STJ concede habeas-corpus para impedir aborto
Em decisão unânime, a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça
(STJ) concedeu habeas-corpus a um nascituro. A decisão impede o aborto
que havia sido autorizado pela Justiça do Rio de Janeiro porque a
criança é portadora de anencefalia. É a primeira vez que o Tribunal
julga o mérito de um habeas-corpus sobre o tema.
A defensoria pública do Rio de janeiro ingressou na Justiça com uma
ação requerendo autorização para a realização de uma intervenção para
interromper a gestação de G.O.C., diante da inviabilidade de vida após
o nascimento da criança. Segundo exames realizados, constatou-se que o
nascituro (criança ainda no útero da mãe) padece de anencefalia (cabeça
fetal com ausência de calota craniana e cérebro rudimentar).
Informações médicas traduzem anencefalia como um defeito de fechamento
da porção anterior do tubo neural, levando à não formação adequada do
encéfalo e da calota craniana. É uma condição incompatível com a vida
em 100% dos casos, levando à morte intra-uterina ou no período neonatal
precoce.
Em primeiro grau, o juiz indeferiu o pedido, mas em apelação o tribunal
estadual autorizou a realização do aborto. A decisão levou um advogado
a impetrar habeas-corpus no STJ. Alegou, para tanto, afronta aos
artigos 3º, 5º e 227 da Constituição Federal e ao artigo segundo do
Código Civil. Para o impetrante, o aborto em questão não se enquadra
nas hipóteses dos incisos do artigo 128 do Código Penal (segundo o
qual, não se pune o aborto praticado por médico se não há outro meio de
salvar a vida da gestante (aborto necessário) e se a gravidez resulta
de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou,
quando incapaz, de seu representante legal).
Em dezembro do ano passado, a ministra Laurita Vaz, relatora do
processo, deferiu liminar para sustar a decisão do Tribunal de Justiça
até a apreciação final pela Turma. A ministra entendeu ser patente o
periculum in mora (perigo da demora), diante da possibilidade de
realização da intervenção cirúrgica e conseqüente perda do objeto
(vida), bem como o fumus boni iuris (pretensão razoável),
consubstanciado na ausência de previsão da hipótese no art. 128 do
Código Penal.
Ao apreciar o mérito do pedido, primeiramente, a ministra relatora
entendeu ser possível o uso do habeas-corpus para se pleitear o
impedimento do aborto. "A eventual ocorrência de abortamento fora das
hipóteses previstas no Código Penal acarreta a aplicação de pena
corpórea máxima, irreparável, razão pela qual não se há falar em
impropriedade da via eleita, já que, como é cediço, o writ se presta
justamente a defender o direito de ir e vir, o que, evidentemente,
inclui o direito à preservação da vida do nascituro", afirmou.
A ministra considerou que a legislação penal e a Constituição tutelam a
vida como bem maior a ser preservado. E o caso em questão, a de
nascituro com anencefalia, não se inclui no rol em que o aborto é
autorizado. "O máximo que podem os defensores da conduta proposta nos
atos originários é lamentar a omissão, ma nunca exigir do magistrado,
intérprete da lei, que se lhe acrescente mais uma hipótese que,
insisto, fora excluída de forma propositada pelo legislador", destacou.
"Deve-se deixar a discussão acerca da correção ou incorreção das normas
que devem viger no país para o foro adequado para debate e deliberação
sobre o tema, qual seja, o Parlamento".
Dessa forma, concedeu o habeas-corpus, confirmando a liminar, para
reformar a decisão do TJ, desautorizando o aborto. Os demais ministros
acompanharam a relatora em razão de a gestação já se encontrar em torno
do oitavo mês.