripartite de tributos, as espécies de tributo são: Taxa, contribuição de melhoria e imposto.

As taxas são obrigações de pagar e tem como fato gerador o exercício regular do poder de polícia, ou a utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

A contribuição de melhoria pode ser cobrada por todos os entes federados e é instituída para fazer face ao custo de obras públicas de que decorra valorização imobiliária, tendo como limite total a despesa realizada e como limite individual o acréscimo de valor que da obra resultar para cada imóvel beneficiado.

Os impostos são as obrigações legais que não dependem de qualquer prestação do Estado. É comum as pessoas pensarem que é injusto pagar o Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) uma vez as estradas estão em péssimas condições de uso, mas como visto acima, imposto deve ser pago independentemente de qualquer prestação do Estado, ou seja, estando a estrada em boa o má condição de uso, deve ser pago o IPVA.

A Constituição estabeleceu a distribuição dos impostos entre os entes federados da seguinte forma: União (Imposto de Importação, Imposto de Exportação, Imposto de Renda, Imposto sobre Produtos Industrializados, Imposto sobre operações financeiras, Imposto Territorial Rural, Imposto sobre grandes Fortunas); Estados (Imposto de Transmissão Causa Mortis e doação, Imposto sobre circulação de mercadorias e serviços e Imposto sobre a propriedade de veículos automotores); Municípios (Imposto sobre a propriedade predial e Territorial Urbana, Imposto de transmissão Inter Vivos de bens imóveis e Imposto sobre serviços de qualquer natureza).

De todos os impostos acima enumerados, o Imposto sobre grandes fortunas (IGF) é o único que não foi regulamentado por Lei Complementar e desta forma ainda não pode ser cobrado.

O objetivo da criação do IGF é a redistribuição de renda e diminuição das desigualdades sociais para assegurar a efetividade dos direitos estabelecidos na CF/88 para que o cidadão tenha uma vida digna. O fato gerador do imposto seria a “grande fortuna”, ou seja, apenas uma parcela pequena de pessoas físicas e pessoas jurídicas seriam elencadas como contribuintes deste imposto. Atualmente o contribuinte com menor capacidade contributiva é o que paga mais imposto tomando-se por base, proporcionalmente, a renda recebida. Exemplo disto é o fato de que um contribuinte rico e um contribuinte pobre pagam o mesmo montante de tributos na compra de um pacote de arroz ou na compra de uma TV. No Brasil há uma maior carga tributária nos produtos de consumo (maior que 50% do valor do bem) em comparação à taxação do patrimônio (maior alíquota do Imposto de Renda é de 27,5%).

Existem muitas discussões em relação à criação do IGF. Como se daria o conceito, objetivamente, de grande fortuna? Seria aplicável apenas a pessoas físicas ou também a pessoas jurídicas? Se seria aplicável às pessoas jurídicas estrangeiras? Aqui surge uma crítica - investidores estrangeiros perderiam o interesse em investir aqui no Brasil.          

Para muitos autores o IGF poderia gerar um aumento na sonegação fiscal por meio da omissão ou diminuição de valores lançados em Declarações fiscais. Existe também quem defenda possibilidade de ocorrer a dupla tributação em relação aos impostos que já são cobrados, tais como Imposto de Renda e Imposto sobre transmissão causa mortis e doação.

Analisando cada uma destas discussões podemos perceber que não é fácil a regulamentação do IGF, tanto é que já se passaram quase 32 anos da Promulgação da Carta Magna e o imposto ainda não foi instituído. Entretanto, em tempos de Pandemia e da certeza da crise econômica e social presente e futura, o debate sobre novas fontes de custeio para o Estado volta à baila e uma das possibilidades é a regulamentação do IGF.

Existem inúmeros projetos de leis no Congresso Nacional que visam regulamentar o IGF. A Câmara dos Deputados já recebeu 35 projetos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. Neste período, vários já foram arquivados e 9 foram enviados após o início da pandemia de COVID-19.

Alguns projetos de lei também foram apresentados no Senado Federal. Atualmente a Casa analisa 4 projetos, sendo 2 criados após o início da pandemia do COVID-19.

Verifica-se a preocupação dos parlamentares em combater os efeitos da pandemia de várias formas e o Imposto sobre Grandes Fortunas seria um aliado muito bem vindo. O tributo aumentaria a isonomia do Sistema Tributário, tornando-o mais justo. Os recursos angariados poderiam ser destinados a minimizar os efeitos do desemprego e da miséria, ou para reduzir a carga tributária das empresas que sofrerão com a recessão. Os recursos poderiam contribuir também com a saúde, já que ainda teremos que muitos meses de enfrentamento da pandemia pela frente.      

Estamos passando por um momento decisivo para o nosso país e devemos contar com a coragem dos nossos parlamentares em aprovar uma lei que pode atingir, de forma muito branda, uma pequena parcela privilegiada da população e ao mesmo tempo o dinheiro arrecadado poderá ajudar milhões de brasileiros.

REFERÊNCIAS

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MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Malheiros. Ed. 36. Revista e ampliada, 2015.

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Sobre o(a) autor(a)
João Felipe Gomes de Campos
Formado em Ciências Aeronáuticas pela Universidade de Uberaba e em Direito pelo Centro Universitário Newton Paiva. Exerce o cargo de Analista Tributário da Receita Federal.
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