Copropriedade anterior à sucessão impede reconhecimento do direito real de habitação

Copropriedade anterior à sucessão impede reconhecimento do direito real de habitação

A filha que, sem vínculo de parentalidade com a segunda esposa de seu falecido pai, possuía imóvel em copropriedade com ele, tem o direito de receber aluguéis caso a viúva permaneça ocupando o bem.

A decisão foi tomada pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), por unanimidade, ao dar provimento ao recurso especial em que a filha do falecido pedia o pagamento de aluguéis referentes à sua fração ideal – obtida na sucessão de sua mãe –, em razão do uso exclusivo do bem pela segunda esposa do pai, com base em suposto direito real de habitação.

Segundo o processo, a autora da ação é uma das quatro filhas do primeiro casamento do falecido, que se casou novamente depois da morte da primeira esposa. Como ele tinha mais de 70 anos, o regime instituído no casamento foi o de separação total de bens.

Em primeiro grau, a viúva foi condenada a pagar aluguéis a título de compensação pela privação do uso do imóvel. O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), porém, reformou a sentença sob o argumento de que a lei não condiciona o direito real de habitação à inexistência de coproprietários do imóvel.

Direito real de habitação e relação condominial preexistente

O relator no STJ, ministro Paulo de Tarso Sanseverino, frisou, inicialmente, que a situação é distinta dos casos frequentes em que se discute o direito real de habitação do cônjuge sobrevivente frente aos demais herdeiros.

Segundo ele, como explicitado pela autora da ação, o pedido de recebimento de aluguéis se limita à fração do imóvel que já era dela antes do segundo casamento do pai, decorrente de copropriedade anterior em virtude do falecimento de sua genitora.

O ministro lembrou que a Segunda Seção, recentemente, ao apreciar caso semelhante, firmou o entendimento de que a copropriedade anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito real de habitação, visto ser de titularidade comum a terceiros estranhos à relação sucessória que ampararia o pretendido direito (EREsp 1.520.294).

Ao citar vários precedentes das turmas de direito privado do STJ, Sanseverino destacou ainda que, segundo a doutrina, o direito real de habitação só existe sobre bem que pertence integralmente ao falecido, sendo pacífico o entendimento de que a existência de coproprietários impede o uso do imóvel pelo cônjuge sobrevivente.

Sem vínculo de parentalidade com a viúva

No caso em julgamento, ponderou o magistrado, além do fato de que o direito da recorrente sobre a fração ideal do imóvel foi adquirido em decorrência do falecimento de sua mãe, antes do segundo casamento do pai, não há nenhum tipo de solidariedade familiar entre ela e a viúva, não havendo qualquer vínculo de parentalidade ou de afinidade.

"Portanto, não cabe à recorrente suportar qualquer limitação ao seu direito de propriedade, que é, justamente, a essência do direito real de habitação", afirmou o relator.

Ao reformar o acórdão do TJSP, Sanseverino observou que a recorrente vem sofrendo a supressão de um direito que lhe foi assegurado há muito na sucessão de sua genitora, "o que não pode ser chancelado".

Dessa forma, por unanimidade, a turma deu provimento ao recurso especial e estabeleceu que a viúva deve pagar mensalmente à autora da ação o equivalente a 12,5% do aluguel do imóvel, conforme a avaliação da perícia.

Esta notícia refere-se ao processo: REsp 1830080

RECURSO ESPECIAL Nº 1830080 - SP (2019/0229193-9)
RELATOR : MINISTRO PAULO DE TARSO SANSEVERINO
RECORRENTE : MARIA JUSTINA HENRIQUES ISMAEL
ADVOGADOS : LUCIANA HENRIQUES ISMAEL - SP146762
GUSTAVO MOURA AZEVEDO NUNES - RJ107088
MARCONNI CHIANCA TOSCANO DA FRANCA -
DF020772
GUSTAVO CLEMENTE VILELA - SP220907
HENRIQUE BARTHEM DA MOTTA RAMOS - RJ201888
RECORRIDO : HELOISA HELENA SARAIVA BARBOSA
ADVOGADO : FRANCISCO ALBERTO SARAIVA BERTOLACCINI -
SP098076
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. FAMÍLIA E SUCESSÕES.
AÇÃO DE ARBITRAMENTO DE ALUGUEIS. DIREITO REAL DE
HABITAÇÃO. COPROPRIEDADE PREEXISTENTE DA FILHA
EXCLUSIVA DO 'DE CUJUS'. TÍTULO AQUISITIVO ESTRANHO À
ATUAL RELAÇÃO HEREDITÁRIA.
1. Discute-se a oponibilidade do direito real de habitação da cônjuge
supérstite à coproprietária do imóvel em que ela residia com o falecido.
2. Consoante decidido pela 2ª Seção desta Corte, "a copropriedade
anterior à abertura da sucessão impede o reconhecimento do direito
real de habitação, visto que de titularidade comum a terceiros estranhos
à relação sucessória que ampararia o pretendido direito" (EREsp
1520294/SP, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, SEGUNDA
SEÇÃO, julgado em 26/08/2020, DJe 02/09/2020).
3. Aplicabilidade das razões de decidir do precedente da 2ª Seção do
STJ ao caso concreto, tendo em vista que o 'de cujus' já não era mais
proprietário exclusivo do imóvel residencial, em razão da anterior
partilha do bem decorrente da sucessão da genitora da autora.
4. Ausência de solidariedade familiar e de vínculo de parentalidade da
autora em relação à cônjuge supérstite.
5. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da Terceira Turma, por unanimidade, dar provimento ao
recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Ricardo Villas Boas Cueva (Presidente), Marco Auré
lio Bellizze, Moura Ribeiro e Nancy Andrighi votaram com o Sr. Ministro Relator.
Brasília, 26 de abril de 2022.
Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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