A má estrutura e gestão do sistema penitenciário brasileiro

A má estrutura e gestão do sistema penitenciário brasileiro

Visa analisar o sistema penitenciário brasileiro, sua estruturação e gestão, considerando que tal sistema necessita urgentemente de uma reforma e reestruturação, uma vez que o Estado se faz ausente mediante a administração e a disponibilização de auxílios.

1. INTRODUÇÃO

O presente texto visa fazer uma análise sobre o sistema penitenciário brasileiro, sua estruturação e gestão. Considerando que tal sistema necessita urgentemente de uma reforma e reestruturação, uma vez que o Estado se faz ausente mediante a administração e a disponibilização dos auxílios, principalmente financeiros. 

Ainda, o preso possui a indisponibilidade de alguns direitos, como a dignidade humana, uma vez que Estado prefere tratar as penas apenas como um meio de castigar o indivíduo pelo delito realizado, além da restrição ao direito de atendimento médico, higiene básica, trabalho, acesso à educação e até mesmo a manutenção de sua integridade física e moral. 

Dessa forma, é necessária a exposição dos problemas para que se possa achar a solução, assim alcançando-se a real finalidade do sistema carcerário brasileiro que é a reeducação, ressocialização e reinserção do detento no meio social.

2. HISTÓRICO

O estabelecimento de penas para a desconstrução de um comportamento reprovado é bastante antigo, inicialmente, imposta sem um devido processo legal e de forma a degradar a integridade física do indivíduo infrator. A etimologia da palavra “pena” em si mesma já designa um significado de degradação, derivada no latim poena significa castigo, expiação, suplício. Já segundo a etimologia grega “ponos” designa fadiga, sofrimento.

Ao analisar-se o histórico do direito penal, na fase inicial da humanidade, pode-se perceber que se tratava de uma espécie de vingança privada, transvestida de punição, em que valia a lei do mais forte, ou até mesmo do mais poderoso. 

Apesar disso, com o demandar dos séculos houve a codificação de penas, porém a manutenção da violência e da degradação física e moral, como previsto no tão conhecido Código de Hamurabi, que possuía punições de um rigor terrível. 

Entretanto, historiadores acreditam que essa rigorosidade deve-se ao fato de que o homem, desde os primórdios somente se abstém de certos atos, mesmo sendo amorais ou anti-éticos, perante penas duras, como o historiador Ralph Lopes Pinheiro afirma: "o homem daquele tempo só se atemorizava mesmo diante de consequências drásticas, terríveis. Daí a necessidade de serem estabelecidas penas rigorosas, pois não se pode aceitar a ideia de que os legisladores de então fossem insensíveis e tão cruéis, como pode parecer à primeira vista". (LOPES, RALPH, História resumida do direito, 2000)

No Brasil não foi diferente, desde o período imperial até a proclamação da república houve uma variação dos tipos de penas que poderiam ser aplicados, porém com a promulgação da Constituição Cidadã em 1988, vetou-se a pena de morte, apesar de suas exceções. 

Apesar também do Código Penal ser datado de 1940, a legislação executiva-penal brasileira é considerada a mais humanizada e digna do mundo, excluindo e negando, tratamento cruel, impiedoso e degradante ao encarcerado. Ao se analisar o sistema carcerário brasileiro em sua teoria encontra-se projetos totalmente diversos da realidade penal-carcerária brasileira, com um poder judiciário que não possui celeridade em seus processos, e casas de detenção com o mínimo de salubridade e de decência para manter os detentos de forma digna e humana. 

Sem levar em conta da ausência dos dispositivos previstos em lei como a oferta de ensino e cursos profissionalizantes, além de trabalho intra-muros ou extra-muros, dependendo do regime penal.

Portanto, é perceptível que são necessárias alterações tanto de curto, quanto de longo prazo para uma mudança real no sistema carcerário brasileiro, em sua estruturação e em sua execução, ou seja, uma mudança física, jurídica e humana.

3. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DIREITOS DO PRESO

Para entender a dignidade da pessoa humana, é preciso saber sobre sua origem, os seus primeiros aparecimentos, e principalmente o seu conceito. Essa concepção não é algo atual, é uma preocupação que vem desde a antiguidade clássica, iniciando-se com o fato de estabilizações de leis com o cunho de proteção do indivíduo, sendo o homem, a partir deste momento, o centro das mudanças das esferas jurídicas.

O pensamento em torno do ser humano como ente digno de deveres e direitos nasceu na Grécia Antiga, diante, principalmente do fato da racionalização do pensamento e da sistematização de tal. 

Além disso, não se pode deixar de citar a influência do pensamento cristão, ao enfatizar que o homem se relacionava com um Deus que também era pessoa, dessa forma, colocava-os em um mesmo patamar, sem qualquer distinção, dessa forma direcionando o homem como merecedor de respeito e admiração, já que foi criado a imagem e semelhança de Deus. 

Assim sendo, quanto ao período atual entende-se que a dignidade da pessoa humana é um direito resguardado a todos, não somente previsto na Constituição Federal Brasileira, como também em estatutos legais internacionais, como na Declaração Universal dos Direitos Humanos e na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem. 

Ademais, esse princípio é um dos norteadores do direito penal, derivando-se nos direitos do preso, que são resguardados tanto pelo Código Penal Brasileiro como pela Lei de Execução Penal (lei 7.210 de 07/11/1984). 

Com isso, é pertinente deixar bem claro que todo ser humano merece respeito e condições mínimas para sobrevivência, com o encarcerado não deve ser diferente, mesmo ele tendo cometido uma falta grave, descumprindo preceitos legais, o mesmo continua sendo um ser humano que merece um tratamento correto e humanizado, para que assim sua pena surta efeito ao comportamento reprovado. Dessa forma, voltando ressocializado para o seio social.

No plano legislativo brasileiro, os preceitos legais executivo-penal, são considerados os mais humanizados de todo o mundo, excluindo e negando tratamento cruel, impiedoso e degradante ao encarcerado, resguardando também o princípio da humanidade que faz jus ao norteamento do Código Penal Brasileiro. 

No entanto, na prática o sistema é completamente falho, perece de cuidados e seriedade, sendo administrado por pessoas incapacitadas e que carecem de humanização e amor ao próximo. Ademais, segundo o artigo 38 do Código Penal, o preso conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade, impondo-se a todas as autoridades o respeito à sua integridade física e moral. 

Porém, essa disposição legal é recorrentemente descumprida, sendo a integridade tanto física quanto moral do encarcerado desrespeitadas. Por exemplo, como ocorreu no conhecido “Massacre do Carandiru”, em que mais de cem detentos, segundo as pesquisas, foram mortos de forma degradante e desumana. Dessa forma, desrespeitando não somente os direitos do preso, mas também princípios constitucionais como o da dignidade da pessoa humana, e o do devido processo legal. 

Ademais, os direitos do preso referentes à sua integridade física são feridos regularmente, uma vez que ao adentrarem aos complexos prisionais, são tratados de forma desumana, com violência e arrogância, muitas vezes agredidos fisicamente e moralmente. As condições referentes ao tratamento são reguladas por profissionais como os agentes carcerários e até mesmo pela polícia, que utiliza de um tratamento agressivo, para não dizer despreparado e não especializado para este tipo de serviço. 

Por fim, é possível ver a ausência de uma intervenção positiva do Estado nos sistemas prisionais, dando auxílio ao detento em aspectos como saúde, trabalho, educação, recreação, uma vez que o encarcerado está privado somente do seu direito a liberdade, e não de todos ou da maioria de seus direitos previstos na Constituição Federal, como pessoa humana. Ora, o Estado não disponibiliza o acesso do preso a educação, sendo restrita a um número ínfimo de detentos ou até de presídios, em que uns possuem estes serviços sociais disponíveis, enquanto outros não. 

Dessa forma, o delinquente entra no sistema carcerário de uma forma e sai deste da mesma maneira, ou até mais marginalizado, aperfeiçoado no crime, pois os serviços básicos são indisponíveis a eles, gerando insatisfação e revolta, além de ferir sua integridade moral.

4. A OCIOSIDADE COMO MECANISMO DE RESSOCIALIZAÇÃO

O objetivo teórico do sistema carcerário e da pena em si é o da ressocialização do preso e de sua reinserção no meio social, entretanto, o Estado demonstra pouca eficiência em suas ferramentas utilizadas, deixando transparecer seu descaso total com a pessoa humana do encarcerado. 

O fato da não utilização de meios eficazes para a efetividade da pena é demonstrado pela contradição entre o fato do trabalho ser considerado obrigatório para o condenado à pena privativa de liberdade, segundo a Lei de Execução Penal (LEP), e a existência ínfima ou ausente de disponibilização de vagas de trabalho para o encarcerado, deixando-o a mercê desse direito, e tornando cada vez mais real a ociosidade do detento dentro do sistema prisional. 

Ademais, o serviço durante o cumprimento de pena tem o intuito de promover a preparação do encarcerado para voltar ao mercado de trabalho, como previsto no artigo 28 da LEP o trabalho do condenado, como dever social e condição de dignidade humana, terá finalidade educativa e produtiva. 

Ainda, como previsto na LEP em seu art.126, tanto o trabalho quanto o estudo geram a remissão da pena, computando como pena cumprida cada dia trabalhado. Entretanto, a veracidade é que há um número reduzido de encarcerados que conseguem essa remição, pelo fato do pouco investimento nessa áreas, tanto pela iniciativa pública, quanto pela iniciativa privada, pelos fatos de descaso, corrupção e até preconceito. 

Para a proteção da dignidade do encarcerado quanto às condições disponibilizadas por algumas vagas de trabalho, tanto interno, quanto externo, há a existência dos artigos 28 ao 37 na LEP que tratam e regulam sobre o trabalho prestado por eles. Estes artigos prevêem que o serviço para o preso é um dever social, com o objetivo da formação profissional do encarcerado, deve ser remunerado e apropriado às condições do preso.

Também, a existência do ócio é reforçado pela indisponibilidade de acesso à educação, sendo que quando torna-se realidade, é possibilitado para um número reduzido e seleto de encarcerados. 

Porém, o acesso a esse direito é uma obrigação do Estado para com o preso, já que ele esta privado de sua liberdade, e não de sua educação. 

Ao se analisar a realidade dos encarcerados, cerca de 75% desses, segundo o jornal Estadão, não chegaram a cursar o ensino médio e 51% não chegaram a concluir o ensino fundamental. 

Portanto, sendo imprescindível a disponibilidade do ensino nas prisões, para que assim o detento de pouco ensino sistematizado possa ter essa oportunidade, que, em muitos casos, não a teria fora do cárcere. Ainda, segundo estudos médicos, o isolamento somado à ociosidade, sem contar o mau tratamento e as péssimas condições de vida que ao detido sobrevêm, gera a ansiedade. 

Ansiedade esta que desencadeia em maiores consumos de substâncias ilícitas, como drogas, que são comumente presentes dentro das cadeias. Todo esse universo constitui comportamentos e pensamentos maléficos, desencadeando revoltas, brigas e até fugas. Assim, quando a pessoa não possui ocupação ela passa a enxergar a vida como monótona e indiferente, e dessa forma, não possuindo um apreço pela vida ela passa a enxergar a vida de terceiros sem importância. 

Portanto, é perceptível o desinteresse do Estado pela ressocialização e reinserção do preso à sociedade, uma vez que não dá incentivo às principais áreas que levariam a um resultado positivo para o sistema carcerário brasileiro, uma vez que é utilizado a ociosidade como ferramenta e não meios, como os já previstos em legislação como trabalho e ensino, para suceder efeitos benéficos tanto para os encarcerados, quanto para a sociedade que, consequentemente, seriam para o próprio Estado.

5. CONCLUSÃO

Com base em todo o exposto, percebe-se que são necessárias mudanças na postura Estatal para com o atual sistema penitenciário brasileiro, implementação de novas ferramentas e medidas práticas mais humanizadas que mudarão, de fato, o déficit desse sistema. Inicialmente, deve-se implantar a prática de toda a teoria penal-carcerária prevista em leis e códigos e que é considerada a mais humanizada do mundo. 

Com a contratação de profissionais e gestores especializados na área, aumento do número de efetivos tanto na área prática, quanto na área administrativa, o que gerará um tratamento mais humanizado ao preso e uma melhor gestão do sistema. 

O Estado deve investir em áreas como infraestrutura de presídios adequando – os para a estadia digna dos detentos, com salubridade, higiene e condições adequadas para a sobrevivência. Ainda deve haver uma reforma para a adequação do ambiente para o trabalho e para a disponibilidade de ensino, como salas de aula, tanto para o ensino regular, quanto para cursos profissionalizantes. 

Também deve haver a ampliação de vagas de trabalho e curso para os detentos, com a finalidade de que todos ou a maioria tenha acesso a esse direito. Sendo que o objetivo principal é a ressocialização desse ser humano e sua reinserção no seio social, evitando sua reincidência criminal. 

Ainda, o Estado poderia desenvolver incentivos fiscais para a iniciativa privada fazer parcerias com a mão-de-obra dos detentos, voltados para os de regime semiaberto ou aberto. Ou até mesmo o próprio poder público poderia utilizar dessa mão-de-obra ociosa, em obras públicas, como pintura viária, limpeza urbana, pintura de órgãos, todo o serviço remunerado, com os auxílios necessários e com o benefício da remissão da pena. 

Essas reformas no sistema só gerarão resultados positivos, como é possível ver no convênio entre a unidade prisional de Senador Canedo em Goiás e a prefeitura municipal que desenvolveram o projeto “Progredindo para a liberdade”, em que os apenado são contratados e remunerados pela Secretaria de Segurança Pública e prestam serviço em obras públicas. Fundado em 2017, o projeto só tem gerado reflexos proveitosos já que oportuniza aos detentos que vão para o convívio social para que eles e as suas famílias possam caminhar de forma correta.

Dessa forma, acatando-se de forma séria e justa, toda essa reestruturação o sistema penitenciário brasileiro gerará somente resultados positivos, podendo ser considerado na prática o que já é considerado na teoria, ou seja, como um dos mais humanizados do mundo.

BIBLIOGRAFIA

BRASIL. Código Penal. Brasília, DF, Senado, 1940

BRASIL. Lei de Execução Penal. Brasília, DF, Senado, 1984.

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MAIORIA DOS PRESOS SÃO JOVENS NEGROS E DE BAIXA ESCOLARIDADE https://brasil.estadao.com.br/noticias/geral,maioria-dos-presos-e-jovem-negra-e-debaixa-escolaridade,70002113030. Acesso em: 23 nov. 2018. 

OLIVEIRA HB DE, CARDOSO JC. Tuberculose no sistema prisional de Campinas, São Paulo, Brasil. Revista Panam Salud Publica. 2004.

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TVPUC. Encarceramento em massa – A tragédia prisional brasileira. São Paulo. 2017. Disponível em: https://youtu.be/uiYtMlcaUc4 Acesso em: 18 out. 2018

Sobre o(a) autor(a)
Mariane Mendonça Costa
- Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Goiás - Uni-Anhanguera, advogada atuante, especialista na área do Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade Legale - SP e especializanda em Direito Tributário Empresarial...
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