Operadora que não dispõe de plano de saúde individual não é obrigada a manter beneficiária de contrato coletivo rescindido

Operadora que não dispõe de plano de saúde individual não é obrigada a manter beneficiária de contrato coletivo rescindido

Por maioria, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu provimento ao recurso de uma operadora e estabeleceu que, por não comercializar plano de saúde individual, ela não tem a obrigação de oferecer essa modalidade a uma beneficiária de plano coletivo cujo contrato foi rescindido.

O recurso teve origem em ação ajuizada por uma servidora aposentada para manter a cobertura após a rescisão unilateral, pela operadora, do contrato coletivo do qual ela era beneficiária enquanto estava em atividade.

O juízo de primeiro grau determinou que a empresa oferecesse à usuária contrato de plano de saúde individual, por tempo indeterminado, sem cumprimento de novas carências. O entendimento foi mantido pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, que ainda condenou a empresa em R$ 10 mil por danos morais.

O autor do voto que prevaleceu no julgamento do STJ, ministro Villas Bôas Cueva, verificou que a operadora alienou a totalidade da carteira de planos individuais e familiares para outra empresa, de forma que, por não mais comercializar essas modalidades, não poderia oferecer plano individual substituto quando da extinção do plano coletivo.

Lei não obriga a comercialização de plano individual

O magistrado explicou que, na hipótese de cancelamento do plano privado coletivo de assistência à saúde, deve ser permitido que os empregados ou ex-empregados migrem para planos individuais ou familiares, sem o cumprimento de carência, desde que a operadora comercialize esses planos.

Para Villas Bôas Cueva, no caso em análise, a operadora não cometeu nenhum abuso por comunicar à aposentada, no prazo legal, a extinção da apólice coletiva, visto ser inviável o oferecimento, em substituição, de plano individual – modalidade que não é mais explorada comercialmente.

Na avaliação do ministro, não pode ser considerada ilegal a atitude das operadoras que se negam a comercializar plano individual porque só atuam no segmento de planos coletivos. "Não há nenhuma norma legal que as obrigue a atuar em determinado ramo de plano de saúde", afirmou o ministro.

Segundo ele, o que é vedado é a discriminação de consumidores em relação a produtos e serviços oferecidos no mercado por determinado fornecedor, "como costuma ocorrer em recusas arbitrárias na contratação de planos individuais quando tal tipo estiver previsto na carteira da empresa".

Consumidor deve ser informado sobre portabilidade de carências

No caso em análise, Villas Bôas Cueva destacou que a operadora não rescindiu o contrato coletivo pelo fato de a beneficiária ser idosa, ou em virtude de suas características pessoais. "Ao contrário, o plano foi extinto para todos os beneficiários, de todas as idades, não havendo falar em arbitrariedade, abusividade ou má-fé", avaliou.

Ele destacou que, em situações como a dos autos, o consumidor pode se valer da portabilidade de carências (RN-ANS 438/2018) – instrumento que incentiva tanto a concorrência no setor de saúde suplementar quanto a maior mobilidade do beneficiário no mercado, já que o isenta da necessidade de cumprimento de novo período de carência.

Em seu voto, acompanhado pela maioria da turma, o ministro determinou que a operadora faça nova comunicação à aposentada sobre a extinção do contrato coletivo, dando-lhe ciência de seu direito de exercer a portabilidade de carências.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.924.526 - PE (2020/0212586-9)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
RECORRENTE : VISION MED ASSISTENCIA MEDICA LTDA
ADVOGADOS : JOSÉ AFONSO BRAGANÇA BORGES E OUTRO(S) - PE012178
RODRIGO ZANATTA MACHADO - DF041552
MARCELA AGUIAR SALOMAO - PE022282A
SOC. de ADV. : ADVOCACIA FONTES ADVOGADOS ASSOCIADOS SS
RECORRENTE : MARLIETE DE LIRA PESSOA
ADVOGADOS : AMANDA TAVARES DE MELO - PE040911
GUILHERME OSVALDO CRISANTO TAVARES DE MELO - PE016295A
RECORRIDO : OS MESMOS
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO
JURISDICIONAL. SUPERAÇÃO. PLANO DE SAÚDE COLETIVO EMPRESARIAL.
OPERADORA. RESILIÇÃO UNILATERAL. LEGALIDADE. INCONFORMISMO.
BENEFICIÁRIO IDOSO. PLANO INDIVIDUAL. MIGRAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
MODALIDADE. NÃO COMERCIALIZAÇÃO. PORTABILIDADE DE CARÊNCIAS.
ADMISSIBILIDADE. NOVO PLANO DO EMPREGADOR. ABSORÇÃO.
1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código
de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ).
2. As questões controvertidas nestes autos são: a) se ocorreu negativa de
prestação jurisdicional pela Corte de origem no julgamento dos embargos de
declaração; e b) se a operadora que resiliu unilateralmente plano de saúde
coletivo empresarial possui a obrigação de fornecer ao usuário idoso, em
substituição, plano na modalidade individual, nas mesmas condições de valor do
plano extinto, ainda que não comercialize tal modalidade.
3. Superação da preliminar de negativa de prestação jurisdicional,
considerando-se que a operadora não comercializava à época do evento nem
oferece atualmente planos de saúde individuais.
4. Quando houver o cancelamento do plano privado coletivo de assistência à
saúde, deve ser permitido aos empregados ou ex-empregados migrarem para
planos individuais ou familiares, sem o cumprimento de carência, desde que a
operadora comercialize tais modalidades de plano (arts. 1º e 3º da Res.-CONSU
nº 19/1999).
5. A operadora não pode ser obrigada a oferecer plano individual a usuário idoso
de plano coletivo extinto se ela não disponibiliza no mercado tal modalidade
contratual (arts. 1º e 3º da Res.-CONSU nº 19/1999). Inaplicabilidade, por
analogia, da regra do art. 31 da Lei nº 9.656/1998.
6. Na hipótese, o ato da operadora de resilir o contrato coletivo não foi
discriminatório, ou seja, não foi pelo fato de a autora ser idosa ou em virtude de
suas características pessoais. Ao contrário, o plano foi extinto para todos os
beneficiários, de todas as idades, não havendo falar em arbitrariedade,
abusividade ou má-fé.
7. A situação de usuário sob tratamento médico que deve ser amparado
temporariamente, pela operadora, até a respectiva alta em caso de extinção do
plano coletivo não equivale à situação do idoso que está com a saúde hígida, o
qual pode ser reabsorvido por outro plano de saúde (individual ou coletivo) sem
carências, oferecido por empresa diversa.
8. É certo que a pessoa idosa ostenta a condição de hipervulnerável e merece
proteção especial, inclusive na Saúde Suplementar. Ocorre que já existem
políticas públicas instituídas tanto pelo Poder Executivo quanto pelo Poder
Legislativo de modo a proteger essa parcela da população, havendo mecanismos
derivados de ações afirmativas: custeio intergeracional, vedação de reajustes por
mudança de faixa etária após o atingimento da idade de 60 (sessenta) anos,
preferência em atendimentos assistenciais, vedação da seleção de risco,
manutenção no plano coletivo empresarial após a aposentadoria, entre outros.
São políticas públicas desenhadas democraticamente, portanto, participativas, e
precedidas de estudos de impacto no mercado, com avaliações periódicas de
viabilidade.
9. Não se revela adequado ao Judiciário obrigar a operadora de plano de saúde
que, em seu modelo de negócio, apenas comercializa planos coletivos, a oferecer
também planos individuais, tão somente para idosos e com valores de
mensalidade defasados, de efeito multiplicador, e sem a constituição adequada
de mutualidade: esses planos não sobreviveriam. Ademais, a operadora também
não pode ser compelida a criar um produto único e exclusivo para apenas a
demandante.
10. A função social do contrato não pode ser usada para esvaziar por completo o
conteúdo da função econômica do contrato. Um cenário de insolvência de
operadoras de plano de saúde e de colapso do setor da Saúde Suplementar não
seria capaz de densificar o princípio da dignidade da pessoa humana.
11. O instituto da portabilidade de carências (RN-ANS nº 438/2018) pode ser
utilizado e mostra-se razoável e adequado para assistir a população idosa, sem
onerar em demasia os demais atores do campo da saúde suplementar.
12. Nas situações de denúncia unilateral do contrato de plano de saúde coletivo
empresarial, é recomendável ao empregador promover a pactuação de nova
avença com outra operadora, evitando-se prejuízos aos seus empregados (ativos
e inativos), que não precisarão se socorrer da portabilidade ou da migração a
planos individuais, de custos mais elevados. Aplicabilidade do Tema
Repetitivo-STJ nº 1.034.
13. Não há falar em manutenção do mesmo valor das mensalidades aos
beneficiários que migram do plano coletivo empresarial para o plano individual,
haja vista as peculiaridades de cada regime e tipo contratual (atuária e massa de
beneficiários), que geram preços diferenciados. O que deve ser evitado é a
abusividade, tomando-se como referência o valor de mercado da modalidade
contratual.
14. Recurso especial da operadora de plano de saúde provido. Recurso especial
da beneficiária prejudicado.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas,
prosseguindo no julgamento, após o voto-vista desempate do Sr. Ministro Moura Ribeiro, decide
a TERCEIRA TURMA, por maioria, dar provimento ao recurso da Vision Med Assistência Médica
Ltda e julgar prejudicado o recurso de Marliete de Lira Pessoa, nos termos do voto do Sr.
Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, que lavrará o acórdão. Vencidos a Sra. Ministra Nancy
Andrighi e o Sr. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino. Votaram com o Sr. Ministro Ricardo Villas
Bôas Cueva os Srs. Ministros Marco Aurélio Bellize e Moura Ribeiro.
Brasília (DF), 22 de junho de 2021(Data do Julgamento)

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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