Sem averbação da execução no registro do imóvel, configuração de fraude em alienações sucessivas exige prova de má-fé

Sem averbação da execução no registro do imóvel, configuração de fraude em alienações sucessivas exige prova de má-fé

Com base na jurisprudência da corte, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu os critérios para que o reconhecimento de fraude à execução na venda de imóvel do devedor tenha efeitos em relação às alienações subsequentes, a partir de dois cenários principais:

1) Caso exista registro prévio da ação ou da penhora na matrícula do imóvel alienado a terceiro, haverá presunção absoluta do conhecimento do adquirente sucessivo e, portanto, da ocorrência de fraude. Sendo declarada a ineficácia da transação entre o devedor e o adquirente primário, as alienações posteriores também serão consideradas ineficazes.

2) Se não houver registro da penhora ou da ação, caberá ao credor provar a má-fé do adquirente sucessivo. Ainda que a venda ao primeiro comprador tenha ocorrido em fraude à execução, as alienações sucessivas não serão automaticamente ineficazes. Dessa forma, a sua ineficácia perante o credor dependerá da demonstração de que o adquirente posterior tinha conhecimento da ação contra o proprietário original.

Imóvel vendido quando não havia restrição em cartório

O recurso teve origem em embargos de terceiros apresentados pelos compradores de um imóvel que havia sido adquirido pelo vendedor, dois anos antes, de pessoas que estavam sendo executadas por uma empresa de factoring. Após o reconhecimento de fraude à execução na primeira alienação, os embargantes alegaram que fizeram o negócio de boa-fé, pois, naquele momento, não constava no cartório imobiliário nenhuma informação sobre o processo.

Os embargos foram julgados improcedentes em primeiro grau, mas o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) reformou a sentença por considerar que não havia qualquer restrição no registro imobiliário quando o negócio foi celebrado, e que o reconhecimento da fraude na primeira alienação não afetava automaticamente a venda subsequente.

Em recurso ao STJ, a empresa de factoring sustentou que a venda foi intermediada por imobiliária, a qual, experiente no ramo, tem o hábito de obter certidões sobre ações e execuções antes do fechamento de um negócio, razão pela qual os compradores não poderiam alegar desconhecimento da execução.

Hipóteses para o reconhecimento da fraude à execução

A relatora do recurso especial, ministra Nancy Andrighi, explicou que o reconhecimento de fraude à execução leva à ineficácia da alienação do bem em relação ao exequente (artigo 792, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil de 1015).

Com base na legislação e na interpretação do STJ, a ministra apontou as hipóteses em que a alienação ou a oneração do bem podem ser consideradas fraude à execução: a) quando sobre o bem houver ação baseada em direito real ou com pretensão reipersecutória  (reivindicação de um bem ou direito que não se encontra no próprio patrimônio); b) quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de execução; c) quando o bem tiver sido objeto de constrição nos autos da ação em que foi suscitada a fraude; d) quando, no momento da alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à insolvência.

Quanto à prévia averbação da penhora no registro imobiliário, a magistrada destacou que, segundo a jurisprudência, ela é requisito de eficácia perante terceiros, gerando presunção absoluta de conhecimento para estes e, portanto, de fraude à execução "caso o bem tenha sido alienado ou onerado após a averbação" – situação que também se aplica na hipótese de averbação de execução pendente.

Falta de averbação exige comprovação de má-fé

No entanto – esclareceu Nancy Andrighi –, se não há a averbação de penhora ou execução, essa circunstância não impede totalmente o reconhecimento de fraude à execução, "mas caberá ao credor comprovar a má-fé do terceiro, vale dizer, que o adquirente tinha conhecimento acerca da pendência do processo". Essa orientação está consolidada na Súmula 375 do STJ.

No caso dos autos, a relatora observou que a empresa de factoring não providenciou a averbação da execução no registro imobiliário nem comprovou que os adquirentes sucessivos tinham conhecimento da ação em trâmite contra os executados (primeiros vendedores).

"Não há que se falar, por conseguinte, em extensão da decisão que reconheceu a fraude à execução na primeira alienação e, portanto, em ineficácia do negócio celebrado entre os recorridos e o primeiro comprador", concluiu a ministra.

Ao negar provimento ao recurso especial, ela ressaltou ainda que – como bem apontado pelo TJSP –, as certidões judiciais de ações e execuções que devem ser verificadas na alienação de imóvel dizem respeito ao vendedor, não se exigindo uma investigação de toda a cadeia dominial passada.

RECURSO ESPECIAL Nº 1863999 - SP (2020/0048011-4)
RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI
RECORRENTE : ARAGUAYA FOMENTO FACTORING MERCANTIL LTDA
ADVOGADOS : ERICH BERNAT CASTILHOS - SP160568
THIAGO DE BORGIA MENDES PEREIRA - SP234863
DANILO BORRASCA RODRIGUES - SP311852
RECORRIDO : ALDO JOSÉ CASTRÃO
RECORRIDO : MARIA APARECIDA DO REGO CASTRAO
ADVOGADO : NOEMI CRISTINA DE OLIVEIRA - SP147733
INTERES. : SADI ALMEIDA DE OLIVEIRA
INTERES. : TEREZINHA DAS GRAÇAS ALMEIDA OLIVEIRA
ADVOGADO : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS - SE000000M
EMENTA
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À
EXECUÇÃO. ALIENAÇÕES SUCESSIVAS. EXTENSÃO AUTOMÁTICA DA
INEFICÁCIA DA PRIMEIRA ALIENAÇÃO ÀS TRANSAÇÕES SUBSEQUENTES.
IMPOSSIBILIDADE. JULGAMENTO: CPC/2015.
1. Embargos de terceiro opostos em 07/05/2018, dos quais foi extraído o
presente recurso especial interposto em 19/08/2019 e concluso ao gabinete
em 28/08/2020.
2. O propósito recursal consiste em dizer sobre a configuração da fraude à
execução em caso de alienações sucessivas.
3. A fraude à execução atua no plano da eficácia, de modo que conduz à
ineficácia da alienação ou oneração do bem em relação ao exequente (art.
592, V, do CPC/73; art. 792, § 2º, do CPC/2015). Em outros termos, é como se
o ato fraudulento não tivesse existido para o credor.
4. As hipóteses em que a alienação ou oneração do bem são consideradas
fraude à execução podem ser assim sintetizadas: (i) quando sobre o bem
pender ação fundada em direito real ou com pretensão reipersecutória; (ii)
quando tiver sido averbada, no registro do bem, a pendência do processo de
execução; (iii) quando o bem tiver sido objeto de constrição judicial nos autos
do processo no qual foi suscitada a fraude; (iv) quando, no momento da
alienação ou oneração, tramitava contra o devedor ação capaz de reduzi-lo à
insolvência (art. 593 do CPC/73 e art. 792 do CPC/2015).
5. Esta Corte tem entendimento sedimentado no sentido de que a inscrição da
penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas
sim requisito de eficácia perante terceiros. Precedentes. Por essa razão, o
prévio registro da penhora do bem constrito gera presunção absoluta (juris et
de jure) de conhecimento para terceiros e, portanto, de fraude à execução
caso o bem seja alienado ou onerado após a averbação (art. 659, § 4º, do
CPC/73; art. 844 do CPC/2015). Presunção essa que também é aplicável à
hipótese na qual o credor providenciou a averbação, à margem do registro, da
pendência de ação de execução (art. 615-A, § 3º, do CPC/73; art. 828, § 4º, do
CPC/2015).
6. Por outro lado, se o bem se sujeitar a registro e a penhora ou a ação de
execução não tiver sido averbada no respectivo registro, tal circunstância não
obsta, prima facie, o reconhecimento da fraude à execução. Nesse caso,
entretanto, caberá ao credor comprovar a má-fé do terceiro; vale dizer, de
que o adquirente tinha conhecimento acerca da pendência do processo. Essa
orientação é consolidada na jurisprudência deste Tribunal Superior e está
cristalizada na Súmula 375 do STJ e no julgamento do Tema 243.
7. Desse modo, são pressupostos genéricos da fraude à execução: (i) processo
judicial em curso em face do devedor/executado; (ii) registro, na matrícula do
bem, da penhora ou outro ato de constrição judicial ou averbação
premonitória ou, então, prova da má-fé do terceiro adquirente.
8. Em caso de alienações sucessivas, inicialmente, é notório que não se exige a
pendência de processo em face do alienante do qual o atual proprietário
adquiriu o imóvel. Tal exigência, em atenção aos ditames legais (art. 593 do
CPC/73 e art. 792 do CPC/2015), deve ser observada exclusivamente em
relação ao devedor que figura no polo passivo da ação de conhecimento ou de
execução. É dizer, a litispendência é pressuposto a ser analisado
exclusivamente com relação àquele que tem relação jurídica com o credor.
9. No que concerne ao requisito do registro da penhora ou da pendência de
ação ou, então, da má-fé do adquirente, o reconhecimento da ineficácia da
alienação originária, porque realizada em fraude à execução, não contamina,
automaticamente, as alienações posteriores. Nessas situações, existindo
registro da ação ou da penhora à margem da matrícula do bem imóvel
alienado a terceiro, haverá presunção absoluta do conhecimento do
adquirente sucessivo e, portanto, da ocorrência de fraude. Diversamente, se
inexistente o registro do ato constritivo ou da ação, incumbe ao
exequente/embargado a prova da má-fé do adquirente sucessivo.
10. No particular, o imóvel não foi adquirido pelos recorridos (embargantes)
diretamente dos executados, mas sim de terceiro que o comprou destes.
Embora tenha sido reconhecida a fraude na primeira alienação, isto é, dos
executados ao adquirente primitivo, o quadro fático delineado na origem
revela que a credora não havia procedido à averbação, na matrícula do imóvel,
da pendência de execução, tampouco se desincumbiu de comprovar a má-fé
dos adquirentes posteriores; isto é, de que eles tinham conhecimento da
existência de ação capaz de reduzir o devedor à insolvência. Não há que se
falar, assim, em ineficácia da alienação subsequente.
11. Recurso especial conhecido e desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam
os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade,
conhecer e negar provimento ao recurso especial, nos termos do voto do(a) Sr(a).
Ministro(a) Relator(a).
Os Srs. Ministros Paulo de Tarso Sanseverino (Presidente), Ricardo Villas Bôas
Cueva e Marco Aurélio Bellizze votaram com a Sra. Ministra Relatora.
Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Moura Ribeiro.
Brasília, 03 de agosto de 2021.
MINISTRA NANCY ANDRIGHI
Relatora

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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