Crédito com garantia fiduciária, mesmo que prestada por terceiros, não sofre os efeitos da recuperação

Crédito com garantia fiduciária, mesmo que prestada por terceiros, não sofre os efeitos da recuperação

A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) reafirmou o entendimento de que os créditos com garantia fiduciária não sofrem os efeitos da recuperação judicial, independentemente de o bem dado em garantia ter origem no patrimônio da empresa recuperanda ou no de terceiros.

O colegiado deu provimento a recurso especial de um banco para reformar acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que havia determinado que os créditos contratados por uma empresa de materiais hospitalares e garantidos por alienação fiduciária de um imóvel, bem como os valores oriundos de cessão fiduciária de duplicatas mercantis, se submetessem aos efeitos da recuperação da contratante.

O TJSP não acolheu o pedido do banco para excluir os créditos garantidos fiduciariamente dos efeitos da recuperação, sob o fundamento de que a garantia relativa à alienação fiduciária do imóvel foi prestada por terceiro, e determinou que eles se sujeitassem ao concurso de credores.

Direito do proprietário fiduciário prevalece

A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou que a matéria em discussão já foi analisada pelo colegiado no julgamento do REsp 1.549.529. Na ocasião, a turma decidiu que o fato de o imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da devedora não afasta a regra disposta no parágrafo 3º do artigo 49 da Lei 11.101/2005.

"O dispositivo legal estabelece que o crédito detido em face da recuperanda pelo titular da posição de proprietário fiduciário de bem móvel ou imóvel não se submete aos efeitos do processo de soerguimento, prevalecendo o direito de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais pactuadas", considerou a magistrada.

Segundo ela, o legislador não delimitou o alcance da regra exclusivamente para os bens alienados fiduciariamente originários do patrimônio da própria sociedade recuperanda, tendo apenas estipulado a não sujeição aos efeitos da recuperação do crédito titularizado pelo "credor titular da posição de proprietário fiduciário".

Interpretação coerente com o instituto da propriedade fiduciária

De acordo com a conclusão estabelecida naquele precedente, ressaltou a relatora, o dispositivo legal afasta por completo dos efeitos da recuperação não apenas o bem alienado fiduciariamente, mas o próprio contrato que ele garante.

Em seu voto, Nancy Andrighi afirmou que essa compreensão é coerente com toda a sistemática legal do instituto da propriedade fiduciária, "de modo que, estando distanciado referido instituto jurídico dos interesses dos sujeitos envolvidos – haja vista estar o bem alienado vinculado especificamente ao crédito garantido –, afigura-se irrelevante, ao contrário do entendimento defendido pelo tribunal de origem, a identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o objeto da garantia ou com a própria sociedade recuperanda".

RECURSO ESPECIAL Nº 1.938.706 - SP (2020/0312022-0)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : CAIXA ECONÔMICA FEDERAL
ADVOGADOS : ROBERTA PATRIARCA MAGALHÃES - SP219114
ANDRESSA BORBA PIRES - SP223649
RECORRIDO : MEDICAL LINE COMERCIO E MATERIAL MEDICO HOSPITALAR LTDA - EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL
RECORRIDO : ML COMERCIO, IMPORTACAO E EXPORTACAO DE MATERIAL
MEDICO HOSPITALAR LTDA - EM RECUPERACAO JUDICIAL
ADVOGADO : LEONARDO LIMA CORDEIRO - SP221676
INTERES. : KPMG CORPORATE FINANCE LTDA - ADMINISTRADOR
OUTRO NOME : KPMG CORPORATE FINANCE S.A.
ADVOGADO : OSANA MARIA DA ROCHA MENDONÇA - SP122930
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. IMPUGNAÇÃO À RELAÇÃO DE
CREDORES. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. NÃO OCORRÊNCIA.
CRÉDITOS GARANTIDOS POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. BEM IMÓVEL DE
TERCEIROS. CIRCUNSTÂNCIA QUE NÃO AFASTA A INCIDÊNCIA DA REGRA DO
ART. 49, § 3º, DA LFRE.
1. Incidente de impugnação à relação de credores distribuído em 24/1/2019.
Recurso especial interposto em 15/4/2020. Autos conclusos ao gabinete da
Relatora em 3/3/2021.
2. O propósito recursal, além de verificar eventual negativa de prestação
jurisdicional, consiste em definir (i) se o crédito vinculado à garantia prestada
por terceiros se submete aos efeitos da recuperação judicial da devedora bem
como (ii) se, para não sujeição de créditos garantidos por cessão fiduciária, é
necessária a inequívoca identificação do objeto da garantia.
3. Devidamente analisadas e discutidas as questões deduzidas pelas partes,
não há que se cogitar de negativa de prestação jurisdicional, ainda que o
resultado do julgamento não satisfaça os interesses da recorrente.
4. O afastamento dos créditos de titulares de posição de proprietário
fiduciário dos efeitos da recuperação judicial da devedora independe da
identificação pessoal do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel
ofertado em garantia ou com a própria recuperanda. Precedente específico da
Terceira Turma.
RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira
Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas
taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, dar provimento ao recurso especial
nos termos do voto do(a) Sr(a) Ministro(a) Relator(a). Os Srs. Ministros Paulo de Tarso
Sanseverino, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram

com a Sra. Ministra Relatora.
Dr. LEANDRO DA SILVA SOARES, pela parte RECORRENTE: CAIXA
ECONÔMICA FEDERAL
Brasília (DF), 14 de setembro de 2021(Data do Julgamento)
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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