Empresa que transferiu dívida a terceiros não tem legitimidade para discutir nulidades do contrato original

Empresa que transferiu dívida a terceiros não tem legitimidade para discutir nulidades do contrato original

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR) que considerou ilegítima para propor ação revisional de contrato bancário uma empresa que transferiu a dívida a terceiros, entregando-lhes toda a responsabilidade pela obrigação.

Para o colegiado, como a transferência do débito foi feita nos moldes previstos pelo artigo 299 do Código Civil, todos os direitos e deveres relacionados passaram para o novo devedor, sem reservas ou constituição de obrigação solidária.

No recurso ao STJ, a empresa sustentou que o devedor primitivo não perde o direito de reclamar contra o banco os danos que sofreu na vigência do contrato, pois ela teria transferido o domínio e a posse de imóveis como condição para que o terceiro assumisse a obrigação de pagar à instituição financeira.

Dessa forma, argumentou a empresa, o novo devedor assumiria o negócio apenas com o recebimento dos bens; por isso, só poderia discutir eventuais vícios contratuais a partir da celebração do pacto que resultou na assunção da dívida.

Devedora primitiva não compõe mais a relação obrigacional

O ministro Marco Aurélio Bellizze, relator do recurso especial, explicou que a assunção de dívida consiste no negócio jurídico em que o devedor originário é substituído por uma terceira pessoa, a qual assume a posição de devedora na relação obrigacional.

De acordo com o artigo 299 do Código Civil, prosseguiu o magistrado, para que o terceiro assuma a obrigação do devedor, é preciso que haja o consentimento expresso do credor, momento em que haverá a exoneração do devedor primitivo – salvo se esse terceiro, na época da assunção da dívida, fosse insolvente e o credor ignorasse esse fato. As condições legais para a assunção da dívida, apontou o relator, foram confirmadas nos autos.

Segundo Bellizze, se a responsabilidade pelo pagamento da dívida foi integralmente transferida a terceiros – ainda que, no caso, a devedora primitiva tenha entregado imóveis de sua propriedade por valores supostamente menores do que a cotação de mercado –, não é possível ajuizar ação para buscar a revisão do contrato, tendo em vista que a devedora primitiva não compõe mais o polo passivo da relação obrigacional.

Empresa teria que anular a assunção da dívida para discutir nulidades

Para o ministro, a empresa recorrente poderia, previamente, tentar anular a assunção da dívida, a fim de retornar à condição de devedora da obrigação perante o banco, e, a partir daí, discutir eventuais nulidades das cláusulas contratuais.

"A prevalecer o entendimento defendido pela recorrente acerca da sua legitimidade ativa ad causam, ela seria duplamente beneficiada, pois, além de ter sido liberada da totalidade do débito, em razão da assunção da dívida, não podendo mais ser cobrada pelo credor, ainda assim receberia pelos encargos indevidos do contrato, caracterizando verdadeiro comportamento contraditório (venire contra factum proprium)", concluiu o ministro ao manter a decisão do TJPR.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.423.315 - PR (2013/0222661-0)
RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE
RECORRENTE : AGROPECUÁRIA PONTE DE PEDRA S/C LTDA
ADVOGADO : VICENTE DE PAULA MARQUES FILHO E OUTRO(S) - PR019901
RECORRIDO : BANCO DO BRASIL SA
ADVOGADOS : CARLOS JOSE MARCIERI E OUTRO(S) - SP094556
ÂNGELO AURÉLIO GONÇALVES PARIZ E OUTRO(S) - DF023980
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REVISÃO DE CONTRATO BANCÁRIO C.C. PEDIDO DE
INDENIZAÇÃO E REPETIÇÃO DE INDÉBITO. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL.
NÃO OCORRÊNCIA. QUESTÕES DEVIDAMENTE ANALISADAS PELO TRIBUNAL DE
ORIGEM. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA FIRMADA COM TERCEIRO. EXONERAÇÃO DO DEVEDOR
PRIMITIVO DO VÍNCULO OBRIGACIONAL. ILEGITIMIDADE ATIVA PARA DISCUTIR AS
CLÁUSULAS DO CONTRATO, DO QUAL NÃO FAZ PARTE. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM
RESOLUÇÃO DE MÉRITO. ACÓRDÃO RECORRIDO MANTIDO NA ÍNTEGRA. RECURSO
DESPROVIDO.
1. O Tribunal de origem analisou expressamente a questão acerca da ilegitimidade ativa da
autora, ora recorrente, tanto que reformou a sentença para extinguir o feito, sem resolução
de mérito, nos termos do art. 267, inciso VI, do CPC/1973, não havendo que se falar em
negativa de prestação jurisdicional.
2. Se a responsabilidade pelo pagamento da dívida foi integralmente transferida a terceiros,
ainda que, para tanto, a devedora primitiva tenha entregado imóveis de sua propriedade por
valores supostamente abaixo do valor de mercado, não se revela possível o ajuizamento de
ação buscando a revisão do contrato com pedido de indenização e repetição de indébito,
considerando que a recorrente não compõe mais o polo passivo da relação obrigacional.
3. A recorrente deveria previamente tentar anular a assunção de dívida feita com os terceiros
assuntores, pela qual transferiu parte de seus imóveis em troca da sua liberação do vínculo
obrigacional, a fim de retornar à condição de devedora da obrigação junto à instituição
financeira, e, a partir daí, discutir eventuais nulidades das cláusulas contratuais, o que não
ocorreu na hipótese, razão pela qual deve o acórdão recorrido, que reconheceu a
ilegitimidade ativa ad causam da recorrente, ser mantido na íntegra.
4. Recurso especial desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator.
Os Srs. Ministros Moura Ribeiro, Nancy Andrighi e Ricardo Villas Bôas Cueva
(Presidente) votaram com o Sr. Ministro Relator.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino.
Brasília, 21 de setembro de 2021 (data do julgamento).
MINISTRO MARCO AURÉLIO BELLIZZE, Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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