A inimputabilidade penal por doença mental

A inimputabilidade penal por doença mental

O trabalho visa demonstrar os casos de inimputabilidade penal por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, nos termo do artigo 26 do Código Penal, com ênfase na análise descritiva dos elementos que compõe crime, conforme teoria tripartida do delito.

A inimputabilidade é o termo associado ao agente que, ao tempo da infração penal, não tinha o discernimento necessário para compreender a proibição imposta, bem como as consequências de sua conduta. 

Fator esse que, em tese, exclui a sua responsabilidade sobre os danos ocasionados por seu comportamento. Inicialmente, cumpre destacar que o Código Penal Brasileiro (BRASIL, 1940) dispõe em seus artigos 26 a 28 sobre a imputabilidade penal, elencado os casos em que o agente é isento de pena, sendo considerado, portanto, como inimputável. 

A primeira situação, prevista no artigo 26 do referido diploma (BRASIL, 1940), trata dos casos de inimputabilidade penal por doença mental, prevendo que o doente mental ou ainda o portador de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que ao tempo da conduta delituosa não possuía condição alguma de compreender as consequências de seus atos ou caráter ilícito daquela conduta, seja isento de pena. 

É oportuno destacar ainda que a inimputabilidade penal é causa de exclusão da culpabilidade, um dos elementos que compõem a teoria do crime, conforme explicam Mirabete e Fabrini (2007, p.263):

Admitindo-se que a culpabilidade é um juízo de reprovação e assentado que somente pode ser responsabilizado o sujeito pela prática de um fato ilícito quando poderia ter agido em conformidade com a norma penal, a imputação exige que o agente seja capaz de compreender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento. Essa capacidade só existe quando tiver ele uma estrutura psíquica suficiente para querer e entender, de modo que a lei considera inimputável quem não a tem. A imputabilidade é aptidão para ser culpável, pressuposto ou elemento da culpabilidade; imputável é aquele que tem capacidade de entender o caráter ilícito do fato e de determinar-se de acordo com esse entendimento (…).

Destaca-se que a legislação penal também aponta casos de semiimputabilidade, conforme ensina Carvalho (2015, p. 499). 

Ainda dispõe o autor (2015, p. 499, 500) que o sistema jurídico penal brasileiro apresenta hipóteses diversas como respostas jurídicas aos agentes que praticam condutas ilícitas, elencando quatro hipóteses existentes, sendo elas: a) aplicação de pena ao agente considerando imputável; b) aplicação de uma pena reduzida ou ainda aplicação de medida de segurança ao semiimputável; c) a terceira hipótese trata-se da aplicação de medida de segurança ao inimputável psíquico; d) e por último, aplicação da medida socioeducativa ao inimputável etário, ou seja, ao menor infrator.

Teoria do Crime

A teoria do crime é o estudo das condutas criminosas, do ponto de visto jurídico, o qual abrange o aspecto da responsabilidade pela violação da norma penal incriminadora. 

No entanto, para se chegar a um conceito, sob o aspecto jurídico, leciona Brandão (2010, p. 125) que: “podemos fazê-lo dando ênfase ao preceito ou ao conteúdo da norma”. 

Porquanto seu conceito se divide em material e formal, respectivamente. Ainda segundo o autor (2010, p.125), a definição material de crime se estabelece pela violação ou pela exposição a perigo dos bens jurídicos tutelados pelo Direito Penal. Quanto ao seu conceito formal, o ordenamento jurídico brasileiro o estabeleceu na Lei de Introdução ao Código Penal (BRASIL, 1941), em seu artigo 1º.

Art. 1º – Considera-se crime a infração penal que a lei comina pena de reclusão ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativa ou cumulativamente com a pena de multa; contravenção, a infração penal a que a lei comina, isoladamente, pena de prisão simples ou de multa, ou ambas, alternativa ou cumulativamente.

Neste contexto, a doutrina majoritária estabelece três elementos gerais, os quais compõe a definição de crime, são eles: a tipicidade, antijuricidade e a culpabilidade. Destaca-se o último elemento, o qual se relaciona com a inimputabilidade, em especial quando incidem os casos de insanidade mental, objeto de estudo do presente trabalho.

Frisa-se que os dois primeiros elementos que compõe o crime, segundo Brandão (2010, p. 125), trata-se de juízos sobre a ação humana. No entanto, para que o crime exista, além da tipicidade e da antijuridicidade, também é necessário que se faça um juízo sobre o agente, juízo esse que corresponde à culpabilidade.

Esse modelo teórico adotado no Brasil assemelha-se ao modelo adotado pela doutrina alemã.

Correntes doutrinárias no direito brasileiro que definem o crime

No que se refere ao conceito analítico de crime, ou seja, a análise dos elementos que o compõe, existem divergência doutrinária, com várias vertentes diferentes. 

A principal corrente, e a que prevalece no direito brasileiro, é a tripartida do delito, a qual define o crime como uma ação típica, antijurídica e culpável, compreendida como um todo, mas com análise distinta de cada elemento. Existem outras correntes, como a bipartida e quadripartida. 

A primeira denomina o crime como um fato típico e culpável, neste caso, o elemento da antijuridicidade está englobado na tipicidade. A segunda o conceitua como um fato típico, antijurídico, culpável e punível. Interessante, nesse último caso, o elemento da punibilidade compondo o crime, eis que, segundo essa corrente, não havendo a possibilidade de se punir o agente, não há que se falar em crime. 

Há ainda a corrente tripartida causalista que define o crime com um fato típico, antijurídico e culpável, diferenciando-se da tripartida, teoricamente finalista, por divergirem quanto ao elemento subjetivo do crime, qual seja, o dolo e a culpa. Isto pois, na corrente tripartida causalista o elemento subjetivo está inserido na culpabilidade, enquanto na outra ele está inserido no elemento da tipicidade. 

Importante destacar que existem várias outras correntes sobre o exame analítico do crime, no entanto, sem nenhuma expressão relevante. Frisa-se, portanto, que a corrente tripartida finalista é amplamente majoritária na doutrina brasileira. 

Por oportuno, destaca-se que existem várias correntes filosóficas que adotam a visão bipartida, tripartida ou quadripartida para conceituar o crime, as quais se destacam: neokantismo, finalismo, teoria social da ação, funcionalismo, teoria significativa da ação, entre outras.

Como já exposto acima, no Brasil, o pensamento filosófico que mais influenciou a formação do conceito tripartida de crime foi a teoria finalista, que tem como principal teórico Hans Welzel, jusfilosófico alemão.

Dos elementos do crime

Para o exame analítico do crime, necessário que se faça uma análise distinta de cada elemento, destacando-se que na falta de qualquer um deles não existe crime. 

A tipicidade trata-se do comportamento humano que, omissiva ou comissivamente, provoca um resultado previsto na legislação como uma infração penal. 

Frisa-se que a tipicidade deriva do princípio da legalidade, o qual se fundamenta pelo artigo 5º, inciso XXXIX da Constituição Federal (BRASIL, 1988), bem como artigo 1º do Código Penal (BRASIL, 1940), os quais preceituam, conforme lecionam Mirabete e Fabbrini (2007, p. 104), que não será considerado crime o fato que não estiver descrito na lei penal incriminadora, ainda, que tal conduta seja imoral, antissocial ou danosa. São elementos do fato típico a conduta, seja ela omissiva ou comissiva, a relação de causalidade, o resultado e a tipicidade. 

Porquanto, ausente um destes elementos a conduta passa a constituir um fato atípico. 

A respeito dos elementos que integram o fato típico, dispõe Mirabete e Fabrini (2007, p.146) que a conduta é o comportamento humano com um fim específico, enquanto o resultado é considerado, num sentido normativo, com uma lesão ou perigo de lesão a um bem jurídico, e a relação de causalidade é a ligação entre a conduta e o resultado (causa e efeito). 

Já a tipicidade é a correspondência exata, a adequação perfeita, entre o fato concreto e a descrição abstrata contida na lei penal. 

A antijuridicidade trata-se do segundo elemento que compõe o crime, conforme a teoria tripartida do delito. 

Porquanto, não basta, para a ocorrência de um crime, que o fato seja típico, é necessário também que seja antijurídico, ou seja, contrário à lei penal, e ainda que exista a violação de bens jurídicos protegidos pelo ordenamento jurídico.

O Código Penal, em seu artigo 23, elenca as causas legais de exclusão da ilicitude, sendo elas o estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito. 

A culpabilidade é a reprovabilidade, a censura do comportamento pessoal do agente pela realização de uma ação ou omissão, nas quais devem estar presentes os elementos da tipicidade e ilicitude. Isto pois, não existe culpabilidade se o fato não é típico e ilícito. Para Nucci (2016, p. 500), a culpabilidade trata-se de: (…) de um juízo de reprovação social, incidente sobre o fato e seu autor, devendo o agente ser imputável, atuar com consciência potencial de ilicitude, bem como ter a possibilidade e a exigibilidade de atuar de outro modo, seguindo as regras impostas pelo direito (teoria normativa pura, proveniente do finalismo).

Dispõe ainda autor (2016, p. 306) que culpabilidade se divide em formal e material. Na primeira concepção ocorre a censurabilidade ou reprovação em abstrato, pela qual se estabelece os limites máximos e mínimos de pena atribuída a uma conduta delituosa. Já na segunda, qual seja material, ocorre a censurabilidade ou reprovação concreta de um fato típico e antijurídico e seu autor.

A inimputabilidade penal do agente

Considerando que a culpabilidade trata-se de um juízo de reprovação e que somente o agente que prática uma conduta típica e antijurídica pode ser responsabilizado, conforme explica Mirabete e Fabrini (2007, p. 263), “a imputação exige que o agente seja capaz de entender a ilicitude de sua conduta e de agir de acordo com esse entendimento”. 

Desse modo, aqueles que não têm uma estrutura psíquica suficientemente capaz para entender a ilicitude e as consequências de seus atos são considerados inimputáveis pela legislação pátria. Para Capez (2017, p. 326), a imputabilidade apresenta dois aspectos distintos, o intelectivo e o volitivo. 

O primeiro trata-se da capacidade de entendimento, enquanto o volitivo a faculdade de controlar e comandar a própria vontade. Porquanto, ausente um desses elementos, o agente não pode ser responsabilizado por seus atos.

Em regra, todo agente é considerado imputável, a exceção ocorre quando presentes algumas das causas excludente da imputabilidade, as também denominadas causas dirimentes. 

O Código Penal brasileiro elenca tais causa que, por consequência, exclui a culpabilidade, quais sejam, a doença mental e o desenvolvimento mental incompleto ou retardado, a menoridade e a embriaguez fortuita completa, os quais, para o presente estudo, interessa o primeiro. 

Da inimputabilidade por doença mental ou desenvolvimento incompleto ou retardado

Primeiramente, cumpre estabelecer o conceito de doença mental e de desenvolvimento mental incompleto ou retardado, conforme dispõe a doutrina. Para Nucci (2016, p. 514) doença mental: Trata-se de um quadro de alterações psíquicas qualitativas, como a esquizofrenia, as doenças afetivas (antes chamadas de psicose maníaco-depressiva ou acessos alternados de excitação e depressão psíquica) e outras psicoses. 

O conceito deve ser analisado em sentido lato, abrangendo as doenças de origem patológica e de origem toxicológica. Já o desenvolvimento incompleto ou retardado, é definido pelo autor (2016, p. 514) como sendo a capacidade de compreensão limitada do fato ilícito ou da ausência de capacidade de se autodeterminar, conforme o precário entendimento, tendo em vista que o agente ainda não atingiu sua maturidade intelectual e física, dentre as causas o autor aponta a idade, ou ainda algumas características pessoais do agente, como por exemplo, o surdo, sem nenhuma possibilidade de comunicação. 

Importante frisar que o indígena pode ser considerado como semiimputável, a depender de sua integralização à civilização. 

Por oportuno, destaca-se que as doenças da vontade e as personalidades antissociais, também denominadas como anomalias de personalidade, a exemplo da resistência à dor, os defeitos éticos sociais ou ainda os intrometidos, não excluem a culpabilidade, eis que estes não têm a inteligência, a razão e vontade afetadas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Por fim, cumpre registrar que a inimputabilidade por doença mental é tema de bastante discussão na doutrina e jurisprudência pátria, haja vista que, comprovada a doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardo, por meio do incidente processual de insanidade mental, o agente é absolvido impropriamente e, ante a sua periculosidade que será sempre presumida, este será submetido à medida de segurança. 

A medida de segurança, no entanto, se mostra um instituto ineficaz ao fim que se destina, qual seja tratamento curativo ao agente portador de transtorno mental. 

Eis que seu método e estrutura não possibilitam a reinserção social do agente, levando-o a praticar reiteradas vezes condutas criminosas, sob o manto da excludente de culpabilidade da inimputabilidade por insanidade mental.

REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Manual de Processo Penal. 3. ed., rev., ampl. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal. 22 ed., rev., ampl. e atual., São Paulo: Saraiva, 2016. 

BRANDÃO, Cláudio. Curso de Direito Penal: parte geral. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. 

BRASIL. Decreto-lei nº 3.914, de 9 de dezembro de 1941. Lei de Introdução Ao Código Penal. Rio de Janeiro, RJ. Disponível em:. Acesso em: 01 abr. 2018. 

BRASIL. Lei n. 10.216, de 06 de abril de 2001. Dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais e redireciona o modelo assistencial em saúde mental. Publicada no Diário Oficial da União de 07.04.2001. 

BRASIL. Lei n. 7.210, de 11 de julho de 1984. Dispõe sobre a Execução Penal e dá outras providências. Publicada no Diário Oficial da União de 12.07.1984.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 5.ed. São Paulo: Saraiva, 2005. 

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: parte geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2017. 1 v. 

DELMANTO, Celso. Código Penal Comentado. 5. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. 

FUHRER, Maximiliano Roberto Ernesto. Tratado da Inimputabilidade no Direito Penal. 1.ed. São Paulo: Malheiros, 2000. GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 

MIRABETE, Julio Fabbrini; FABBRINI, Renato N.. Código penal interpretado. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2007. 

NUCCI, Guilherme Souza. Curso de Direito Penal: Parte Geral. Rio de Janeiro: Forense, 2017. 

PACELLI, Eugênio. Curso de Processo Penal. 21. ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Atlas, 2017. 

PONTE, Antônio Carlos da. Inimputabilidade e Processo Penal. 2.ed. São Paulo: Quartier Latin, 2007.

Sobre o(a) autor(a)
Aparecida Kele de Araujo Moraes
Estudante de direito na Faculdade Santa Rita de Cássia - IFASC. Atualmente estagiária no Ministério Público do Estado de Goias, lotada na 2 promotoria de Justiça da comarca de Itumbiara-GO.
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