STJ reconhece validade de exclusão de coberturas prevista em contrato de seguro

STJ reconhece validade de exclusão de coberturas prevista em contrato de seguro

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou recurso especial por meio do qual a Associação Nacional de Defesa da Cidadania e do Consumidor (Anadec), alegando seu caráter abusivo, pretendia anular as cláusulas que reduziram a cobertura de um contrato de seguro de vida em grupo.

O contrato previa garantia adicional para invalidez por acidente – mas com exclusão da cobertura nas hipóteses de acidente decorrente de hérnia, parto, aborto, perturbações e intoxicações alimentares ou choque anafilático. Por unanimidade, o colegiado considerou que essas limitações de cobertura não contrariam a natureza do contrato nem esvaziam seu objeto; apenas delimitam as hipóteses de não pagamento da indenização.  

Relator do recurso, o ministro Antonio Carlos Ferreira afirmou que é da própria natureza do contrato de seguro que sejam previamente estabelecidos os riscos cobertos, a fim de que exista o equilíbrio atuarial entre o valor pago pelo consumidor e a indenização de responsabilidade da seguradora, caso ocorra o sinistro.

Na ação civil pública que deu origem ao recurso, a Anadec alegou que, ao fazer um seguro desse tipo, o consumidor, parte mais vulnerável, tem em mente o que o senso comum considera situações acidentais; no entanto, nas minúcias do contrato, muitas delas estão excluídas da cobertura.

Liberdade negocial e autonomia privada

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que a conduta da seguradora não foi abusiva, uma vez que a exclusão dos riscos estava expressamente prevista nas condições gerais do contrato.

Segundo o ministro Antonio Carlos Ferreira, é assegurada a revisão judicial do contrato de seguro quando verificada a existência de cláusula abusiva, imposta unilateralmente pelo fornecedor, que contrarie a boa-fé objetiva ou a equidade, promovendo desequilíbrio contratual e oneração excessiva ao consumidor, como nas hipóteses do artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Porém, ele afirmou que, não sendo configurado o abuso, deve ser prestigiada a liberdade negocial, consequência primordial da autonomia privada. De acordo com o relator, a exclusão de restrições de cobertura pela Justiça pode ocasionar o desequilíbrio econômico do contrato (artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro).

Cláusulas restritivas são inerentes ao contrato de seguro

Antonio Carlos Ferreira explicou que a delimitação, pelo segurador, dos riscos a serem cobertos é inerente à natureza jurídica do contrato de seguro, conforme os artigos 757 e 760 do Código Civil. Ele também lembrou que a jurisprudência do STJ considera ser da essência do contrato de seguro essa delimitação de riscos (REsp 1.782.032).

"O próprio Código de Defesa do Consumidor permite a inserção de cláusula limitativa de direito em contrato de adesão, apenas exigindo que seja redigida com destaque (artigo 54, parágrafo 4º, do CDC), o que foi plenamente atendido, segundo o acórdão recorrido", afirmou o ministro.

Intervenção mínima do Estado

O relator destacou, ainda, que o artigo 421, parágrafo único, do Código Civil estabelece a prevalência da intervenção mínima do Estado e a excepcionalidade da revisão dos contratos na esfera do direito privado, e que o artigo 2º, inciso III, da Lei 13.874/2019 enfatiza a necessidade de observância do princípio da intervenção subsidiária e excepcional sobre as atividades econômicas.

Segundo o magistrado, o eventual caráter abusivo de uma cláusula limitativa de cobertura deve ser examinado em cada caso específico, pontualmente, levando em conta aspectos como o valor da mensalidade do seguro em comparação com os preços de mercado, as características do consumidor, os efeitos da inclusão de novos riscos nos cálculos atuariais e a transparência das informações no contrato.

O que não se pode – concluiu, ao confirmar o acórdão do TJSP – é alterar o contrato com base apenas na alegação hipotética e genérica de prejuízo ao consumidor, relatada ao Poder Judiciário de forma abstrata, sob a vaga alegação de abuso da posição dominante da seguradora.

RECURSO ESPECIAL Nº 1.358.159 - SP (2012/0261526-2)
RELATOR : MINISTRO ANTONIO CARLOS FERREIRA
RECORRENTE : ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE DEFESA DA CIDADANIA E DO
CONSUMIDOR
ADVOGADO : RONNI FRATTI - SP114189
RECORRIDO : COMPANHIA DE SEGUROS ALIANÇA DO BRASIL
ADVOGADOS : FLAVIO OLIMPIO DE AZEVEDO - SP034248
RENATO OLÍMPIO SETTE DE AZEVEDO - SP180737
EMENTA
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL
PÚBLICA. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. GARANTIA ADICIONAL POR
INVALIDEZ PERMANENTE TOTAL OU PARCIAL POR ACIDENTE.
DELIMITAÇÃO DA COBERTURA SECURITÁRIA. LEGALIDADE. CLÁUSULA
ABUSIVA. INEXISTÊNCIA. RECURSO DESPROVIDO.
1. Devem ser consideradas abusivas as cláusulas impostas unilateralmente
pelo fornecedor, que contrariem a boa-fé objetiva e a equidade,
promovendo desequilíbrio contratual, com consequente oneração excessiva
do consumidor.
2. O caso dos autos cinge-se a verificar, em abstrato, a legalidade de
cláusulas em contrato de seguro de vida em grupo, com garantia adicional
por "Invalidez Permanente Total ou Parcial por Acidente" (IPA), nas quais há
delimitação dos riscos, com exclusão da cobertura em hipóteses restritas e
predeterminadas de invalidez por acidente.
3. Nas relações consumeristas, ante a fragilidade do polo consumidor, é
possível afastar a autonomia privada e alterar os termos do negócio jurídico
quando reconhecida a abusividade das cláusulas ou das condições do
contrato, evidenciando onerosidade excessiva. Por sua vez, caso não
configurada a abusividade contratual ou ainda qualquer vício na
manifestação da vontade das partes contratantes, de rigor seja prestigiada
a liberdade negocial.
4. É da própria natureza do contrato de seguro a prévia delimitação dos
riscos cobertos a fim de que exista o equilíbrio atuarial entre o valor a ser
pago pelo consumidor e a indenização securitária de responsabilidade da
seguradora, na eventual ocorrência do sinistro.
5. A restrição da cobertura do seguro às situações específicas de invalidez
por acidente decorrente de "qualquer tipo de hérnia e suas conseqüências",
"parto ou aborto e suas conseqüências", "perturbações e intoxicações
alimentares de qualquer espécie, bem como as intoxicações decorrentes da
ação de produtos químicos, drogas ou medicamentos, salvo quando
prescritos por médico devidamente habilitado, em decorrência de acidente
coberto" e "choque anafilático e suas conseqüências" não contraria a
natureza do contrato de seguro nem esvazia seu objeto, apenas delimita as
hipóteses de não pagamento do prêmio.
6. Ademais, é prudente que a análise da abusividade contratual seja
realizada no caso concreto específico e pontual, ocasião em que deverão
ser verificados aspectos circunstanciais, como o valor da mensalidade do
seguro e do prêmio correspondente, realizando-se ainda uma comparação
com outros contratos de seguro ofertados no mercado; as características do
consumidor segurado; os efeitos nos cálculos atuariais caso incluída a
cobertura de novos riscos; se houve informação prévia, integral e adequada
a respeito da cláusula limitativa, inclusive com redação destacada na
apólice de seguro, entre outros.
7. Dessa forma, a cláusula contratual que circunscreve e particulariza a
cobertura securitária não encerra, por si, abusividade nem indevida
condição potestativa por parte da seguradora, ainda que analisada – de
forma puramente abstrata – pela ótica do Código de Defesa do Consumidor.
8. Recurso especial a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
A Quarta Turma, por unanimidade, negou provimento ao recurso especial,
nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Marco Buzzi (Presidente),
Luis Felipe Salomão, Raul Araújo e Maria Isabel Gallotti votaram com o Sr. Ministro
Relator.
Brasília-DF, 08 de junho de 2021 (Data do Julgamento)
Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA
Relator

Esta notícia foi publicada originalmente em um site oficial (STJ - Superior Tribunal de Justiça) e não reflete, necessariamente, a opinião do DireitoNet. Permitida a reprodução total ou parcial, desde que citada a fonte. Consulte sempre um advogado.
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