Serviços públicos cobrados por tarifa podem ser cortados em caso de inadimplência
Os serviços públicos oferecidos mediante cobrança de tarifa, como por
exemplo o fornecimento de energia elétrica, podem ser suspensos em caso
de inadimplemento do usuário. Com essa conclusão, a Segunda Turma do
Superior Tribunal de Justiça (STJ) acolheu o recurso da Companhia
Energética de Alagoas – CEAL contra a empresa Antônio Monteiro da Silva
e Companhia Ltda. A decisão autoriza a CEAL a cortar o fornecimento de
energia elétrica à empresa que, segundo o processo, deve mais de R$ 300
mil (valores de 1997) à Companhia Energética.
Antônio Monteiro da Silva e Companhia Ltda entrou com um mandado
de segurança questionando o corte do fornecimento de energia elétrica
efetuado pela CEAL. De acordo com o processo, o corte teria sido
efetuado por causa do atraso do pagamento de contas enviadas pela
Companhia Energética.
O Juízo de primeiro grau concedeu o mandado de segurança para
suspender o corte. A sentença se baseou no artigo 22 do Código de
Defesa do Consumidor (CDC). A CEAL apelou, mas o Tribunal de Justiça de
Alagoas (TJ-AL) manteve a sentença. O TJ-AL entendeu que a CEAL não
demonstrou o interesse da comunidade quanto ao corte de energia da
empresa inadimplente, levando em conta o artigo 42, caput, do CDC. A
decisão de segundo grau destacou ainda não se aplicar ao caso em
questão os artigos 1.092 do Código Civil (de 1916, vigente à época), e
6º, parágrafo 3º, inciso II, da Lei 8.987/95.
Diante de mais uma decisão contra o corte de energia, a CEAL
recorreu ao STJ. No recurso, a Companhia afirmou que as decisões
anteriores teriam contrariado os artigos 2º, 128 e 459 do Código de
Processo Civil, 1.092 do CC (de 1916) e 6º da Lei 8.987/95. Segundo a
CEAL, estaria comprovado no processo que o corte foi efetuado por causa
da inadimplência da empresa.
A ministra Eliana Calmon, relatora do processo, acolheu o recurso
da CEAL. Com isso, a Companhia Energética poderá cortar o fornecimento
de energia elétrica à empresa alagoana por causa de sua inadimplência.
Para a relatora, "ao exercer atividade de comércio, por certo que
embute (a Antônio Monteiro Ltda) nos preços o consumo de energia
elétrica como despesa operacional, a qual entra na composição do valor
que recebe no momento da venda da sua mercadoria. Conseqüentemente,
recebe a empresa dos adquirentes e não repassa o valor a quem lhes
fornece a energia, usufruída sem pagamento". Por esse motivo, para a
ministra, não há "respaldo para impedir a paralisação do serviço, se há
inadimplência e está o consumidor avisado de que será interrompido o
fornecimento".
Em seu voto, Eliana Calmon fez uma diferenciação dos tipos de
serviços públicos destacando a "expressa previsão de interrupção, em
determinados casos", prevista no artigo 6º, parágrafo 3º, inciso II, da
Lei 8.987/95. Além disso, segundo a ministra, "a Lei 9.427/97, ao criar
a ANEEL e disciplinar o regime de concessão e permissão dos serviços de
energia elétrica, previu expressamente a possibilidade de corte, assim
como a Resolução 456/2000, artigos 90 e 94".
Eliana Calmon ressaltou que, ao se aplicar o CDC aos casos de
corte de serviços públicos, "não se pode ter uma visão individual,
considerando-se o consumidor que, por algum infortúnio está
inadimplente, pois o que importa é o interesse da coletividade, que não
pode ser onerada pela inadimplência".
No entanto, segundo a relatora, "a paralisação do serviço impõe-se
quando houver inadimplência, repudiando-se apenas a interrupção
abrupta, sem o aviso, como meio de pressão para o pagamento das contas
em atraso. Assim, é permitido o corte do serviço, mas com o precedente
aviso de advertência".
A relatora enfatizou ainda que "modernamente, não há mais espaço
para que desenvolva o Estado políticas demagógicas, de cunho
assistencialista. O papel do Estado é o de criar condições para que
seus cidadãos assumam a responsabilidade pelos seus atos". Eliana
Calmon lembrou "a existência de uma política tarifária com valores
diferenciados por faixa, distintas, conforme a atividade ou nível
sócio-econômico do consumidor", o que não significa prestação gratuita
dos serviços.
A ministra finalizou seu voto reiterando a obrigação do consumidor
de arcar com os custos dos serviços, porém, o "fornecedor tem o dever
de colaborar para que o consumidor possa adimplir o contrato". O
prestador de serviço público "deve criar condições para o regular
pagamento. Aliás, o pequeno inadimplemento do consumidor não se
confunde com a mera impontualidade, sem gerar as conseqüências de um
corte de fornecimento. Daí a obrigatoriedade de o fornecedor
estabelecer ao usuário datas opcionais para o vencimento de seus
débitos; além de prazo para proceder-se à interrupção quando houver
inadimplência", destacou a relatora.