Define-se por prevenção a competência para julgar o transporte no crime de receptação
O delito de receptação, na modalidade transportar, é crime permanente: a consumação se prolonga no tempo, podendo ocorrer em dois ou mais lugares diferentes. Assim, a definição de qual juízo deve julgar a questão deve ser determinada pela prevenção, indo para o juiz que a conheceu em primeiro lugar. O entendimento é da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Orlando Antônio da Silva foi indicado por receptação porque recebeu, em São Paulo, de duas pessoas conhecidas apenas como Marcos e Nina, um Fiat Pálio Weekend, registrado em nome de uma vítima de estelionato. Orlando deveria transportar o veículo até uma determinada cidade do Paraguai, recebendo para tanto R$ 500. Segundo o Auto de Prisão, Orlando da Silva foi preso em flagrante ao tentar atravessar a Ponte Internacional da Amizade, em Foz do Iguaçu (PR), conduzindo o carro.
Os autos do inquérito foram ao membro do Ministério Público do Estado do Paraná, que entendeu que o único crime praticado, em tese, foi de receptação, cuja competência para processar e julgar é do Juízo Criminal de São Paulo, onde o delito se deu, e não no Juízo de Direito de Foz de Iguaçu, onde ele foi preso em flagrante. Acolhendo essas razões, declinou o Juízo de Direito de Foz de Iguaçu de sua competência.
Remetidos os autos à São Caetano do Sul (SP), cidade onde teria se consumado o delito de receptação, a representante do Ministério Público do Estado de São Paulo requereu à Juíza de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária (DIPO) que suscitasse conflito negativo de competência, argumentando que foi em Foz de Iguaçu que o indiciado foi surpreendido "conduzindo, em proveito próprio, coisa que sabia ser produto de crime". A Juíza do DIPO suscitou o conflito negativo de competência, aduzindo que o caso deveria ser decidido pelo princípio da prevenção, já que nos termos do artigo 70 do Código de Processo Penal (CPP), ambos os juízes seriam competentes. A seu ver, inexiste dúvida de que o juiz de Foz do Iguaçu foi o primeiro a determinar atos nos autos e, assim, nos termos do artigo 71 do estatuto processual seria o competente para julgá-lo.
Ao apreciar o conflito de competência, o primeiro relator do processo, ministro Edson Vidigal, considerou que a consumação do delito de receptação ocorre no lugar em que se deu a efetiva aquisição, recebimento ou ocultação da coisa produto de crime anterior e, assim, competente para apreciar o caso seria o Juízo de Direito do Departamento de Inquéritos Policiais e Polícia Judiciária de São Paulo, local onde ocorreram os fatos narrados nos autos.
O Ministério Público Federal recorreu dessa decisão ao próprio ao STJ, com um agravo regimental, tendo em vista que, a seu ver, ambos os juízes são competentes para processar e julgar o crime de receptação. Dessa forma a solução se dá, no seu entender, por prevenção.
Como o ministro Edson Vidigal ao assumir a Vice-Presidência do Tribunal deixou de integrar a Terceira Seção, a questão foi distribuída à ministra Laurita Vaz, que o substituiu. Segundo ela, o indiciado confirmou em seu interrogatório, quando de sua prisão em flagrante, que recebeu o veículo de procedência ilícita na cidade de São Paulo, revelando, inclusive, quanto receberia pelo serviço. O transporte no crime de receptação é crime permanente, que se alonga no tempo. Assim, como o crime pode ocorrer em lugares diferentes, a prevenção deve ser usada como solução para determinar o juízo competente. Tendo em vista que o juízo paranaense foi o primeiro a tomar conhecimento da prática da infração, a ação penal deve ser processada e julgada em Foz do Iguaçu.