Instalador de linha telefônica consegue reconhecimento de dano existencial por jornada excessiva

Instalador de linha telefônica consegue reconhecimento de dano existencial por jornada excessiva

A Serede - Serviços de Rede S.A., de Curitiba (PR), foi condenada a pagar indenização de R$ 10 mil a um instalador de linha telefônica por dano existencial. A decisão é da Terceira Turma do Tribunal Superior do Trabalho, que considerou excessiva e desarrazoada a jornada de 12 horas diárias de trabalho, agravada pelo exercício de atividade perigosa em sistema elétrico de potência.

Acima do razoável

O empregado disse, na ação trabalhista, que sempre estivera submetido a jornada extenuante durante o vínculo de emprego, em todos os dias da semana, exceto dois domingos por mês. Disse, ainda, que trabalhava sob constante pressão, com cobranças muito acima do razoável e sofrendo assédio moral existencial. 

Empresa

Em defesa, a empresa disse que nunca havia praticado nenhuma ofensa que pudesse abalar o empregado em sua dignidade ou causar prejuízo a sua honra. A Serede sustentou que sempre zelara muito bem pelo desenvolvimento do instalador e que não havia comprovação do dano moral. 

Prova cabal

O juízo da 9ª Vara do Trabalho do Paraná (PR) e o Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região indeferiram o pedido de indenização. Segundo o TRT, ele deveria ter demonstrado “de forma cabal e contundente” a lesão à honra e à dignidade para ter direito à reparação. A decisão também considerou que ele não fora privado do direito fundamental de dispor livremente de seu tempo, fazendo ou deixando de fazer o que bem entendesse, o que afastava o dano existencial.

Excessiva e desarrazoada

Mas, para o relator do recurso do empregado, ministro Mauricio Godinho Delgado, não há dúvida sobre a necessidade de reparação. “A jornada de 12 horas diárias é excessiva e desarrazoada, própria dos séculos XVIII e XIX na Europa e no Brasil, até o advento do direito do trabalho”, afirmou.

O ministro explicou que o dano existencial se configura pelo real comprometimento do tempo útil de disponibilidade que todo indivíduo livre deve ter para suas atividades pessoais, familiares e sociais.  

Atividade perigosa

Para o relator, a conduta empresarial desrespeitou, ainda, a Constituição Federal e a constituição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) e suas normas internacionais, “que não admitem a pessoa humana e o trabalho como simples mercadorias, passíveis da máxima extração de suas forças ao longo dos dias e das semanas”. A situação se agrava, segundo ele, pelo fato de o empregado desenvolver atividade perigosa em sistema elétrico de potência.

No mesmo processo, também foi condenada a OI S.A., tomadora de serviços. Juntas, as empresas deverão indenizar o empregado no valor de R$10 mil.

Processo: RR-1945-33.2014.5.09.0009

A) AGRAVO DE INSTRUMENTO DO
RECLAMANTE. RECURSO DE
REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE
DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À
LEI 13.467/2017. INSTRUÇÃO
NORMATIVA Nº 40 DO TST.
CABIMENTO DE AGRAVO DE
INSTRUMENTO EM CASO DE
ADMISSIBILIDADE PARCIAL DO
RECURSO DE REVISTA PELO TRT
DE ORIGEM. O Tribunal Pleno do
TST, considerando o cancelamento
da Súmula nº 285/TST e da
Orientação Jurisprudencial nº
377/SBDI-1/TST, editou a Instrução
Normativa nº 40/TST, que, em seu
art. 1º, dispõe: "Admitido apenas
parcialmente o recurso de revista,
constitui ônus da parte impugnar,
mediante agravo de instrumento, o
capítulo denegatório da decisão, sob
pena de preclusão". Na hipótese, o
TRT de origem recebeu o recurso
de revista interposto pelo
Reclamante, apenas, quanto ao
tema “intervalo interjornada”, por
vislumbrar possível divergência
jurisprudencial, tendo denegado o
processamento do apelo no que
concerne aos demais temas.
Assim, em razão da nova
sistemática processual e da edição
da Instrução Normativa nº 40/TST -
já vigente quando da publicação da
decisão do TRT que admitiu
parcialmente o apelo -, cabia ao
Recorrente impugnar, mediante
agravo de instrumento, os
capítulos denegatórios da decisão,
sob pena de preclusão, ônus do
qual se desincumbiu. DANO
EXISTENCIAL. PRESTAÇÃO
EXCESSIVA, CONTÍNUA E
DESARRAZOADA DE HORAS
EXTRAS. INDENIZAÇÃO POR
DANO MORAL. Demonstrado no
agravo de instrumento que o
recurso de revista preenchia os
requisitos do art. 896 da CLT, dá-se
provimento ao agravo de
instrumento, para melhor análise
da arguição de divergência
jurisprudencial, suscitada no
recurso de revista. Agravo de
instrumento provido.
B) RECURSO DE REVISTA DO
RECLAMANTE. 1. DANO
EXISTENCIAL. PRESTAÇÃO
EXCESSIVA, CONTÍNUA E
DESARRAZOADA DE HORAS
EXTRAS, COM HORÁRIOS DIÁRIOS
SUPERIORES A 12 HORAS, AO
LONGO DE TODOS OS DIAS DA
SEMANA, EXCETO DOIS
DOMINGOS POR MÊS. DURAÇÃO
DO TRABALHO PRÓPRIA DOS
SÉCULOS XVIII E XIX NA EUROPA
E DO BRASIL ATÉ O ADVENTO DO
DIREITO DO TRABALHO E,
MESMO ASSIM, NOS SEGMENTOS
SOCIAIS E PROFISSIONAIS EM
QUE ESTE PREVALECIA. CONDUTA
EMPRESARIAL DESRESPEITOSA
DOS PRINCÍPICIOS E NORMAS DO
CONSTITUCIONALISMO
CONTEMPORÂNEO, DE CARÁTER
HUMANISTA E SOCIAL, INSERTO
NA CONSTITUIÇÃO DA
REPÚBLICA DE 1988, ALÉM DOS
PRINCÍPIOS E NORMAS DA
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL
DO TRABALHO, DESDE A SUA
INSTITUIÇÃO EM 1919. PADRÃO
DE GESTÃO DO PODER
EMPREGATÍCIO INCOMPATÍVEL
COM A ORDEM JURÍDICA
CONSTITUCIONAL, COM A
ORDEM JURÍDICO
INTERNACIONAL, ALÉM DAS LEIS
BRASILEIRAS ATUAIS.
INDENIZAÇÃO POR DANO
MORAL, IDENTIFICADO COMO
DANO EXISTENCIAL. VIOLAÇÃO
DE DIVERSOS FUNDAMENTOS E
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS,
TAIS COMO A CIDADANIA, A
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
O VALOR SOCIAL DO TRABALHO
A INVIOLABILIDADE FÍSICA E
PSÍQUICA DA PESSOA HUMANA,
O BEM-ESTAR INDIVIDUAL E
SOCIAL DESSA PESSOA E A
SEGURANÇA DA MESMA PESSOA.
VIOLAÇÃO TAMBÉM DAS
LIMITAÇÕES CONSTITUCIONAIS À
LIVRE INICIATIVA, QUE NÃO É
MAIS, NA CONSTITUIÇÃO DE 1988
- AO CONTRÁRIO DO QUE FOI
NAS CONSTITUIÇÕES DE 1824 E
1891 - UM DIREITO, UM PODER E
UM VALOR DE NATUREZA
ABSOLUTA. VIOLAÇÃO TAMBÉM
DA CONSTITUIÇÃO DA OIT E DE
SUAS NORMAS INTERNACIONAIS,
QUE NÃO ADMITE A PESSOA
HUMANA E O TRABALHO COMO
SIMPLES MERCADORIAS,
PASSÍVEIS DA MÁXIMA
EXTRAÇÃO DE SUAS FORÇAS AO
LONGO DOS DIAS E DAS
SEMANAS. COMPROVAÇÃO DO
DANO EXISTENCIAL COMO FATO
NOTÓRIO, MANIFESTO, POIS A
CIÊNCIA PRESCREVE QUE O
INDIVÍDUO TEM DE DORMIR, POR
DIA, NO MÍNIMO, ENTRE 07/08
HORAS, SABENDO-SE QUE TEM
DE AINDA QUE SE DESLOCAR NO
PERÍMETRO ENTRE A SUA
RESIDÊNCIA, O TRABALHO E O
RETORNO À RESIDÊNCIA TODO
DIA, RESTANDO-LHE, ASSIM, NO
MÁXIMO, CINCO HORAS POR DIA,
PARA O EXERCÍCIO DE SUA
CIDADANIA, QUER EM SUA
FAMÍLIA, QUER EM SUA
COMUNIDADE, QUER COMO SER
HUMANO PLENO. EXTENUAÇÃO
DAS FORÇAS DA PESSOA
HUMANA E AFRONTA AO
PADRÃO MÍNIMO DE CIVILIDADE
QUE A ORDEM JURÍDICA EXIGE
DO PODER EMPREGATÍCIO NA
TERCEIRA DÉCADA DO SÉCULO
XXI, CONFORME NORMAS
INTERNACIONAIS DE DIREITOS
HUMANOS ESPECIFICADAS,
NORMAS CONSTITUCIONAIS
BRASILEIRAS AMPLAMENTE
CONHECIDAS E NORMAS LEGAIS
INSERIDAS ATÉ NO SENSO
COMUM DA POPULAÇÃO. O
excesso de jornada extraordinária,
para muito além das duas horas
previstas na Constituição e na CLT,
cumprido de forma habitual e por
longo período, atingindo, como no
caso dos autos, uma exposição ao
ambiente de trabalho de mais de
12 horas ao dia, durante todos os
dias da semana, exceto dois
domingos por mês (portanto, até
84 horas semanais em duas das
semanas e 72 horas semanais nas
duas semanas restantes) tipifica,
sim, o dano existencial, por
configurar manifesto
comprometimento do tempo útil
de disponibilidade que todo
indivíduo livre, inclusive o
empregado, ostenta para usufruir
de suas atividades pessoais,
familiares e sociais. A esse respeito
é preciso compreender o sentido
da ordem jurídica criada no País
em cinco de outubro de 1988
(CF/88). É que a Constituição da
República determinou a
instauração, no Brasil, de um
Estado Democrático de Direito (art.
1º da CF), composto, segundo a
doutrina, de um tripé conceitual: a
pessoa humana, com sua
dignidade; a sociedade política,
necessariamente democrática e
inclusiva; e a sociedade civil,
também necessariamente
democrática e inclusiva
(Constituição da República e Direitos
Fundamentais - dignidade da pessoa
humana, justiça social e Direito do
Trabalho. 3ª ed. São Paulo: LTr,
2015, Capítulo II). Ora, a realização
dos princípios constitucionais
humanistas e sociais
(inviolabilidade física e psíquica do
indivíduo; bem-estar individual e
social; segurança das pessoas
humanas, ao invés de apenas da
propriedade e das empresas, como
no passado; valorização do
trabalho e do emprego; justiça
social; subordinação da
propriedade à sua função social,
entre outros princípios), a par do
fundamento, valor e princípio da
cidadania, tudo constitui, em seu
conjunto, instrumento importante
de garantia e cumprimento da
centralidade da pessoa humana na
vida socioeconômica e na ordem
jurídica. Agregue-se que a
Constituição da República
enquadra também como direitos
sociais – os quais são
fundamentais, pois de titularidade
da pessoa humana – a saúde, a
educação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a proteção à
maternidade e à infância, entre
outros direitos. Some-se ainda a
circunstância de a Constituição de
1988 conferir “especial proteção do
Estado” à família (art. 226, caput),
exigindo dos pais, homens e
mulheres, presença constante e de
qualidade perante esta
comunidade de adultos,
adolescentes e crianças (art. 227).
Ora, a concretização de todos
esses princípios, valores,
fundamentos e objetivos
constitucionais tem de ocorrer
também no plano das relações
humanas, sociais e econômicas,
inclusive no âmbito do sistema
produtivo, dentro da dinâmica da
economia capitalista, segundo a
Constituição da República
Federativa do Brasil. Essa
concretização tem de acontecer, na
vida real, também segundo os
princípios e normas internacionais
da OIT, quer oriundas de sua
Constituição de 1919, quer de sua
segunda Constituição, editada na
década de 1940, bem como da
Declaração de Filadélfia, de 1944,
todas repudiando, firmemente, o
tratamento da pessoa humana e
do trabalho como simples
mercadoria pelo sistema
econômico e qualquer empregador
ou tomador de serviços. Dessa
maneira, uma gestão empregatícia
que submeta o indivíduo a
reiterada e contínua jornada
extenuante, que se concretize
muito acima dos limites legais, (das
7h às 19:30h, com 1h de
intervalo, durante todos os dias
da semana, exceto dois
domingos ao mês, conforme
registrado pelo TRT), agravado por
ser prestada em atividade
perigosa, agride todos os
princípios, valores e fundamentos
constitucionais acima explicitados
e a própria noção estruturante de
Estado Democrático de Direito. Se
não bastasse, essa jornada
gravemente excessiva reduz
acentuadamente e de modo
injustificável, por longo período, o
direito à razoável disponibilidade
temporal inerente a todo
indivíduo, direito que é assegurado
pelos princípios constitucionais
mencionados e pelas regras
constitucionais e legais regentes da
jornada de trabalho, sem contar o
princípio, valor e fundamento
constitucional da cidadania. Tal
situação anômala deflagra, assim,
o dano existencial, que consiste
em lesão ao tempo razoável e
proporcional, assegurado pela
ordem jurídica, à pessoa humana
do trabalhador, para que possa se
dedicar às atividades individuais,
familiares e sociais inerentes a
todos os indivíduos, sem a
sobrecarga horária
desproporcional, desarrazoada e
ilegal, de intensidade repetida e
contínua, em decorrência do
contrato de trabalho mantido com
o empregador. Logo, configurada
essa situação no caso dos autos,
conforme amplamente exposto,
não há dúvida sobre a necessidade
de reparação do dano moral
existencial sofrido, devendo serem
condenadas as Reclamadas ao
pagamento de uma indenização.

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (TST - Tribunal Superior do Trabalho) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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