Julgamento de recurso sobre condenação de pai por abandono afetivo de filho é inédito no STJ

Julgamento de recurso sobre condenação de pai por abandono afetivo de filho é inédito no STJ

O papel dos pais se limita ao dever de sustento? Prover materialmente o filho basta ou a subsistência emocional também é uma obrigação legal dos pais? A ausência de afeto dos pais para com os filhos pode ser motivo de indenização por dano moral?

Questões como essas serão debatidas pela primeira vez em julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Recurso especial foi admitido pela Quarta Turma do Tribunal, que vai analisar decisão da Justiça mineira que condenou um pai a ressarcir financeiramente o filho por dano moral em decorrência de abandono afetivo.

Atendendo a um agravo regimental interposto pela defesa do pai, os ministros autorizaram o recurso para que o caso seja apreciado no STJ. O direito à indenização foi estabelecido em segunda instância, conforme voto do juiz relator Unias Silva, da 7ª Câmara Cível do Tribunal de Alçada de Minas Gerais, que reconheceu o dano moral e psíquico causado pelo abandono do pai. Em primeiro grau, o juiz da Vara Cível entendeu não haver a comprovação do dano ao filho, hoje maior de idade.

Até os seis anos, o estudante (hoje com 24 anos) manteve contato com seu pai de maneira regular. Após o nascimento de sua irmã, fruto de novo relacionamento conjugal do pai, este se afastou definitivamente e deixou de conviver com o filho. O estudante sempre recebeu pensão alimentícia (20% dos rendimentos líquidos do pai), mas alegou que só queria do pai o amor e o reconhecimento como filho, mas que recebeu apenas "abandono, rejeição e frieza", inclusive em datas importantes, como aniversários, sua formatura no Ensino Médio e por ocasião da aprovação no vestibular.

A apelação do filho foi atendida com base no artigo 227 da Constituição. Na decisão, o desembargador relator ressalta que "a responsabilidade (pelo filho) não se pauta tão-somente no dever de alimentar, mas se insere no dever de possibilitar desenvolvimento humano dos filhos, baseado no princípio da dignidade da pessoa humana". A indenização foi fixada em 200 salários mínimos (hoje, R$ 52 mil), atualizados monetariamente.

A defesa do pai, que pediu a admissibilidade do recurso ao STJ, argumenta que a indenização tem caráter abusivo, já que a guarda do filho ficou com a mãe após a separação e que, em razão de suas atividades profissionais, inclusive para fora do país, "chega-se às raias da loucura exigir que uma pessoa tenha o dom da ubiqüidade, para estar em dois lugares ao mesmo tempo".

Decisão anterior

O caso que reconhece dano moral por abandono paterno é inédito no STJ, mas decisão da Justiça gaúcha de 2003 apontava para o mesmo entendimento. O juiz de Direito Mario Romano Maggioni, da 2ª Vara da Comarca de Capão da Canoa (RS), condenou um pai a pagar igualmente 200 salários mínimos à filha, que alegou abandono material (alimentos) e psicológico (afeto, carinho, amor).

O pai foi condenado à revelia. O juiz de Direito salientou, na sentença, que "a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, amor, carinho, ir ao parque, jogar futebol, brincar, passear, visitar, estabelecer paradigmas, criar condições para que a criança se auto-afirme".

O juiz Maggioni também comparou o dano à imagem causado por rejeição paterno com o dano por acusação de débito injusta. "É menos aviltante, com certeza, ao ser humano dizer ‘fui indevidamente incluído no SPC’ a dizer ‘fui indevidamente rejeitado por meu pai’", argumentou o juiz, entendendo que, se cabe ressarcimento por um dos danos, tanto mais caberá pelo outro.

E o juiz gaúcho não deixa dúvidas ao afirmar que o sustento é apenas uma das parcelas da paternidade. Para ele, negar afeto é agredir a lei. "Pai que não ama filho está não apenas desrespeitando função de ordem moral, mas principalmente de ordem legal, pois não está bem educando seu filho", diz a sentença. Esse caso, por ter corrido à revelia, não subiu para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, já tendo a sentença transitado em julgado (não cabendo mais recurso).

Caso mais recente É de São Paulo a decisão mais recente sobre esse tema. Em junho de 2004, o juiz de Direito Luís Fernando Cirillo, da 31ª Vara Cível Central, condenou um pai a pagar à filha indenização no valor de R$ 50 mil para reparação de dano moral e custeio do tratamento psicológico dela.

Por meio de uma perícia técnica, foi constatado que a jovem apresenta conflitos, dentre os quais de identidade, deflagrados pela rejeição do pai. Ela deixou de conviver com ele ainda com poucos meses de vida, quando o pai separou-se da mãe. Ele constituiu nova família e teve três filhos.

A jovem abandonada sentiu-se rejeitada e humilhada em razão do tratamento frio dispensado a ela pelo pai, especialmente por todos serem membros da colônia judaica de São Paulo, "crescendo envergonhada, tímida e embaraçada, com complexos de culpa e inferioridade", realizando, por isso, tratamento psicológico.

O juiz Cirillo, em sua sentença, afirma que "a decisão da demanda depende necessariamente do exame das circunstâncias do caso concreto, para que se verifique, primeiro, se o réu teve efetivamente condições de estabelecer relacionamento afetivo maior do que a relação que afinal se estabeleceu e, em segundo lugar, se as vicissitudes do relacionamento entre as partes efetivamente provocaram dano relevante à autora". O pai já apelou da sentença ao Tribunal de Justiça de São Paulo.

A concessão de indenizações desse tipo pode significar uma mudança de paradigmas da Justiça, assegurando valor ao afeto quando a discussão trata de obrigações familiares. Essa é a opinião do presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família no Rio Grande do Sul (IBDFAM), desembargador do Tribunal de Justiça daquele Estado (TJRS), Luiz Felipe Brasil Santos.

Para ele, é preciso cautela para que a concessão de indenizações não contribua para a chamada monetarização das relações afetivas. "Não há como resgatar o afeto perdido. O aspecto mais importante dessa discussão é ajudar a criar uma mentalidade de paternidade responsável", avalia o desembargador.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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