O Programa Fome Zero e o Sistema Nacional de Seguridade Social

O Programa Fome Zero e o Sistema Nacional de Seguridade Social

O Programa Fome Zero está no bojo da Seguridade Social ou é paralelo a esta? Brevíssima análise sobre a temática.

Enquanto dois terços não comem, um terço não dorme, com medo dos que não comem”. (Josué de Castro (1908-1973), in “Geografia da Fome”)


Em breve síntese podemos afirmar que, embora com previsão implícita desde os "socorros públicos" da Carta Constitucional de 1824, o Sistema de Seguridade Social brasileiro possui destacado alicerce na vigente Constituição Federal, albergando três áreas de atuação, quais sejam: a Previdência Social (regime contributivo), Saúde (direito de todos) e Assistência Social (garantia de proteção e dignidade aos que efetivamente necessitarem). Preconiza o "caput" do artigo 194 da Constituição Cidadã: "A seguridade social compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social."

Embora já esteja previsto constitucionalmente a atividade de prestar assistência social, pela Seguridade Social, o atual Governo, através de promessa de campanha político-partidária, estabeleceu o Programa Fome Zero. Indagação salutar a ser aferida, portanto é: o referido Programa está no bojo da Seguridade Social ou é paralelo a esta?

Consultando o site oficial do Governo acerca do Programa Fome Zero [1], constatamos que "o objetivo do Programa Fome Zero é combater as causas estruturais da fome e da pobreza e ao mesmo tempo assegurar que haja comida na mesa de quem mais precisa." Ao que nos parece está o Programa buscando concretizar um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, presente no artigo 3º, II, do Texto Maior, qual seja: "erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais".

Entretanto, o artigo 203 da Lex Fundamentalis, já dispunha que "a assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social...", de forma que está o Programa tomando, através de uma nova denominação, uma atividade da Seguridade Social, que consiste no assistencialismo a quem precise de tal.

Muito embora se tenha dito que o Programa Fome Zero não é uma filantropia e/ou assistencialismo de um partido político [2], o Ministro extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome, incumbido pelo prosseguimento do Programa, afirmou no Senado Federal [3] que a meta "é chegar ao final do ano com 800 mil famílias beneficiadas com o Bolsa-Alimentação e o Cartão-Alimentação, instituído em fevereiro de 2003", cujo projeto-piloto estão em curso com 779 famílias de Guaribas e Acauã, ambas do Piauí.

Críticas de que o Programa tem cunho tipicamente filantrópico sintetiza-se nas palavras da Senadora Iris de Araújo [4], que afirmou em Plenário do Senado que: "não adianta dar alimentação às pessoas carentes. O Programa Fome Zero, disse ela, precisa libertar os brasileiros da prisão da falta de capacitação profissional. Se der apenas comida, criará uma multidão de apáticos, facilmente manipuláveis e dependentes do governo até o final de suas vidas. Isso não será bom para eles nem para o Brasil".

A assessoria do Ministério da Segurança Alimentar e Combate à Fome [5], apregoa que a lógica do Fome Zero é "associar a conquista da segurança alimentar à expansão sustentável das dinâmicas locais, com o foco na geração de emprego e renda." Todavia, verifica-se pelas escassas e insubsistentes informações disponibilizadas pelo próprio Governo acerca do Programa, que o Fome Zero é sim um programa de assistência social do Governo Federal, que objetiva erradicar a fome e a pobreza.

E neste diapasão, entendemos que a Seguridade Social, através da Assistência Social já vinha cumprindo, com um diferencial de que, não raras vezes o necessitado precisa recorrer ao Poder Judiciário para ser assistido pelo Governo Federal, enquanto no Fome Zero, aproveitar-se-ão os beneficiários do Ministério da Saúde e da Educação, hoje em 175 mil pessoas, e ampliarão este número para 800 mil atendidos, sem que necessitem de medidas judiciais para tal, de forma que pode haver uma maior celeridade no cumprimento dos atendimentos.

De outro lado, há o risco dos beneficiários virem a perder o direito à Bolsa ou Cartão-Alimentação, visto tratar-se, à rigor, de uma medida de cunho político, e não de uma ordem judicial (Justiça Federal), como é obtida pelo beneficiário da Assistência Social, em face da União, cujo pagamento se realiza pelo INSS.

Dessarte, entendemos que o Programa Fome Zero destoa da Assistência Social, do Sistema Nacional de Seguridade Social, tão-somente no fato de há um risco de que o beneficiário venha a perder com exagerada facilidade e sem fundamentação jurídica o direito ao benefício à alimentação, diverso do que é concedido por comando judicial, onde a União é condenada a conceder o benefício, não havendo qualquer insegurança jurídica do beneficiário a vir perder o seu benefício por vontade política, seja do Poder Executivo ou Legislativo, entretanto, a grosso modo, o objetivo do Programa Fome Zero é albergado pela Assistência Social da Seguridade Social, mormente considerando o disposto no Texto constitucional de 1988.



Notas:

[1] Programa disponível no site oficial do Governo, http://www.fomezero.gov.br

[2] Assim afirmam Cláudio Cerri, jornalista, e Ana Cláudia Santos, assessora do ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano da Silva. In http://www.presidencia.gov.br/mesa/fomezero.htm

[3] In Jornal do Senado, ano IX, n.º 1667, 27/mar./03, Brasília-DF, p.4.

[4] In Jornal do Senado, ano IX, n.º 1669, 31/mar./03, Brasília-DF, p.8.

[5] Assim afirma Ana Cláudia Santos, assessora do ministro de Segurança Alimentar e Combate à Fome, José Graziano da Silva. In http://www.presidencia.gov.br/mesa/fomezero.htm

Sobre o(a) autor(a)
Alexandre Sturion de Paula
Mestre em Direito Processual Civil pela UEL.
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